EM BUSCA DO SONHADO DIPLOMA
Universitários com mais de 50 anos são parte do novo perfil de estudantes da região
Mais de 2.400 alunos matriculados em seis instituições de ensino superior da região tem mais de 40 anos
Última atualização: 04/03/2024 16:17
Há um ditado popular que diz que a vida de alguém só inicia, de fato, após os 40 anos. E que para sonhar, então, não há idade que limite. Entre os objetivos traçados ao longo seus 56 anos, o de ter uma graduação sempre esteve entre os mais cobiçados pela estudante de Gastronomia Lisete Maldaner. Foi em 2018, aos 51 anos, que ela decidiu que o amor pela cozinha e pelos alimentos seria o caminho para ela ir em busca do diploma universitário.
As circunstâncias da vida fizeram com que o título de graduada ficasse cada vez mais distante. Moradora de Novo Hamburgo, ela conta que antes mesmo de optar pela gastronomia, ingressou no curso de Comércio Exterior em 1991, mas acabou não finalizando.
"Eu tinha meus três filhos pequenos, eu estava procurando algo que eu gostasse. Eu queria fazer belas artes na época, só que era noturno e para mim não dava, não tinha como deixar as crianças sozinhas", relata. Definindo-se como inquieta, Lisete diz que o sonho um dia adiado hoje está prestes a se tornar realidade, já que está em seu último semestre do curso na Universidade Feevale.
Lisete faz parte dos 599.977 brasileiros com mais de 40 anos matriculados no ensino superior, de acordo com os últimos dados do Censo da Educação Superior do Ministério da Educação (MEC), de 2021. No mesmo ano, o país teve 8.987.120 alunos inscritos na graduação.
A reportagem consultou seis instituições de ensino superior da região e constatou que mais de 2.400 alunos matriculados estão acima dos 40. A recém administradora Lurdelena Quaresma, 58, também faz parte da estatística e o diploma da primeira graduação veio dia 11 de março.
O primeiro passo foi a conclusão do ensino médio, em 2013. Em 2018, o sonho ficou mais perto, com o vestibular para Administração na Universidade Luterana do Brasil (Ulbra), em Canoas. "A graduação para mim foi um grande desafio. Quando eu comecei a estudar, a expectativa era de aprender e superar os meus medos. Eu me sinto realizada", diz ela, que agora objetiva atuar profissionalmente na atividade.
Instituições oferecem incentivos até no preço
Para incentivar que pessoas de diferentes faixas etárias estejam cada vez mais presentes entre os universitários, as instituições de ensino oferecem vantagens de ingresso. Nos seis locais consultados, a Universidade Feevale, Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), Faccat, Ulbra, Instituto Ivoti e IENH, todos oferecem programas de descontos para ingresso de alunos com mais de 40 anos e que podem chegar até 50% de desconto, variando por idade e local de ensino.
Foi por conta do benefício que Lurdelena conseguiu o diploma e admite que se não fosse a iniciativa, talvez não estivesse formada. Lisete é outra que desfruta do auxílio. "Eu ainda tenho um bom desconto de 30%. É mais um incentivo para uma pessoa mais velha voltar a estudar", conta.
O momento para a realização pessoal
Com a vida dedicada à segurança pública, o policial civil João Carlos Castro de Melo, 65, também não desistiu do sonho de cursar licenciatura em Letras. Morador de Santo Antônio da Patrulha, a jornada da primeira graduação começou em 2001 e em 2007 precisou ser interrompida por questões financeiras.
O desejo se manteve adormecido até 2018, quando Melo levou a filha até a faculdade e retornou para casa decidido em prestar o vestibular. Hoje ele está entre os 16 alunos com mais de 60 anos das Faculdades Integradas de Taquara (Faccat). "Eu não tenho a intenção de ser professor de carreira porque eu já tenho a minha carreira, mas eu estou fazendo a faculdade bem tranquilo porque eu quero ser professor autônomo", descreve ele, revelando que a sua meta é finalizar seu livro autobiográfico quando receber o diploma.
Para o auxiliar de limpeza e estudante de Letras, Paulo Ricardo de Souza, 58, a graduação é também a realização de um sonho. "É muito gratificante voltar a estudar, independente da idade. Uma vez uma professora de geografia me falou e eu nunca mais esqueci: podem tirar tudo da gente, mas a única coisa que não podem tirar é o conhecimento", relembra.
