Com olhar compassivo, Odair Castro Júnior, 43 anos, arrasta uma pequena embarcação. No barco, estão eletrodomésticos que acredita terem “salvação”. A chuva forte, no entanto, acaba molhando mais os aparelhos.
“Eu não sei quando é que vai ser possível entrar na casa de novo”, suspira ao dizer o metalúrgico. “O negócio é entrar em casa só para tirar o que a gente acha que vai dar para aproveitar”, acrescenta.
Canoas acaba de completar três semanas da inundação que atingiu a cidade e, embora o movimento seja de retorno de pessoas para casa após o recuo da água, há áreas que permanecem inundadas.
Bairro mais populoso de Canoas, o Mathias Velho segue com uma situação crítica, já que desnível do bairro faz com que a água se concentre em muitos pontos considerados como “panelões” onde a água não baixa.
Na área central, nas imediações da Estação Mathias Velho, a água mostra um lento recuo para angústia de moradores, comerciantes e lojistas que seguem acompanhando o drama à distância.
O aposentado Tadeu Moreira, 69 anos, cumpre uma rotina diária para tentar entrar em casa. Morador da Rua Rio de Janeiro há quatro décadas, disse ter conseguido escapar somente com a roupa do corpo e o carro.
“É uma angústia diária”, desabafa. “Eu pego o carro e venho todos os dias para ver se consigo chegar em casa, mas nunca dá. Será que não poderia ter um barquinho da Defesa Civil para ajudar a gente a se aproximar mais de casa?”, argumenta.
Também longe de casa desde o início do mês, Gabriel Santana, 48 anos, diz ser lamentável que os moradores do bairro não observam qualquer movimento das bombas de sucção necessárias para escoar a água.
“A água está descendo, mas lentamente, porque parece que a Prefeitura de Canoas só está preocupada com o bairro Rio Branco”, reclama. “Todas as bombas acabam lá e o tempo vai passando e o Mathias Velho continua debaixo d’água”.
Ficou o prejuízo
Em paralelo ao drama vivido por quem ainda não consegue chegar em casa, há outro daqueles que aos poucos vão regressando após o recuo que aconteceu perto da Avenida Guilherme Schell.
O rastro de destruição deixado pelas águas – com muros, portões e até paredes caídas – é visível e, além dele, há o acúmulo de lixo e entulhos nas vias onde já é possível retornar.
Proprietário de uma marcenaria, Fábio Paim, 40 anos, conseguiu retornar ao negócio nesta quinta-feira (23), quando deu início ao trabalho de descarte e limpeza no negócio que mantinha no bairro há quase uma década.
Acabou depositando em frente ao estabelecimento todo o maquinário e madeiramento que não conseguiu tirar durante o pior período da enchente. Ele conta que não teve tempo ainda para contabilizar o tamanho do prejuízo.
“Tentei salvar as máquinas da água, mas não sei se vai dar para arrumar, porque o problema é a lama acumulada nas engrenagens”, explica. “Não fiz conta, mas acredito que o prejuízo é total”.
É preciso bombas para escoamento
Fazendo parte de um grupo de bombeiros catarinense oriundo de Joinville, o bombeiro Késio Michel auxilia há semanas nos resgates em Canoas, onde acompanha de perto o drama vivido pela população.
À reportagem do DC, ele explicou que o recuo das águas do Rio dos Sinos é lento, porque a própria natureza não vai conseguir remover as águas tão cedo em meio ao clima instável do Rio Grande do Sul.
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“Se não trouxerem as bombas, o Mathias Velho vai seguir debaixo d’água”, destaca. “Um dia faz um solão e, no outro, volta o frio e a chuva. Se não for com máquinas, essa água vai demorar muito a sumir”.
Ainda segundo o bombeiro, prejudica o próprio desnivelamento do terreno, que alterna áreas altas com outras extremamente baixas, onde há mais acúmulo de água desde o início da inundação.
“A gente repara uns panelões onde a água está mais concentrada e outras áreas bem mais secas em que a água bate na canela”, esclarece. “Isso também dificulta bastante a situação do bairro”.
Estrada de acesso
Por meio de assessoria de comunicação, a Prefeitura de Canoas informa que começou, nesta quarta-feira (22), a construção da estrada de serviço necessária para que as equipes da Secretaria Municipal de Obras (SMO) possam acessar o ponto rompido do dique do Mathias Velho e efetuar os trabalhos de instalação de bombas.
Ainda segundo a administração, a via começa junto à BR-448, próximo à empresa Bianchini, e se estende até a rua Martin Luther King, onde o dique teve uma ruptura de 50 metros de largura. Só foi possível iniciar a construção da estrada de serviço após o nível dos rios baixar o suficiente para que a obra pudesse ser iniciada.