Sempre me pergunto o que faria caso acabasse em uma ilha deserta. Será que sobreviveria? O que comeria? Será que poderia acabar lá com um livro?
A resposta é sempre não. A pergunta pouco importa. É uma fantasia, um mero devaneio, dessas coisas que nos passam pela cabeça enquanto tomamos um banho. Nunca vai acontecer.
Até passar pela tempestade de terça à noite. Na verdade, ela passou por mim e por grande parte do Rio Grande do Sul. Enfurecido, o vento atingiu tudo à minha volta, revirando telhados vizinhos, derrubando árvores e postes.
Completamente no escuro, me vi procurando por velas que sabia ter, mas não sabia onde. Os celulares! Fizeram bem o papel de lanternas, mas as baterias se esvaíram como água deveria fazer pelo ralo – e não fazia.
No lugar, pareciam querer fugir do temporal tanto quanto eu, se refugiando desesperadas por baixo da porta, molhando todo meu chão. Na rua, a água se acumulava em cima do asfalto, tentando chegar nas casas.
Achamos as velas! Vamos acender no fogão? É elétrico, me passa o isqueiro? E fim. Não havia mais nada a fazer, apenas esperar.
Quando os ventos se acalmaram e o dia finalmente amanheceu, não me encontrei em casa. Como Dorothy em O Mágico de Oz, acordei em um lugar remoto, quase irreconhecível. Fui levada pelo furacão.
Precisava lavar o rosto, tomar um banho, mas não tinha água. Tudo bem, vamos tomar um café? Ainda tinha água na chaleira sobre o fogão. Deus abençoe os fogões à gás – que não tenho.
Ok, não posso escovar os dentes, nem lavar meu rosto, ou mãos, ou qualquer coisa. Ainda preciso ir trabalhar, vou chamar um carro de aplicativo. Não há internet, claro, pois não há luz.
Preciso avisar que vou me atrasar, mas ligo o celular e vejo aquela linda mensagem: somente chamada de emergência. Não há sinal de telefone.
E sem luz, sem água, sem internet e sem sinal, me vi presa em minha ilha nem tão particular. Nem tão particular pois a grande maioria de Canoas estava assim. Todos sem água, segundo a Corsan. E 118 mil sem energia elétrica, de acordo com a prefeitura.
Sem sinal, podemos deduzir, já que há fotos de pessoas de Cachoeirinha ao lado das torres telefônicas o procurando. Assim como eu me vi, subindo em cima do sofá, testando pontos da casa em que não era para estar, tirando o espaço das amigas aranhas.
Desesperada é pouco para descrever como fiquei. Como saber se os que amo estão bem? Tentava mandar SMSs, hoje tão esquecidas, como se estivesse em 2010. Mas todas foram interrompidas por um aviso desanimador: não entregue.
Queria entender como estava o mundo, mas só conseguia ver através da minha janela. Queria sair de casa, mas só poderia fazê-lo a pé. Os ônibus não estavam funcionando direito, oito linhas paradas: nem os motoristas conseguiam sair de casa.
Me acostumo mal com tudo que me faz bem. E que bem faz a energia elétrica. Tenho medo de acender o fogão com isqueiro, então comprei um elétrico, que maravilha! Para que comprar velas, não é mesmo? Temos lâmpadas!
Quem tem rádio? Uso o Twitter. Não preciso andar de bicicleta ou comprar um carro: peço um carro de aplicativo. Quem precisa anotar telefones? Guardo todos no celular.
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Ter ficado presa em minha ilha, apesar de não completamente deserta, me fez ter certeza: a resposta é ainda não. A pergunta pouco importa.