FOLIA NO FINDE
Carnaval em Hamburgo Velho relembra os tempos do bloco do Caneco
Neste domingo (19) tem festa no bairro histórico de Novo Hamburgo que remete aos carnavais de 1950 e até de antes
Última atualização: 24/01/2024 13:55
Em uma venda de Hamburgo Velho, uma importante discussão prende a atenção de moradores. É a década de 1950 e o armazém cumpre o papel de um centro comunitário, espaço para discussão dos problemas locais. Neste caso, o problema é que a escrivã Sônia flagrou sua filha em casa com um rapaz. Um bafafá tremendo. Mas boa parte dos presentes estava pouco preocupada com o dilema moral em debate e lutava para abreviar o encontro. Acontece que a uma quadra dali, nas proximidades do Bar Maracanã, uma turma se reunia para o ensaio do bloco carnavalesco humorístico General da Banda.
Toda essa cena descrita é ficção, mas tem base na realidade. Trata-se de parte de uma esquete escrita pelo grupo teatral Reino Encantado, que se passa em Hamburgo Velho, na década de 1950. Naquela época, o carnaval já movimentava as ruas do Centro Histórico de Novo Hamburgo com os ensaios do ‘bloco do Caneco’, como era conhecido popularmente o General da Banda, graças ao seu líder, Urbano Arnecke, o Caneco.
E foi a partir dessa ficção que surgiu a ideia de se retomar o carnaval de rua de Hamburgo Velho. O texto ensaiado deixou saudosos os integrantes do grupo, hoje com idades entre 60 e 95 anos. Ao recordarem dos ensaios e desfiles do famoso bloco do Caneco, eles pensaram: "e por que não um carnaval de rua em Hamburgo Velho?"
A provocação foi feita ao secretário de Cultura, Ralfe Cardoso, durante a Feira do Livro de 2022, e deu início ao projeto, que se concretiza neste domingo (19), como Hamburgo Velho Folia. Caneco morava em um casa que fica ao lado da atual sede da Secretaria de Cultura, local onde será realizado o evento (mais detalhes abaixo).
“Foi o gatilho para a gente produzir o evento. Sem essa doce provocação, talvez não saísse este ano. Era algo que a gente pensava em fazer, mas nunca tinha perna e fôlego para cumprir”, afirma o secretário.
Integrante do grupo, o publicitário aposentado Artur Manoel de Oliveira, 80 anos, recorda com saudosismo os carnavais de sua infância e juventude. Tendo crescido entre Hamburgo Velho e o bairro São Jorge, ele conta que vivenciou o carnaval “dos brancos”, em Hamburgo Velho, e “dos pretos”, em blocos como o Leões, que tornou-se parte da Sociedade Cruzeiro do Sul.
“Hamburgo Velho sempre foi centro cultural da cidade, era a cidade alta”, recorda. “Nos ensaios do bloco do Caneco, eu era guri, mas já participava. O pessoal trazia barril de chope para a rua e as crianças tomavam sodinha da Cassel, uma fabricante de bebidas da época. O pessoal ficava bebendo, ensaiando e confeccionando aqueles carros alegóricos que eram um deboche.”
Prefeito da folia
Urbano Arnecke foi uma figura de grande atuação na cidade, além de ter tido uma fábrica de fôrmas para calçados no porão de sua casa. Na década de 1940, foi goleiro de futebol, com atuação pelo Football Club Esperança e pelo Grêmio. Mais tarde elegeu-se vereador, por dois mandatos, e foi vice-prefeito de 1969 a 1973. Presidiu também a Sociedade Ginástica de Hamburgo Velho por três vezes. Viveu de 1922 a 1989. Em 1990 virou nome de rua no bairro São Jorge.
E era no carnaval que Arnecke se realizava. Os ensaios do bloco eram em sua casa. E era ali que o grupo se preparava e partia para os desfiles oficiais no Centro.
No General da Banda, desfilavam apenas homens, muitos vestidos de mulher ou mascarados. Temas do cotidiano da cidade, da comunidade e da política eram alvo de troça do bloco humorístico.
Arnecke chegou a ser prefeito por alguns dias, durante o carnaval de 1970, quando o prefeito Alceu Mosmann se afastou provisoriamente do cargo. No dia 7 de fevereiro, o jornal Folha da Manhã noticiava que, com Caneco no comando da cidade, “o programa é tornar o carnaval de rua em Novo Hamburgo o maior de todos os tempos”.