De volta à sala de aula para recomeçar em uma nova fase
A estabilidade de ser funcionário público não impediu o oficial de justiça do juizado da infância e juventude Lineu Silva Hardessem, 51, de querer voltar à sala de aula. A primeira graduação veio em 2000, quando concluiu o curso de Direito, aos 28 anos. Em 2021 deu início a outro desafio: cursar Psicologia. "A psicologia é um tema que eu sempre me interessei, segundo porque é um projeto de vida para uma segunda profissão. Projeto de vida para a minha aposentadoria. Daqui a um pouco mais eu me aposento e eu estou criando um plano de vida e de trabalho para a aposentadoria", relata.
Em vídeo, alunas debocharam de colega com mais de 40 anos
Um vídeo que viralizou nas redes sociais mostrou três estudantes de uma universidade de Bauru, no interior de São Paulo, hostilizando uma colega com mais de 40 anos e levantou questões sobre etarismo - denominação dada ao preconceito por conta da idade. Os universitários ouvidos na reportagem contam que nunca chegaram a passar por situações como esta e que, pelo contrário, enxergam a diferença de idade como ótima oportunidade para troca de experiências.
"Essas turmas jovens, dentro de sala de aula, me olham de uma maneira diferente por conta da idade e do cabelo branco, mas eu encaro normalmente. Trato eles como se eu fosse de igual para igual. É uma bagagem que eu passo para eles pela experiência que eu tenho de vida e ganho com eles na modernidade, eu aprendo", conta Melo. Já para o estudante de psicologia Hardessem a troca vai além de sala de aula: "Terminamos sendo uma figura de referência para os colegas mais novos, não só em questões acadêmicas, quanto em questões de vida."
A psicopedagoga do Centro Integrado de Psicologia da Feevale, Mari Elise Stein, enxerga as trocas de experiências entre pessoas de diferentes faixas etárias como muito positivas. "A gente tem jovens que buscam nessas pessoas uma caminhada de vida maior, trocas, vivências e conselhos. E também, o que a gente vê de movimento de quem está acima dos 40 é buscar o jovem até pelas do mundo virtual", explica.
Há um ditado popular que diz que a vida de alguém só inicia, de fato, após os 40 anos. E que para sonhar, então, não há idade que limite. Entre os objetivos traçados ao longo seus 56 anos, o de ter uma graduação sempre esteve entre os mais cobiçados pela estudante de Gastronomia Lisete Maldaner. Foi em 2018, aos 51 anos, que ela decidiu que o amor pela cozinha e pelos alimentos seria o caminho para ela ir em busca do diploma universitário.
As circunstâncias da vida fizeram com que o título de graduada ficasse cada vez mais distante. Moradora de Novo Hamburgo, ela conta que antes mesmo de optar pela gastronomia, ingressou no curso de Comércio Exterior em 1991, mas acabou não finalizando.
"Eu tinha meus três filhos pequenos, eu estava procurando algo que eu gostasse. Eu queria fazer belas artes na época, só que era noturno e para mim não dava, não tinha como deixar as crianças sozinhas", relata. Definindo-se como inquieta, Lisete diz que o sonho um dia adiado hoje está prestes a se tornar realidade, já que está em seu último semestre do curso na Universidade Feevale.
Lisete faz parte dos 599.977 brasileiros com mais de 40 anos matriculados no ensino superior, de acordo com os últimos dados do Censo da Educação Superior do Ministério da Educação (MEC), de 2021. No mesmo ano, o país teve 8.987.120 alunos inscritos na graduação.
A reportagem consultou seis instituições de ensino superior da região e constatou que mais de 2.400 alunos matriculados estão acima dos 40. A recém administradora Lurdelena Quaresma, 58, também faz parte da estatística e o diploma da primeira graduação veio dia 11 de março.
O primeiro passo foi a conclusão do ensino médio, em 2013. Em 2018, o sonho ficou mais perto, com o vestibular para Administração na Universidade Luterana do Brasil (Ulbra), em Canoas. "A graduação para mim foi um grande desafio. Quando eu comecei a estudar, a expectativa era de aprender e superar os meus medos. Eu me sinto realizada", diz ela, que agora objetiva atuar profissionalmente na atividade.
