LIBERDADE DE UMA TELA
Museu Hugo Simões Lagranha terá exposição de obras feitas por apenados LGBT+ da Pecan III
Arte é usada como ferramenta na recuperação de apenados da comunidade LGBTQIAPN+ do Complexo Prisional de Canoas III
Última atualização: 01/02/2024 13:57
A arte é um instrumento de transformação e vem sendo uma ferramenta na recuperação de apenados da comunidade LGBTQIAPN+ do Complexo Prisional de Canoas III (Pecan III). A união de dois projetos, "Diversos e Plural" e "Artinclusão", que integra arte e psicologia, proporciona aulas semanais de pintura em tela, alternadas à terapia para os presos.
Uma das pessoas beneficiadas pela iniciativa é Pamela Vheiga, de 38 anos, mulher trans, e uma das apenadas da Pecan III. Presa há 2 anos e 8 meses, ela viu no projeto uma oportunidade de sair da depressão e trabalhar a ansiedade. "Quando cheguei aqui, não tinham muitas oportunidades para os gays, trans e pessoas do gênero. Era tudo muito reservado, muito fechado", relembra.
Ela também é uma das responsáveis pela criação das 18 telas que foram produzidas na Pecan III e que serão expostas no Museu Municipal Hugo Simões Lagranha, a partir do dia 15 de fevereiro. O projeto foi idealizado pelo artista plástico Aloizio Pedersen e a psicóloga da Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe), Maristela Mostardeiro, e buscou tratar de questões do inconsciente e das emoções.
"Nosso anjo"
Um dos momentos de transformação, conforme conta Pamela, foi quando a psicóloga Maristela Mostardeiro chegou na Pecan. "Quando a Maristela chegou, tudo mudou. Eu sempre digo que ela é o nosso anjo aqui. Ela nos ajuda em tudo que pode, até na questão do nome social, ela que correu para ver toda a questão da nossa documentação", relata.
Pamela é natural de Galha, no interior de São Paulo, tendo sido criada em Bauru. Conheceu o Rio Grande do Sul através do seu trabalho como drag queen e resolveu começar a sua vida por aqui. Porém, questões relacionadas ao vício com bebida alcoólica e outras drogas, e envolvimento com violência, fizeram com que ela fosse condenada a 7 anos e 4 meses.
Planos para o futuro
Em julho, Pamela poderá sair da Pecan III e recomeçar a sua vida. Ela já tem alguns planos em vista, e pretende retomar outros que foram interrompidos após a prisão.
"Eu quero recomeçar a minha vida. Tenho alguns planos que quero tirar do papel, alguns projetos que quero retomar, que tive que pausar quando acabei vindo para cá. Tenho as minhas cirurgias para fazer, quero trabalhar, pois quando vim para cá, eu já tinha um trabalho certo, com toda a documentação encaminhada e acabei perdendo", salienta.
Em uma família de três irmãos, com os pais já falecidos, Pamela não tem contato com eles desde a prisão. "Quando sair daqui, eu quero poder falar com eles e contar tudo que aconteceu. Faz muito tempo que não vejo minha família, e esse é um dos meus planos para quando sair daqui", afirma.
Projeto é um resgate
A união dos projetos "Diversos e Plural" e "Artinclusão" é uma forma de trabalhar várias áreas da vida dos apenados. Questões como a autoimagem, a autoestima e a identidade dos apenados são pontos fundamentais tratados nos encontros.
"O projeto me ajudou no psicológico, pois tenho muitas crises de ansiedade. Nos encontros temos a oportunidade de sair daquelas paredes, além de aprender a fazer algo que gostamos. Eu mesma já mexia com tintas, fazia algumas coisas. É algo que gosto muito. E é algo que é muito bom não só para mim, mas para o restante que está aqui também", ressalta Pamela Vheiga.
De acordo com a psicóloga da Susepe Maristela Mostardeiro, o projeto também realiza um trabalho terapêutico com os apenados. "A arte traz o inconsciente para fora. O grupo faz com que isso aconteça, pois a própria questão das cores que eles usam de alguma forma transmite uma mensagem e um sentimento vivo dentro deles", salienta.
Exposição terá 18 telas que foram criadas pelos presos
A exposição contará com 18 telas que serão expostas no Museu Municipal Hugo Simões Lagranha, localizado na Avenida Victor Barreto, 2186, Centro, a partir de 15 de fevereiro. A iniciativa conta com o apoio da Prefeitura de Canoas, por meio da Secretaria da Cultura, cedendo espaço para a mostra.
De acordo com a psicóloga Maristela Mostardeiro, o projeto é uma forma de transformar e resgatar a vida deles. “Muitos foram expulsos de casa, já sofreram violência na escola, nas ruas. Então, a ideia do projeto era trazer a arte para ressignificar a violência, porque eu sempre acreditei que a arte é importante para transformar a violência”, afirma.
As 12 telas individuais e as seis obras coletivas exploram os medos, ansiedades e angústias dos artistas. Inspirados também no movimento artístico Expressionista, os trabalhos serão vendidos e o valor deve ser revertido em kits de necessidade pessoal, como produtos de higiene, vestuário e acessórios para os apenados.
Recomeço
O artista plástico Aloizio Pedersen reforça que o projeto é uma proposta de recomeço e geração de renda. “O ‘Artinclusão’ visa a profissionalização e a geração de renda. Também é um projeto de vida ressignificada para essas pessoas. Portanto, esse trabalho é fruto de muito esforço. Eu sempre quis dar aula para os LGBTs, pois é um público muito estigmatizado”, completa.
Iniciativa contou com o incentivo de empresas
O projeto é idealizado pelas psicólogas da Susepe Maristela Mostardeiro e Diovana Streck, junto com o artista plástico Aloizio Pedersen. A iniciativa ocorreu de outubro de 2023 a janeiro deste ano e teve o patrocínio das empresas Colméia Containers e Pioneira Indústria Têxtil. As organizações interessadas em ajudar na continuidade do projeto podem entrar em contato com Aloizio pelo telefone (51) 99986-6250.
A exposição deve ocorrer até o fim de fevereiro e estará aberta de terças a sextas-feiras, das 10 horas às 17 horas e também aos sábados e domingos, das 14 horas às 18 horas.