Os desfiles, organizados por Alfeu Klein, seriam assistidos por cerca de duas mil pessoas, em arquibancadas de 150 metros, com seis degraus, montadas na Pedro Adams. Às 21 horas em ponto, o bloco “Os Palhaços”, da Sociedade Aliança, abria a avenida para os desfiles oficiais.
O trem do Caneco não rodava sobre trilhos
Um dos mais marcantes feitos do bloco foi a confecção de um trem para o carnaval. “Esse trem nunca me saiu da memória”, recorda o editor Gilberto Winter. Na infância, ele morou na rua Piratini e ainda hoje recorda da vez em que viu o trem do General da Banda virar a esquina da Maurício Cardoso com a General Daltro Filho, e passar em frente ao Bar Maracanã, a caminho de Novo Hamburgo - naquele tempo, era assim que o pessoal de Hamburgo Velho se referia à ida ao Centro.Winter não sabia o que movia o carro alegórico, mas a sensação que tinha, era de que um trem de verdade rodava sem trilhos pelas ruas do bairro. “Foi uma coisa tão fantástica, para um piá, ver uma máquina de trem andando pela cidade. A gente morava perto da estação, então a gente via o trem de verdade passar. E passar um trem na rua, aquilo ali foi inesquecível.”
A locomotiva do General da Banda era montada em cima de uma caminhonete. As mulheres, que não desfilavam no bloco, iam no trem.
Filha de Urbano, Lisete Arnecke recorda que o trem chamou atenção de Vicente Rao, o mais lembrado rei momo do carnaval porto-alegrense. “Eles faziam muitas coisas diferentes dos outros blocos. Esse trem foi desfilar em Porto Alegre. Vicente Rao era o Rei Momo. Ele veio para cá, se entusiasmou e disse ‘vamos levar esse trem a Porto Alegre’. O bloco foi para Porto Alegre desfilar.”
Ensaios eram regados a chope e churrasco
Lisete lembra que na infância acostumou-se com um entra e sai de gente em sua casa quando se aproximava o período de carnaval. As datas são imprecisas, mas ela acredita que o bloco tenha desfilado durante cerca de dez anos.
“Eu era pequena, mas eu lembro direitinho do movimento na minha casa. Entravam 60, 70 homens. Tinha um porão, onde eles faziam churrasco e os preparativos. Depois eles iam no meu quarto, no quarto da minha mãe para se arrumar, se maquiar.”
Com a bagunça, a família se acostumou. O que incomodava a mãe de Lisete, Hildegard, era o alto custo da folia. “Era uma brincadeira muito cara. Minha mãe tinha horror. Ela dizia que era dinheiro posto fora, mas o pai adorava. A vida dele era chegar em setembro, outubro e já imaginar essas coisas.”Dos áureos tempos do General da Banda, Lisete guarda as memórias de infância, algumas fotos e um troféu de primeiro lugar entre os blocos humorísticos no desfile de carnaval de 1959. Um dos vários vencidos pelo bloco do Caneco, recorda. Os tambores da bateria foram doados à banda do Colégio Santa Catarina.
Folia nas ruas há mais de um século
Décadas antes de Urbano Arnecke se aventurar na folia de momo com seu bloco, já tinha existido carnaval nas ruas de Hamburgo Velho. O vereador e pesquisador Felipe Kuhn Braun colheu depoimentos de famílias de Hamburgo Velho e possui uma série de imagens desses desfiles, que pertencem ao acervo do fotógrafo Walter Haas e lhe foram doadas pela família Haas. São registros de desfiles de carroças puxadas por animais com pessoas fantasiadas e mascaradas na década de 1910.
“Ao menos para a comunidade germânica, o carnaval era mais relacionado ao carnaval alemão. Mas era um carnaval meio mesclado, não é tipicamente brasileiro, nem tipicamente alemão”, diz.
Na Europa, os festejos ocorriam em regiões predominantemente católicas. “Era a festividade que antecedia o período de jejum e menos alimentação que antecede a Páscoa. O carnaval era a festividade onde as pessoas se excediam na comida e na bebida.”
Braun ressalta que, mesmo sendo um festejo popular, naquela época, os desfiles eram restritos às famílias de mais posses.
Hamburgo Velho Folia
Domingo (19), a partir das 15 horas tem bloco infantil, no quintal da Casa Dalilla Sperb (Av. Maurício Cardoso, 132) e apresentações de João Maurício e banda Back in Bahia e os grupos show das escolas Protegidos da Princesa Isabel e Cruzeiro do Sul.
