“Perdi tudo durante a enchente e pensava que não conseguiria me reerguer de novo. Bom, pelo menos, não nesta vida. Pensava que seria preciso outra para recomeçar”, desabafa Paulo Martins Pereira.
O trabalhador de 64 anos observou, impotente, a água das cheias destruir a casa em que morava, no bairro Mathias Velho, em Canoas, no começo de maio.
Quis o destino, contudo, que ele e a mulher, Nádia de Fátima Pereira, 57 anos, ganhassem anjos e agora o casal tem um novo lar para chamar de seu.
Presidente do Rotary Club de Canoas, Gerson Luis dos Santos lembra que, em meio ao trabalho para ajudar as vítimas, acabou encontrando Paulo sobre os escombros.
“Naquela época, quem circulava pelo Mathias Velho só via os lixões que se formavam na frente das casas”, recorda. “Encontrei o Paulo desolado sobre o que um dia tinham sido os pertences de uma vida”.
Por meio de uma parceria firmada com os rotarianos do Rotary Club Dois Vizinhos Amizade do Paraná, começou o trabalho para garantir a reconstrução da pequena casa.
“Havia muita gente sensibilizada com o que aconteceu e conseguimos ajuda também da loja Pentalfa de Canoas e a empresa Vitória+Fluid Menagement”, explica. “Todos compraram a ideia de realizar o projeto”.
O resultado foi uma casa de alvenaria firme o suficiente para garantir uma nova perspectiva para Paulo e Nádia. O casal voltou a ter um pouco do conforto do qual havia sido privado durante meses.
“Ficamos vivendo de aluguel e dependendo de favores durante muito tempo”, lamenta Paulo. “Ter um teto de novo sobre a cabeça era um sonho muito distante, que graças a Deus um grupo cruzou o meu caminho para tornar realidade”.
Gratidão
Formada por dois quartos, mais sala, cozinha e banheiro, a pequena casa localizada na Rua Tapes já recebeu doações também para a mobília.
“Um ajudou aqui; outro ali”, diz Nádia. “Conseguimos tudo com muito esforço e agora só precisamos trabalhar para manter. A gente olha na volta e entende que muita gente não teve a sorte que tivemos. Somos muito gratos”.
Muito trabalho
Paulo Martins e Nádia não estão aposentados e nenhum dos dois é pensionista. Vivem da renda oriunda do trabalho diário em reciclagem, com materiais como plástico e alumínio vendidos a quilo.
Nos fundos do pátio, montaram a oficina de onde sai o ganha-pão. Quem observa tudo organizado, não imagina a dificuldade para recuperar o trabalho.
“O que não foi destruído pela água, foi levado por ladrões que entraram na minha casa”, lamenta o trabalhador. “Porque ninguém vai me convencer que a água carregou as ferramentas pesadas que eu tinha em casa”.
O período de angústia em um abrigo agravou problemas de saúde de Paulo Martins, que hoje precisa ter cuidado extremo com a pressão arterial e o coração.
Assim, Nádia se viu na posição de assumir várias funções que antes eram garantidas pelo marido, como, por exemplo, circular rua afora com os materiais no “lombo” da bicicleta.
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“Já perdi 30 quilos pedalando, porque não tem academia melhor que ficar arrastando peso no carrinho da bicicleta”, brinca. “Só que nem reclamo mais, porque a gente passou por tanta dificuldade neste ano que isso é o de menos”.
Motivação
Segundo Gerson Luis, o impacto causado pelas cheias não é percebido por uma parcela da população. Existem, no entanto, pessoas que continuam solidárias ao drama.
“O que aconteceu em Canoas foi seríssimo e como circulamos muito pelas áreas atingidas, observamos que muita gente não retornou devido ao que aconteceu”, afirma. “Deixaram Canoas para não voltar mais”.
Pensando justamente em continuar ajudando, o Rotary Club de Canoas segue atuando nas áreas atingidas e conseguiu ajudar famílias também no Fátima e Mato Grande.
“No primeiro momento, ajudamos com marmitas, vestuário, colchões e, posteriormente, com a limpeza das casas”, aponta. “Depois voltamos a atenção para colaborar com aqueles que perderam tudo”.
Atualmente, os rotarianos trabalham na construção de uma terceira casa destruída durante nas enchentes. Desta vez, no bairro Mato Grande.
“Todas as casas, além de serem construídas, foram mobiliadas”, garante. “A emoção de ver um projeto grandioso como este concluído é muito gratificante e faz a gente querer continuar trabalhando”.
A noite que ninguém esquece
Além das perdas materiais, o abalo psicológico entre os moradores de Canoas atingidos pelas cheias permanece enorme, já que o trauma ainda é muito recente.
O reciclador Paulo Martins lembra de ter fugido de casa com a mulher quando a água começou a invadir o pátio de casa. Acabou abrigado na casa de um vizinho, mas ele também abandonou a casa sem nem avisar.
“Demorou muito até sermos resgatados”, se emociona ao lembrar. “Do segundo piso do vizinho, em via as pessoas que conheço caminhando com água pelo pescoço e se afogando. Algumas eu nunca mais vi. Quem viveu, não esquece”.
Após serem resgatados, Paulo Martins acabou encaminhado para um abrigo em Canoas, enquanto a mulher foi mandada para Esteio, onde um local estava abrigando a mulheres e crianças do bairro.
“Acabaram nos separando sem nem se importante onde um ou outro estava”, ela diz. “Foi um período muito difícil e acabava pagando até para beber água. Nem tudo era bondade nos abrigos que eles montaram na época”.