Instituições oferecem incentivos até no preço
Para incentivar que pessoas de diferentes faixas etárias estejam cada vez mais presentes entre os universitários, as instituições de ensino oferecem vantagens de ingresso. Nos seis locais consultados, a Universidade Feevale, Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), Faccat, Ulbra, Instituto Ivoti e IENH, todos oferecem programas de descontos para ingresso de alunos com mais de 40 anos e que podem chegar até 50% de desconto, variando por idade e local de ensino.
Foi por conta do benefício que Lurdelena conseguiu o diploma e admite que se não fosse a iniciativa, talvez não estivesse formada. Lisete é outra que desfruta do auxílio. "Eu ainda tenho um bom desconto de 30%. É mais um incentivo para uma pessoa mais velha voltar a estudar", conta.
O momento para a realização pessoal
Com a vida dedicada à segurança pública, o policial civil João Carlos Castro de Melo, 65, também não desistiu do sonho de cursar licenciatura em Letras. Morador de Santo Antônio da Patrulha, a jornada da primeira graduação começou em 2001 e em 2007 precisou ser interrompida por questões financeiras.
O desejo se manteve adormecido até 2018, quando Melo levou a filha até a faculdade e retornou para casa decidido em prestar o vestibular. Hoje ele está entre os 16 alunos com mais de 60 anos das Faculdades Integradas de Taquara (Faccat). "Eu não tenho a intenção de ser professor de carreira porque eu já tenho a minha carreira, mas eu estou fazendo a faculdade bem tranquilo porque eu quero ser professor autônomo", descreve ele, revelando que a sua meta é finalizar seu livro autobiográfico quando receber o diploma.
Para o auxiliar de limpeza e estudante de Letras, Paulo Ricardo de Souza, 58, a graduação é também a realização de um sonho. "É muito gratificante voltar a estudar, independente da idade. Uma vez uma professora de geografia me falou e eu nunca mais esqueci: podem tirar tudo da gente, mas a única coisa que não podem tirar é o conhecimento", relembra.
De volta à sala de aula para recomeçar em uma nova fase
A estabilidade de ser funcionário público não impediu o oficial de justiça do juizado da infância e juventude Lineu Silva Hardessem, 51, de querer voltar à sala de aula. A primeira graduação veio em 2000, quando concluiu o curso de Direito, aos 28 anos. Em 2021 deu início a outro desafio: cursar Psicologia. "A psicologia é um tema que eu sempre me interessei, segundo porque é um projeto de vida para uma segunda profissão. Projeto de vida para a minha aposentadoria. Daqui a um pouco mais eu me aposento e eu estou criando um plano de vida e de trabalho para a aposentadoria", relata.
Em vídeo, alunas debocharam de colega com mais de 40 anos
Um vídeo que viralizou nas redes sociais mostrou três estudantes de uma universidade de Bauru, no interior de São Paulo, hostilizando uma colega com mais de 40 anos e levantou questões sobre etarismo - denominação dada ao preconceito por conta da idade. Os universitários ouvidos na reportagem contam que nunca chegaram a passar por situações como esta e que, pelo contrário, enxergam a diferença de idade como ótima oportunidade para troca de experiências.
"Essas turmas jovens, dentro de sala de aula, me olham de uma maneira diferente por conta da idade e do cabelo branco, mas eu encaro normalmente. Trato eles como se eu fosse de igual para igual. É uma bagagem que eu passo para eles pela experiência que eu tenho de vida e ganho com eles na modernidade, eu aprendo", conta Melo. Já para o estudante de psicologia Hardessem a troca vai além de sala de aula: "Terminamos sendo uma figura de referência para os colegas mais novos, não só em questões acadêmicas, quanto em questões de vida."
A psicopedagoga do Centro Integrado de Psicologia da Feevale, Mari Elise Stein, enxerga as trocas de experiências entre pessoas de diferentes faixas etárias como muito positivas. "A gente tem jovens que buscam nessas pessoas uma caminhada de vida maior, trocas, vivências e conselhos. E também, o que a gente vê de movimento de quem está acima dos 40 é buscar o jovem até pelas do mundo virtual", explica.