Em uma venda de Hamburgo Velho, uma importante discussão prende a atenção de moradores. É a década de 1950 e o armazém cumpre o papel de um centro comunitário, espaço para discussão dos problemas locais. Neste caso, o problema é que a escrivã Sônia flagrou sua filha em casa com um rapaz. Um bafafá tremendo. Mas boa parte dos presentes estava pouco preocupada com o dilema moral em debate e lutava para abreviar o encontro. Acontece que a uma quadra dali, nas proximidades do Bar Maracanã, uma turma se reunia para o ensaio do bloco carnavalesco humorístico General da Banda.
Toda essa cena descrita é ficção, mas tem base na realidade. Trata-se de parte de uma esquete escrita pelo grupo teatral Reino Encantado, que se passa em Hamburgo Velho, na década de 1950. Naquela época, o carnaval já movimentava as ruas do Centro Histórico de Novo Hamburgo com os ensaios do ‘bloco do Caneco’, como era conhecido popularmente o General da Banda, graças ao seu líder, Urbano Arnecke, o Caneco.
E foi a partir dessa ficção que surgiu a ideia de se retomar o carnaval de rua de Hamburgo Velho. O texto ensaiado deixou saudosos os integrantes do grupo, hoje com idades entre 60 e 95 anos. Ao recordarem dos ensaios e desfiles do famoso bloco do Caneco, eles pensaram: "e por que não um carnaval de rua em Hamburgo Velho?"
A provocação foi feita ao secretário de Cultura, Ralfe Cardoso, durante a Feira do Livro de 2022, e deu início ao projeto, que se concretiza neste domingo (19), como Hamburgo Velho Folia. Caneco morava em um casa que fica ao lado da atual sede da Secretaria de Cultura, local onde será realizado o evento (mais detalhes abaixo).
“Foi o gatilho para a gente produzir o evento. Sem essa doce provocação, talvez não saísse este ano. Era algo que a gente pensava em fazer, mas nunca tinha perna e fôlego para cumprir”, afirma o secretário.
Integrante do grupo, o publicitário aposentado Artur Manoel de Oliveira, 80 anos, recorda com saudosismo os carnavais de sua infância e juventude. Tendo crescido entre Hamburgo Velho e o bairro São Jorge, ele conta que vivenciou o carnaval “dos brancos”, em Hamburgo Velho, e “dos pretos”, em blocos como o Leões, que tornou-se parte da Sociedade Cruzeiro do Sul.
“Hamburgo Velho sempre foi centro cultural da cidade, era a cidade alta”, recorda. “Nos ensaios do bloco do Caneco, eu era guri, mas já participava. O pessoal trazia barril de chope para a rua e as crianças tomavam sodinha da Cassel, uma fabricante de bebidas da época. O pessoal ficava bebendo, ensaiando e confeccionando aqueles carros alegóricos que eram um deboche.”
Prefeito da folia
Urbano Arnecke foi uma figura de grande atuação na cidade, além de ter tido uma fábrica de fôrmas para calçados no porão de sua casa. Na década de 1940, foi goleiro de futebol, com atuação pelo Football Club Esperança e pelo Grêmio. Mais tarde elegeu-se vereador, por dois mandatos, e foi vice-prefeito de 1969 a 1973. Presidiu também a Sociedade Ginástica de Hamburgo Velho por três vezes. Viveu de 1922 a 1989. Em 1990 virou nome de rua no bairro São Jorge.
E era no carnaval que Arnecke se realizava. Os ensaios do bloco eram em sua casa. E era ali que o grupo se preparava e partia para os desfiles oficiais no Centro.
No General da Banda, desfilavam apenas homens, muitos vestidos de mulher ou mascarados. Temas do cotidiano da cidade, da comunidade e da política eram alvo de troça do bloco humorístico.
Arnecke chegou a ser prefeito por alguns dias, durante o carnaval de 1970, quando o prefeito Alceu Mosmann se afastou provisoriamente do cargo. No dia 7 de fevereiro, o jornal Folha da Manhã noticiava que, com Caneco no comando da cidade, “o programa é tornar o carnaval de rua em Novo Hamburgo o maior de todos os tempos”.
