NOVO HAMBURGO
CATÁSTROFE NO RS: Moradores de Canudos avaliam estragos, enquanto outros vivem a angústia de não poder voltar para casa
Apesar da enchente não atingir mais alguns locais, muitas residências estão inabitáveis
Última atualização: 08/05/2024 20:56
Para uma parte de moradores do bairro Canudos, em Novo Hamburgo, o momento já permite dar os primeiros passos para uma reconstrução daquilo que a maior enchente da história destruiu. Porém, o processo é lento e doloroso. Os estragos precisam ser contabilizados e, principalmente, retirados de dentro das casas. E no estado atual, muitos ainda precisam de abrigo porque, num cenário de destruição, não há lugar nem mesmo para se sentar.
Morador da rua Leonidas Bessa Simões, Fábio Luis Terra, 48 anos, observa o que restou de sua casa, onde tudo foi perdido. Dentro da casa, os destroços ainda se acumulam por todos os cantos junto à lama deixada pela enxurrada. “Aqui, qualquer chuva entope o bueiro em duas horas e a rua começa a ficar alagada, mas enchente mesmo, no máximo vinha água no pátio. Dessa vez, a gente estava levantando os móveis e de repente tudo subiu”, conta.
No terreno de Fábio, há outras duas casas onde vivem seus familiares, como sua sobrinha, Cristiane Oliveira Costa, 32 anos. Os primeiros pertences puderam ser retirados de reboque para outro local, mas durante o trabalho, foram surpreendidos pelas águas. “Em determinado momento, já não adiantava tentar tirar, e eu, que sou o último aqui, não tive tempo de tirar as coisas da minha própria casa. Primeiro eu faço pela minha mãe e pela família, depois por mim”, acrescenta o morador.
Nesta quarta-feira (8), a família aproveitou o quanto pôde para lavar o que ainda há esperança de ser salvo, mas com a chegada de mais uma chuva, os trabalhos foram prejudicados.
Na casa ao lado, vive Zilda e Laurindo Frantz, ambos de 58 anos. A água começou a invadir a casa ainda na quinta-feira (2) de manhã, e somente na terça (7) é que puderam iniciar a limpeza. Neste período, ficaram na casa do filho Vinicius Frantz, 25, que mora no Mundo Novo. “Nós estamos há dois dias nessa limpeza, e com medo de que a água volte com essa nova chuva. Tudo o que tinha no quarto mais baixo, foi fora. Limpamos os sofás com lava-jato e agora esperamos secar para ver se será possível aproveitar”, detalha Zilda.
A filha do casal, Diessica Frantz da Silva, 31, que ajuda na limpeza da casa dos pais, não pôde fazer o mesmo em seu próprio lar. Moradora da rua Roosevelt, sua casa ainda está em meio às águas do Rio dos Sinos. “Vizinhos que conseguiram ir pra lá de barco, disseram que a enchente ainda está na cintura, mas ela tinha passado do telhado. Apesar de ninguém ter morrido, dói ver tudo o que meus pais conquistaram durante a vida ser destruído assim”, lamenta.
União para superar o momento
Próximo dali, na rua Maria do Carmo Miranda da Cunha, Marli Jacinta Palinski, de 64 anos, teve sua casa tomada pela água. Ao entrar pela garagem, o cenário que enxergam quem chega em sua residência é de espanto: não há nada lá dentro. A sala, já limpa na medida do possível, não contém mais um único móvel. Nos quartos, as camas também foram jogadas fora, restando a tentativa de salvar dois colchões. As portas também precisaram ser retiradas, pois incharam e se dobraram. “Se deixasse elas, quando fechasse ficaria trancada”, relata.
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Apesar de todos os problemas, Marli limpava sua casa nesta quarta-feira (8) com um sorriso no rosto, na companhia de mais nove amigas, membros do grupo Amigas Mãos Dadas, da Paróquia Nossa Senhora do Rosário. Todas se juntaram para ajudar como podem. “Nesse momento, quem não foi atingido ajuda quem foi. A água cobriu a minha casa, agora tá tudo vazio, mas a gente têm essa solidariedade”, finaliza.
“A gente tinha um sonho…”
Vizinho de Marli, Marcos Paulo dos Santos Silva, 48, mora com a esposa, três filhos (entre 14 e 24 anos), dois netos (2 e 3 anos) e a nora. Comparada às perdas das outras famílias, as dele foram menores, mas o suficiente para adiar um de seus sonhos. “Eu estava reconstruindo a minha casa, a gente tinha um sonho. Mas agora ele vai ter que esperar, precisamos recuperar muitas coisas primeiro e o dinheiro que eu tinha nesse momento, acabei gastando”, conta. Entre as despesas, está a compra de camas para as crianças.
Em pelo menos três cômodos, Marcos Paulo precisou fazer buracos na parede para que a água escoasse. Não bastasse a “desconstrução” de sua casa e os gastos a mais, os buracos e a enchente também trouxeram riscos de doenças. “Tem muito rato andando pelo forro, eles entraram na enchente e ficaram. Os gatos vão ter que trabalhar”, conclui.
Agora que os primeiros passos foram dados, a pedida dos moradores é de que o Poder Público envie caminhões para o bairro para fazer a retirada dos entulhos que se acumulam em frente de cada casa. "Se esses restos de móveis continuarem aqui, não vai mais dar para os carros passarem e os entulhos vão fechar os bueiros, então se chover de novo, vai alagar tudo novamente", alerta Fábio Luis Terra.