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Problema social

A difícil vida dos imigrantes venezuelanos à beira da BR-116 em Canoas

São aproximadamente 100 pessoas vivendo em 60 casas ocupadas; em meio a dificuldades, mulheres acabam vítimas de "malandros"

Publicado em: 27/03/2024 às 11h:10 Última atualização: 27/03/2024 às 11h:11
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Rosa Pinto, 54 anos, fugiu da miséria na Venezuela em busca de uma vida melhor para os cinco filhos. Ela conta que a falta de comida, remédios e segurança tornaram inviável a permanência e o Brasil parecia a melhor saída diante da situação em 2019. Parecia. Cinco anos depois, Rosa sobrevive graças a doações para alimentar os filhos pequenos. Ela mora em um pequeno casebre erguido por vizinhos. Continuam faltando comida, remédios e segurança tal qual a realidade que conhecia na Venezuela.

A venezuelana Rosa Pinto vive em dificuldades após perder o direito ao auxílio do Bolsa Família



A venezuelana Rosa Pinto vive em dificuldades após perder o direito ao auxílio do Bolsa Família

Foto: Paulo Pires/GES

“Eu perdi a ajuda do Bolsa Família”, lamenta. “Tentei buscar ajuda no Cras [Centro de Referência da Assistência Social] mas não consegui”, relata. “Já descobri que ninguém vai conseguir um emprego para mim, então vou vivendo com a ajuda que recebo”. Rosa vive em uma ocupação criada às margens da BR-116, na altura do bairro São José, a 250 metros da estação São Luis do Trensurb. No local, vivem outras dezenas de imigrantes venezuelanos que, por falta de opções, acabaram tendo que se instalar na batizada “Vila dos Venezuelanos”.

Alvo de malandros

A ocupação se consolidou a partir do início de 2019, época em que se encerrou o convênio da Organização das Nações Unidas (ONU) que, desde 2018, mantinha 258 refugiados em abrigos criados em dois condomínios localizados justamente no bairro São José. Elisamar Rivas, 25 anos, conta ter sido a primeira a “comprar um terreno” na ocupação. Ela diz que foi ludibriada há quatro anos, não sabendo na época que se tratava de uma área invadida.

A proximidade com a estação São Luís acabou sendo determinante para a “compra” quando o terreno foi oferecido. “Comprei o terreno porque pensava que pertencia a alguém, mas acabei enganada”, lembra. “Também paguei 700 reais só para um rapaz instalar energia elétrica. Ele subiu no poste e puxou o fio direto da rede. A gente sabe que é irregular, mas é a única forma de ter luz”.

Promessas

Não há um número oficial, porém os próprios moradores estimam que vivem no local 100 pessoas em aproximadamente 60 casas, sendo a maioria venezuelanos, muitas mães solteiras que acabaram abandonadas pelos parceiros durante o período de transição em Canoas.

Com o passar do tempo, a falta de estrutura mínima na Vila dos Venezuelanos passou a causar impacto. Elisamar observa que vive em um local que não é lembrado nem mesmo diante da pior das situações.

“No último temporal [em janeiro] o telhado voou todo e a gente precisou de lona para poder entrar em casa”, recorda. “Pedimos lona para a Prefeitura, mas ela nunca chegou. Os dias se passaram e a gente foi obrigado a comprar. Eles nem vêm aqui para nada”.

A moradora se ressente das promessas feitas na época em que chegou a Canoas, quando a cidade a recebeu de braços abertos e houve quem dissesse que os venezuelanos teriam oportunidades de trabalhar.

“O que eu ganho só dá para manter as crianças no colégio”, aponta. “Fiquei muito feliz em ser acolhida pelo Brasil, mas hoje a gente sobrevive com dificuldade e às vezes penso que se fosse mandada na época para outro lugar, estaria bem melhor”.

O relato de quem conseguiu emprego e casa

Uma exceção em meio à dura realidade dos venezuelanos que vivem na vila, José Miguel Navarro, 42 anos, chegou a Canoas em 2018 e passou por vários empregos até conseguir um trabalho como operador de trator. Ele confirma as dificuldades encaradas pelos venezuelanos na cidade, mas lembra que o acolhimento sempre foi anunciado como passageiro e quem entendeu isso acabou se virando primeiro para garantir emprego e renda.

“Trabalhei desde que cheguei e consegui erguer uma casa. Lembro que trabalhava 12 horas por dia no aeroporto e durante a noite erguia massa para construir a minha casa. Foi difícil, mas pelo menos tenho um cantinho”, diz. Esposa de Navarro, Honorabis, 50 anos, trabalhou no Hospital Universitário (HU) e viu o filho mais velho se tornar independente e abrir uma barbearia, o que é orgulho para ela e o marido. “Eu sei que há parte do nosso povo que está vivendo em extrema dificuldade e a gente tenta ajudar”, defende. “Só que algumas pessoas, durante a época do acolhimento mesmo, acabaram se acomodando e a situação só piorou depois que o governo pediu para saírem”.

O que diz a Prefeitura de Canoas?

Por meio de nota enviada ao DC no início da noite desta terça-feira (26), a Prefeitura informou que “os imigrantes que chegam em Canoas contam com atendimento especializado na Prefeitura, por meio da Coordenadoria da Igualdade Racial, Povos Originários e Imigrantes. O espaço está localizado na Rua 15 de Janeiro, 15, no Centro, com funcionamento de segunda a sexta-feira, das 8 às 18 horas, e pelo WhatsApp (51) 98255-0652. Atualmente Canoas conta com aproximadamente 6 mil imigrantes, de diferentes nacionalidades, registrados e que passaram por atendimento migratório.

A assistência é realizada dentro de três pilares: humanização, acolhimento e políticas públicas. O objetivo é proporcionar um atendimento que forneça todas as informações necessárias para quem está chegando ao País e adotou a cidade para recomeçar a vida. No serviço, que funciona como porta de entrada dos imigrantes, é possível realizar a primeira documentação, renovar documentos, alterar endereço, registrar a permanência e formular pedidos. Além disso, ocorrem orientações para as políticas públicas de Canoas, tais como encaminhamentos de currículos para empresas parceiras e para os benefícios disponibilizados através dos Centros de Referência em Assistência Social (Cras).

Nesta terça-feira (26), a secretária de Assistência Social de Canoas, Luísa Camargo, visitou a área em questão, localizada na Avenida Getúlio Vargas, no bairro São José. Verificou que as famílias venezuelanas receberam todos os encaminhamentos para as políticas públicas disponíveis no município logo que chegaram em Canoas, a partir de 2018.

“Eu mesmo acompanhei, com duas equipes técnicas no programa de acolhimento proposto pela ONU e Acnur. Todos os 310 venezuelanos tiveram assistência e orientação sobre seus direitos e serviços públicos que poderiam acessar. Inclusive, conseguimos trabalho remunerado, casas para alugar com valores acessíveis, mobílias e demais utensílios domésticos, com a ajuda de toda a comunidade canoense. Cumprimos a missão dada pelo programa, que era torná-los autônomos e inseridos na vida da comunidade, com seus direitos como qualquer cidadão canoense”, diz a nota.

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