Pessoas que foram afetadas diretamente ou indiretamente pelas enchentes, mas que doaram seu tempo e disposição para ajudar o próximo. Um deles é o voluntário e assessor parlamentar Alex Arlindo Abel, 50 anos, morador do Mathias Velho, em Canoas, que ficou 19 dias no viaduto do bairro ajudando a retirar e a resgatar vizinhos, amigos e desconhecidos.
No dia 10 de setembro, Abel foi agraciado com o título de Diplomata Civil e com o prêmio Martin Luther King, ambos oferecidos pela organização Jethro International, sediada na Europa. A cerimônia foi na Câmara Municipal de São Paulo.
“Apenas um representante de todas as pessoas que estiveram juntos ali”, definiu Alex. “Poderia ter sido muito mais grave se não tivesse sido aos voluntários e foram centenas”, completou.
O início de tudo
Alex começou a retirar a família na sexta-feira, 3 de maio, e levar para casa de parentes no bairro Guajuviras. Mas voltou no sábado e ficou para ajudar a retirar pessoas de casa, levar comida e monitorar as casas da região.
“Passei a madrugada inteira fazendo rondas e avisando as pessoas sobre tudo que estava acontecendo porque para nós também era uma surpresa. Eu, morador ali do bairro, nunca vi isso acontecer”, relembrou.
“No início, todas as pessoas não sabiam o que iam fazer, como iam fazer, como as coisas iam se desenrolar. Mas cada um ajudou com sua habilidade, dentro da sua profissão”, explicou.
Nesse período, o voluntário ajudou como pôde: organizando e carregando mantimentos, e realizando resgates e rondas. “Tirei muitos vizinhos de barco. Pessoas que me viram nascer, crescer, que estudaram comigo”.
Mesmo com tantas pessoas fazendo o bem, tem quem quis se aproveitar da situação, abalando ainda mais quem estava sofrendo. “Nos sete primeiros dias, nós tirávamos o maior número de pessoas. Algumas quiseram ficar em casa com medo que pudessem perder o que tinham por causa da violência”, disse.
“Mas como a água não baixou, aquelas que pediram para ficar, começaram a ficar sem água, sem luz, escutando tiros à noite”, completou.
O grupo de voluntários também fez o resgate de animais, como a da gata Mili e de mais seis cavalos, além do famoso Caramelo. “Até os bichinhos. Gato, que é um animal difícil de pegar, já estava pulando na nossa direção”.
O voluntariado
Além dos moradores de Canoas, voluntários de outros lugares como São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília e Amapá se juntaram no bairro Mathias Velho. “Pessoas que vieram com barcos, com insumos, água, comida e medicamentos. Nós conseguimos organizar uma central de resgate e triagem para que as pessoas pudessem sair dali e irem direto para um abrigo”, comentou.
Os voluntários também receberam apoio da Brigada Militar, Polícia Civil, Bombeiros e Força Nacional para fazer o trabalho com segurança e estrutura.
Assim como Alex, muitos voluntários perderam o que tinham, mas continuaram ali para ajudar. “Eu passei de barco por cima da minha casa”, relembrou. “Tem dias que eu entrava na água e não sabia se ia voltar”.
Mesmo após quatro meses do ocorrido, ainda é impossível dimensionar os impactos. “Tenho coisas que perdi que ainda não sei. São fotos, documentos, coisas que só vou saber quando precisar”, lamentou.
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E algumas histórias marcaram esses dias de tragédia. “Teve o caso de um rapaz chamado Alex, que perdeu o pai. Ele ficou nos ajudando a salvar as pessoas por três e depois retornou para buscar o corpo do pai. Mesmo com essa situação, ele voltou para salvar as pessoas”.
“Foram dias sem fim. Agora, quando a gente volta a dormir, a ter uma normalidade, voltar a trabalhar, às vezes eu sonho que estou no meio da água, me afogando. Lembro também do rosto de pessoas que nós salvamos, de pessoas que infelizmente não conseguimos chegar a tempo”, lamentou.
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Mas, ao mesmo tempo, tem a recompensa. “A satisfação de estar caminhando na rua e as pessoas lembrarem de mim, de me agradecerem, isso não tem preço”, afirmou.
Um representante
O voluntário, que é morador do bairro Mathias Velho desde que nasceu, também foi um porta-voz da situação que a cidade estava passando naquele momento, não apenas para os moradores de Canoas, mas também para o Brasil.
“Eu circulava nas ruas da Mathias Velho para cuidar das casas. Moradores que ainda não tinham voltado para casa, eu fazia rondas noturnas para cuidar. Colocava nas minhas redes sociais, distribuía o meu telefone para todo mundo que quisesse saber uma informação”, contou.
Alex participou de programas nas emissoras de televisão RBS, Record, Globo, SBT, CNN e Jovem Pan, e na Rádio Gaúcha. Os recortes dos conteúdos foram enviados por amigos e que agora ele guarda como memória do que passou.
Alex também foi fotografado pelo fotógrafo sul-africano radicado na Inglaterra, Gideon Mendel. As fotos, que retratam o reencontro com a sua casa após as enchentes, foram expostas em agosto na Casa de Cultura Mário Quintana (CCMQ) e no Centro Cultural da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Na Câmara Municipal de São Paulo, o voluntário recebeu a medalha e o certificado do prêmio Martin Luther King, que reconhece personalidades pelos seus trabalhos civis humanitários, tornando-os diplomatas civis. O reconhecimento foi pela atuação nas enchentes de maio, mas o voluntário já se mobilizou em outros momentos.
Um ano atrás, Alex também ajudou por 28 dias nas enchentes que atingiram os municípios de Muçum e Roca Sales, no Vale do Taquari. Em 2019, ele foi voluntário por 22 dias na tragédia de Brumadinho, em Minas Gerais, dando suporte nos resgates e apoio às famílias.
“Quando nós nos colocamos à disposição para fazer o bem e ajudar quem está precisando, sempre vai ter alguém que vai financiar a ida, te fornecer estrutura para chegar até o local que precisa”, declarou.