Os desfiles, organizados por Alfeu Klein, seriam assistidos por cerca de duas mil pessoas, em arquibancadas de 150 metros, com seis degraus, montadas na Pedro Adams. Às 21 horas em ponto, o bloco “Os Palhaços”, da Sociedade Aliança, abria a avenida para os desfiles oficiais.
O trem do Caneco não rodava sobre trilhos
Um dos mais marcantes feitos do bloco foi a confecção de um trem para o carnaval. “Esse trem nunca me saiu da memória”, recorda o editor Gilberto Winter. Na infância, ele morou na rua Piratini e ainda hoje recorda da vez em que viu o trem do General da Banda virar a esquina da Maurício Cardoso com a General Daltro Filho, e passar em frente ao Bar Maracanã, a caminho de Novo Hamburgo - naquele tempo, era assim que o pessoal de Hamburgo Velho se referia à ida ao Centro.Winter não sabia o que movia o carro alegórico, mas a sensação que tinha, era de que um trem de verdade rodava sem trilhos pelas ruas do bairro. “Foi uma coisa tão fantástica, para um piá, ver uma máquina de trem andando pela cidade. A gente morava perto da estação, então a gente via o trem de verdade passar. E passar um trem na rua, aquilo ali foi inesquecível.”
A locomotiva do General da Banda era montada em cima de uma caminhonete. As mulheres, que não desfilavam no bloco, iam no trem.
Filha de Urbano, Lisete Arnecke recorda que o trem chamou atenção de Vicente Rao, o mais lembrado rei momo do carnaval porto-alegrense. “Eles faziam muitas coisas diferentes dos outros blocos. Esse trem foi desfilar em Porto Alegre. Vicente Rao era o Rei Momo. Ele veio para cá, se entusiasmou e disse ‘vamos levar esse trem a Porto Alegre’. O bloco foi para Porto Alegre desfilar.”
Ensaios eram regados a chope e churrasco
Lisete lembra que na infância acostumou-se com um entra e sai de gente em sua casa quando se aproximava o período de carnaval. As datas são imprecisas, mas ela acredita que o bloco tenha desfilado durante cerca de dez anos.
“Eu era pequena, mas eu lembro direitinho do movimento na minha casa. Entravam 60, 70 homens. Tinha um porão, onde eles faziam churrasco e os preparativos. Depois eles iam no meu quarto, no quarto da minha mãe para se arrumar, se maquiar.”
Com a bagunça, a família se acostumou. O que incomodava a mãe de Lisete, Hildegard, era o alto custo da folia. “Era uma brincadeira muito cara. Minha mãe tinha horror. Ela dizia que era dinheiro posto fora, mas o pai adorava. A vida dele era chegar em setembro, outubro e já imaginar essas coisas.”Dos áureos tempos do General da Banda, Lisete guarda as memórias de infância, algumas fotos e um troféu de primeiro lugar entre os blocos humorísticos no desfile de carnaval de 1959. Um dos vários vencidos pelo bloco do Caneco, recorda. Os tambores da bateria foram doados à banda do Colégio Santa Catarina.
Folia nas ruas há mais de um século
Décadas antes de Urbano Arnecke se aventurar na folia de momo com seu bloco, já tinha existido carnaval nas ruas de Hamburgo Velho. O vereador e pesquisador Felipe Kuhn Braun colheu depoimentos de famílias de Hamburgo Velho e possui uma série de imagens desses desfiles, que pertencem ao acervo do fotógrafo Walter Haas e lhe foram doadas pela família Haas. São registros de desfiles de carroças puxadas por animais com pessoas fantasiadas e mascaradas na década de 1910.
“Ao menos para a comunidade germânica, o carnaval era mais relacionado ao carnaval alemão. Mas era um carnaval meio mesclado, não é tipicamente brasileiro, nem tipicamente alemão”, diz.
Na Europa, os festejos ocorriam em regiões predominantemente católicas. “Era a festividade que antecedia o período de jejum e menos alimentação que antecede a Páscoa. O carnaval era a festividade onde as pessoas se excediam na comida e na bebida.”
Braun ressalta que, mesmo sendo um festejo popular, naquela época, os desfiles eram restritos às famílias de mais posses.
Hamburgo Velho Folia
Domingo (19), a partir das 15 horas tem bloco infantil, no quintal da Casa Dalilla Sperb (Av. Maurício Cardoso, 132) e apresentações de João Maurício e banda Back in Bahia e os grupos show das escolas Protegidos da Princesa Isabel e Cruzeiro do Sul.