ALIADO OU VILÃO?

CELULAR NA SALA DE AULA: Já tem cidade proibindo uso dos aparelhos nas escolas; entenda

Pesquisas apontam riscos que uso excessivo do celular pode causar à aprendizagem e à saúde de crianças e adolescentes

Publicado em: 23/02/2024 07:00
Última atualização: 23/02/2024 09:46

O celular, criado no século passado para ser um telefone móvel, hoje é banco, carteira de motorista, mapa, cartão de plano de saúde, loja, rádio e por aí vai. Com o boom da Internet e das redes sociais, também se tornou uma ferramenta de interação não somente para adultos.

A última pesquisa TIC Kids Online, do Comitê Gestor da Internet no Brasil, mostrou que 95% do público ente 9 e 17 anos acessa a Internet no País, somando mais de 25,1 milhões de crianças e adolescentes. O estudo identificou que o primeiro contato com a Internet, em 24% dos casos, ocorre antes dos 6 anos.


Pelo País, já há escolas e prefeituras proibindo uso do celular Foto: Alan Costa/SME-RJ

Toda essa tecnologia também virou motivo de conflito e não faltam argumentos de que o celular tem atrapalhado as rotinas das escolas e o aprendizado em sala de aula. O debate gira em torno da falta de controle dos estudantes no uso durante as aulas, principalmente, para atividades que não são pedagógicas.

São dezenas de projetos de lei já apresentados, de Norte a Sul do Brasil, na esfera municipal, estadual e federal, que propõem regramento para o uso do celular nas escolas, desde a permissão somente para trabalhos até a proibição total.

Uma das medidas legais mais recentes vem da cidade do Rio de Janeiro. É o segundo município mais populoso do País, com 6,2 milhões de habitantes, e uma rede municipal de 1.556 escolas e quase 660 mil alunos.

Em agosto de 2023, o prefeito carioca Eduardo Paes havia proibido o uso do celular durante as aulas. De dezembro do ano passado a janeiro de 2024, a Secretaria Municipal de Educação abriu uma consulta pública sobre o tema, que recebeu 10.437 contribuições. O resultado foi que 83% dos participantes foram favoráveis à proibição do celular.

Assim, em 2 de fevereiro, um novo decreto vetou o uso pelos alunos de celulares e outros dispositivos tecnológicos nas escolas, para dentro e fora da sala de aula.

No território gaúcho, em 2023, o Sindicato dos Professores do Ensino Privado (Sinpro-RS) solicitou ao Sindicato do Ensino Privado (Sinepe) a criação de um protocolo sobre o uso do celular, a fim de impedir o uso indevido em sala de aula e garantir proteção aos professores de intromissões externas que “só promovem a discórdia”.

Conforme a diretora do Sinpro, Cecília Farias, são duas razões que motivaram o pedido. A primeira delas é que existem várias pesquisas apontando os malefícios sobre o uso excessivo do celular aos estudantes. A segunda é que gravações de aulas feitas fora de contexto e divulgadas em redes sociais trouxeram um clima de insegurança na prática de docente.

O documento diz que “professores de escolas privadas já foram demitidos por analisarem, junto aos alunos, fatos objetivos e científicos, mas que, por não serem aceitos ideologicamente por determinados pais e/ou grupos políticos, geram a ‘expulsão’ de professores da escola”. “Apoiamos o uso do celular para fins pedagógicos. Se ele passa o tempo todo no celular, o quanto de vida e de aprendizado ele perde com isso?”, questiona.

Já o Sinepe informou que está analisando o pedido do Sinpro. “Inclusive, o tema entrará na pauta da comissão de negociação e deve ser um dos assuntos em discussão nas reuniões de negociação com a categoria”, informa a entidade por meio da assessoria de imprensa.

No entanto, o Sinepe ressalta que não tem poder legislativo para regrar o assunto. “Além disso, esse tema está na esfera pedagógica de cada escola, que tem autonomia para definir regras e condutas, a partir do seu projeto pedagógico”, salienta o presidente do Sinepe, Oswaldo Dalpiaz.

Estudos apontam malefícios do uso excessivo em crianças e adolescentes

A comunidade científica há tempos vem alertando sobre as consequências do uso exagerado de telas por crianças e adolescentes. Há duas publicações mais recentes que estão no centro do debate atualmente. Inclusive, fazem parte da argumentação do Rio de Janeiro para proibir o celular nas escolas.

Em julho do ano passado, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) publicou o Relatório de Monitoramento Global da Educação.

O documento defende que os “governos precisam garantir as condições certas para permitir o acesso igualitário à educação para todos, regulamentar o uso da tecnologia de modo a proteger os estudantes de suas influências negativas e preparar os professores”.

Segundo o relatório, o tempo prolongado de exposição à tela pode afetar de forma negativa o autocontrole e a estabilidade emocional, aumentando a ansiedade e a depressão.

Conforme a Unesco, menos de um em cada quatro países tem leis que proíbem smartphones nas escolas. Na China, o Ministério da Educação limitou o uso de dispositivos digitais como recurso educacional a 30% do tempo total de ensino. Já na Itália e Estados Unidos, é vedado o uso de ferramentas ou redes sociais específicas nas escolas.

Segundo a Unesco, a premissa da publicação é que a “tecnologia deve servir às pessoas e que a tecnologia na educação deve colocar os estudantes e professores no centro”.

A outra publicação sobre o tema é o relatório do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa), divulgado no início de dezembro com dados de 2022. Neste estudo, 45,1% dos alunos brasileiros afirmam se distrair com celulares durante as aulas.

A média do Brasil é superior aos números da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), entidade que aplica o exame a cada três anos, cujo índice ficou em 30,5%.
Os números do Pisa são referentes a estudantes de 15 anos em aulas de matemática.

Até quem não usa celular se atrapalha, já que 40% dos alunos brasileiros declararam que perdem a atenção quando os colegas mexem no aparelho. A média da OCDE é de 25%.

O levantamento constatou ainda que quase um terço (30,4%) dos estudantes do País desta faixa etária não desliga as notificações de aplicativos e redes sociais durante a aula.


Celular nas escolas municipais do Rio de Janeiro devem ficar guardados dentro da mochila Foto: Alan Costa/SME-RJ

Epidemia de distrações

Para o secretário municipal de Educação do Rio de Janeiro, Renan Ferreirinha, a sociedade tem vivido "uma epidemia de distrações" por causa dos celulares.

"A conexão do aluno deve ser com a escola e não com o celular. O uso excessivo de aparelhos eletrônicos atrapalha a concentração e prejudica diretamente a aprendizagem. É como se o aluno saísse de sala toda vez que vê uma notificação”, ressalta.

Ele enfatiza que não há como prestar atenção e aprender com esse comportamento. Além disso, Ferreirinha chama atenção que a escola é lugar de interagir com pessoas e “ficar no celular” atrapalha a convivência social, deixando a criança isolada em sua própria tela.

“Ressalto que a gente não é contra o uso de tecnologia na educação, mas ela precisa ser usada de forma consciente e responsável. Do contrário, em vez de uma aliada, ela pode se tornar uma vilã do processo educacional", dispara.

Conforme o secretário carioca, foi importante abrir consulta pública sobre o tema e receber a contribuição da sociedade. “No Brasil, onde vivemos hoje uma epidemia de distrações, isso é ainda mais acentuado”, diz.

Por fim, o secretário defende que da mesma forma que em casa os pais precisam estabelecer regras e limites para uma boa criação dos filhos, não deve ser diferente na escola. “Para isso, regras são fundamentais e é justamente isso que queremos com essa medida", conclui.

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