SISTEMA DE ALERTA

Como alertar a população efetivamente sobre desastres naturais?

Especialista do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais, Diego de Souza, explica como o poder público deve implementar estratégias de comunicação de risco

Publicado em: 29/05/2024 10:36
Última atualização: 29/05/2024 13:39

As intensas chuvas que levaram à inundação de Canoas chegaram a deixar 170 mil pessoas fora de casa. Muitos moradores saíram por conta própria ao notar o nível da água subindo velozmente. Algumas relatam ter escutado alertas de carros de som, pedindo evacuação.

Avisos sonoros, sirenes e notificações via companhia telefônica integram diferentes tipos de sistemas de alerta de desastres. Em 2022, a Organização das Nações Unidas (ONU) indicou que apenas metade dos países tinha sistemas de alerta para riscos ativos. 

Um alerta de 24 horas de antecedência pode reduzir os danos em 30%. A taxa de mortalidade relacionada a desastres é 8 vezes maior em países com sistemas de alerta limitados do que em aqueles com sistemas efetivos, segundo a ONU.

Barcos foram utilizados nos resgates de pessoas e animais Foto: Paulo Pires/GES

De acordo com o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), desastres climáticos devem se tornar cada vez mais frequentes com o aumento da temperatura global. De 1970 a 2019, o número desse tipo de catástrofe aumentou em cinco vezes mundialmente.

Como alertar a população efetivamente
Conforme a ONU, o primeiro passo para implementar um sistema de alerta é conhecer e monitorar os níveis de risco da cidade, dependendo do tipo de fenômeno que pode atingir a área, como enchentes, secas, deslizamentos e tempestades.

Em seguida, governos locais devem criar estratégias de monitoramento e comunicação de risco. “Não adianta conhecer o risco mas não saber o que fazer quando o alerta chega na comunidade”, explica o tecnologista sênior do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) Diego Oliveira de Souza.

Por isso, a comunicação é a principal deficiência dos sistemas de alerta no Brasil. E segundo o meteorologista, pode ter sido a grande falha da evacuação em Canoas. De acordo com a Prefeitura de Canoas, 6 carros de som foram contratados emergencialmente para espalhar avisos de evacuação na cidade.

“Não adianta ter o melhor sistema de alerta se a população não saber o que fazer com ele. Com certeza, as pessoas nunca tinham ouvido esse carro de som. Não sabiam para onde ir”, exemplifica. Os carros de som são uma alternativa de aviso para cidades pequenas, mas não funcionam sem a implementação de um sistema de alertas que inclua educação preventiva sobre desastres.

Os sistemas devem funcionar como alarmes de incêndio: ao receber um alerta, a população deve saber automaticamente como proceder, e se sentir segura ao deixar suas casas.

Só assim a capacidade de resposta pode ser colocada em prática. “Tanto a população quanto os agentes de defesa precisam ter claro como vai ser feita a remoção, ter endereços de abrigos pré-estabelecidos, locais seguros”, diz Diego. Em Canoas, as pessoas resgatadas se dirigiram a abrigos de forma emergencial e desordenada.

“Nos Estados Unidos, quando há um alerta via telefone, as pessoas sabem que devem ir até o porão e só sair de lá quando chegar um segundo aviso”, exemplifica Diego. Os avisos por operadora telefônica – que são entregues para toda uma região, sem necessidade de cadastro, e exigem que o usuário interaja com o conteúdo – devem chegar ainda este ano no Brasil por meio da Anatel.

Pesquisadores propõem ainda mais um eixo para o sistema de alerta: a educação. “Mesmo tendo passado por isso, não significa que a pessoa vai saber o que fazer se ocorrer de novo. É um processo demorado de construção”, informa o meteorologista.

Cenário em Canoas
Em coletiva de imprensa, o secretário do Escritório de Resiliência Climática de Canoas José Fortunati afirmou que o problema da evacuação em Canoas foi que as pessoas não acreditaram nos alertas. “O fato de não acreditarem e permanecerem em casa foi fatal”, disse.

Para deixarem suas casas, as pessoas devem ter segurança e um plano de contingência claro e objetivo em mente, estabelecido pelo poder público, como explica Diego Souza. A falta de crença nos alertas de desastres pode ocorrer, especialmente quando alertas falsos são comuns. As pessoas devem estar conscientes de que os alertas podem se concretizar – e para isso, é necessário que os governos assumam ações de educação. Órgãos oficiais precisam comunicar de forma direta e construir confiança com a comunidade.

De acordo com Fortunati, a previsão é manter o uso de carros de som e instalar um programa de alertas desenvolvido pelo CanoasTec, para enviar avisos via Whatsapp, em que os cidadãos terão de se cadastrar para receber as mensagens. A Defesa Civil Municipal de Porto Alegre mantém um sistema similar, mas apenas 0,17% dos porto-alegrenses receberam os alertas durante as chuvas do início de maio.

“Estamos discutindo com o município de Niterói as práticas usadas naquelas cidades que já sofreram catástrofes. Sirenes serão adotadas”, comenta Fortunati.

Especialistas também indicam que o monitoramento da vulnerabilidade das áreas deve nortear as ações públicas. “Uma área pode ter alta magnitude e alagar muito, mas ter pouco impacto porque ninguém mora lá. Por isso, trabalhamos com vulnerabilidade associada ao risco. É preciso saber quantas pessoas moram em cada local, sua capacidade de deixar as casas, a resistência dos imóveis. Os esforços de resgate devem ser direcionados primeiro para lugares com maior vulnerabilidade”, explica Diego.

 

 

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