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PERDAS

Sem uma casa para onde voltar, família encontra força na união

Enfrentando uma catástrofe pessoal e uma tragédia coletiva, a família Lacerda é uma das 3500 que não tem mais lar em Canoas

Publicado em: 24/05/2024 às 16h:56 Última atualização: 24/05/2024 às 17h:03
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Canoas está entre as cidades com maior número de casas que não apresentam mais condições para habitação. Segundo levantamento do Grupo Sinos realizado junto ao Ministério das Cidades e às prefeituras, nos municípios de Novo Hamburgo, Canoas e São Leopoldo, 6,7 mil imóveis foram destruídos pela enchente. Somente em Canoas, 3.500 famílias não terão mais casa ao voltar para seus endereços de origem.  

“Até então, morávamos ali. Agora, não moramos mais”, conta Sirlei da Silva Lacerda, 60 anos, sobre a casa da rua José Veríssimo, no bairro Harmonia, onde vivia com seus filhos. Ela é uma das canoenses cujas casas sofreram danos tão significativos que não são mais habitáveis. 

Sem receber nenhum aviso oficial, tiveram de deixar o lar na madrugada do sábado, dia 4. Agora, com a água ainda cobrindo quase totalmente o imóvel, eles não têm mais para onde retornar.

Igor, Sirlei e Eric mostram o vídeo que receberam, mostrando a casa que costumava ser um lar



Igor, Sirlei e Eric mostram o vídeo que receberam, mostrando a casa que costumava ser um lar

Foto: Paulo Pires/GES

Nas últimas semanas, a família passou a trabalhar de maneira voluntária no Senai, organizando donativos para canoenses que precisam. “Nós mesmos precisamos de ajuda, mas viemos ajudar os outros, e é onde estamos encontrando forças, porque nosso psicológico está no zero”, explica Sirlei.

“Sei que não sou apenas eu nessa situação, mas não tenho mais casa, não tenho mais nada. Só eu e meus filhos, e agora, por onde começar? Para que lado vou? Procuramos ajuda de quem?”, questiona a merendeira, que trabalhava em uma escola estadual.

A família, natural de São Gabriel, chegou a Canoas em 2010. “Quando chegamos, tínhamos uma geladeira, um fogão, uma cama, um armário e um cachorro. Batalhamos e adquirimos tudo que tínhamos. Agora, perdemos tudo”, conta Igor Lacerda Silveira, 31, filho mais velho.

Embora não tenham recebido avisos de evacuação, levantaram os móveis para se prevenir do alagamento. Mas o que chegou foi uma inundação. “A água subiu a mil por hora. Não pediu licença”, lamenta Sirlei. Puderam carregar apenas a roupa do corpo e os cachorros.

Fortalecidos pela fé e pela família
Sem um endereço de referência e um lar para retornar, Sirlei e os filhos, Igor e Eric, seguem trabalhando como voluntários diariamente guiados por um propósito em comum. Há dois anos, o caçula da família, Iuri, faleceu devido às complicações do tratamento de um câncer e de uma infecção por meningite.

Mesmo que a família vá viver em outro endereço, que alguma ajuda os permita reconquistar os móveis comprados com o dinheiro do trabalho, há coisas que não se recuperam. Tesouros inestimáveis que, pela força da água e pela falta de aviso, se converteram em perdas irremediáveis. Era Iuri o que guardavam de mais precioso.

“Nosso irmão morreu dois anos atrás e acabamos deixando as cinzas dele dentro de casa. Ele nunca teve um lugar preferido para deixarmos as cinzas, e preferimos ter ele perto da gente. Não imaginamos que a água subiria tanto. Essa é nossa grande perda”, diz Igor.

Depois da catástrofe pessoal, a família foi atingida pelo desastre coletivo. A motivação que os levou à decisão de se voluntariar vem de Iuri. “O Iuri nos fez ter um propósito. Todo mundo aqui está vivendo a mesma coisa que nós, mesmo que cada um tenha uma dor em si. Ajudar o próximo é o que vale”, afirma Eric, 25.

A família Lacerda tatuou uma lembrança de Iuri junto da frase que ele costumava dizer durante o tratamento: "Eu tenho Deus"



A família Lacerda tatuou uma lembrança de Iuri junto da frase que ele costumava dizer durante o tratamento: “Eu tenho Deus”

Foto: Paulo Pires/GES

O apoio coletivo ajuda a preencher os dias com ao menos uma dose de carinho e conforto. “Aqui, fico rindo e brincando com as gurias, mas a nossa realidade é outra quando saímos. Para onde a gente vai?”, pergunta Sirlei. Por enquanto, a única resposta para eles se encontra na própria família.

Daqui em diante, Sirlei, Igor e Eric carregam o irmão na pele – os três fizeram tatuagens em homenagem a lembranças de Iuri. A bateria que ele gostava de tocar e que agora está debaixo d’água, o personagem preferido e a âncora que ele representa para a família. Mais que na memória, ele está nas ações de sua mãe e irmãos. “Ele foi muito forte, e é aquela força que temos hoje”, lembra Igor.

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