HISTÓRIAS DAS CHEIAS
"Destruiu nossas lembranças mais valiosas", diz morador do Mathias Velho sobre enchente
Pai e filha tentam recomeçar a vida após inundação do lado oeste de Canoas
Última atualização: 28/06/2024 16:37
Existe uma linha tênue entre a esperança e a angústia. Os sentimentos se cruzam diante de pilhas de sonhos transformados em entulhos pela enchente que assolou mais da metade de Canoas. Milhares de histórias perante a tragédia imposta estão interligadas pelo rastro de destruição e pelo desejo de um recomeço.
Com os olhos marejados, Lidio Pagliarini, de 76 anos, descreve a sensação de impotência em frente à montanha de escombros, que um dia pertenceram ao lar do morador da Rua Pelotas, no bairro Mathias Velho.
"Toda vez que retorno para continuar a limpeza da casa, sou forçado a ver minha história despedaçada em forma de lixo. Minha filha e eu perdemos praticamente tudo. A sensação é que estamos revivendo o mesmo dia. Nossa casa ficou submersa por um mês. A água chegou no teto e lá ficou até apodrecer nossos móveis e destruir nossas lembranças mais valiosas", lamenta o idoso.
Com o auxílio de familiares, a residência passa por limpeza considerada "pesada". Segundo Lidio, a operação está sendo feita por etapas.
"O primeiro dia foi o mais difícil. Quando finalmente tive acesso à casa, o choque foi enorme. É difícil explicar em palavras. Lembro de abrir a porta e a lama cair sobre meus pés. Tinha quase meio metro de lama por todos os cantos. Não temos a opção de desistir e não vamos, mas é impossível não ficar abalado com tudo que aconteceu. Todos os dias busco e peço por força para continuar."
O comerciante e a filha Lidinalva Pagliarini, de 49 anos, expressam o desejo de recomeçar em meio às dificuldades.
"Perdemos coisas que estavam na família há décadas. Alguns itens, por um milagre, conseguimos recuperar [uma cruz e um prato da Santa Ceia]. Parece que Deus colocou a mão e protegeu."
Fora de casa há mais de 50 dias, pai e filha dependem do acolhimento de parentes e amigos.
"Não conseguimos retornar para morar. A rua está tapada de entulhos, o processo de limpeza da casa segue sendo feito e não temos praticamente mais nada dentro dela", desabafa Lidinalva. "As portas e janelas de madeira não têm mais condições de uso. Estamos na luta para salvar o forro e demais itens estruturais."
Lidio contabiliza um prejuízo de aproximadamente R$ 80 mil. O idoso diz que todo auxílio é bem-vindo. "Decidi não abrir "vaquinha", mas quem quiser ajudar pode entrar em contato comigo por telefone. Doações de qualquer natureza vão contribuir muito", finaliza.
Interessados em ajudar o morador e a filha podem entrar em contato pelo (51) 99981-8085.
Apelo às autoridades
Os móveis e utensílios destruídos pela inundação seguem nas calçadas da Rua Pelotas, que acumula em toda a extensão os entulhos.
"Fica difícil recomeçar diante de tanto descaso. Logo completaremos dois meses da tragédia e parece que quase nada mudou", lamenta.
Segundo a Prefeitura, novas contratações de máquinas e equipes estão sendo realizadas para acelerar o processo de limpeza das áreas afetadas. A Secretaria Municipal de Serviços Urbanos estima que, em 45, os trabalhos de recolhimento dos entulhos da enchente serão finalizados.