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SEMANA DA CONSCIÊNCIA NEGRA

"Uma conta que não fecha": Em busca de mudanças reais, profissionais negros desenvolvem ações voltadas à ascensão no mercado de trabalho

Iniciativas buscam abrir portas para mais pluralidade no ambiente corporativo

Publicado em: 20/11/2024 às 21h:57
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A dificuldade em ingressar (e se enxergar) no mercado de trabalho é um relato comum entre jovens negros. Encontrar mais portas fechadas do que abertas, aliado à falta de um sistema corporativo comprometido com mudanças reais, intensifica a busca por avanços. Entre as ações que fazem a diferença, o crescimento de redes de conexão entre profissionais é uma delas. O objetivo é, justamente, impulsionar uns aos outros a ascensão no mercado de trabalho.

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Inverter essa roda que gira na contramão para a população negra foi o que movimentou a criação do Grupo de Profissionais Negros na Indústria Criativa do Rio Grande do Sul (GPNic). Fundado em 2018 pelo publicitário e porto-alegrense Felipe Rocha, de 34 anos, o grupo reúne mais de 200 profissionais negros, conectados para criar uma rede de networking e divulgar oportunidades no ambiente corporativo.

GPNic conta com mais de 200 participantes | abc+



GPNic conta com mais de 200 participantes

Foto: Arquivo pessoal

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O jovem, que é mestre em Indústria Criativa pela Universidade Feevale, doutorando em Comunicação pela PUCRS e atuante no segmento de inovação em uma instituição financeira cooperativa, teve a ideia ao perceber as dificuldades enfrentadas no mercado de trabalho, mesmo com alta qualificação. “A primeira pessoa que me deu uma oportunidade no mercado foi uma mulher negra, mas, ao buscar outros espaços, a inclusão era difícil”, lembra Rocha.

A iniciativa começou em uma reunião para discutir a viabilização dessa rede de contatos. Hoje, o grupo — ativo no WhatsApp — funciona como um organismo vivo, de acordo com Rocha. “É uma rede de apoio e conexão para fazer as vagas circularem entre pessoas negras. Avançamos, mas ainda há muito o que conquistar”, destaca.

Felipe Rocha é o fundador do grupo. | abc+



Felipe Rocha é o fundador do grupo.

Foto: Arquivo pessoal

Para progredir ainda mais, o grupo busca investimento. Com financiamento, o GPNic pode alcançar mais pessoas no Estado e promover novas iniciativas. “Quem trabalha com diversidade sonha com o dia em que não precisaremos mais debater isso. Mas enquanto for necessário, queremos os mecanismos para avançar com o trabalho”, pondera Rocha.

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Entre as ações apoiadas pelo GPNic está o projeto de criação de vagas intencionais para pessoas negras em agências de comunicação de Porto Alegre, que já alocou 17 estagiários no mercado. “A ampliação de vagas afirmativas é positiva, mas muitas empresas ainda contratam sem estrutura inclusiva. As pessoas precisam de ambientes onde se sintam acolhidas”, avalia Rocha. O grupo pode ser encontrado pelo site gpnic.com.br.

Judiciário também precisa de mudanças

Se a exclusão de pessoas negras no mercado de trabalho afeta de modo geral todos os segmentos, quando a lupa mira para o Direito, os dados saltam. O relatório Justiça em Números 2024, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), revela que o Brasil conta com apenas 14,25% de juízes negros e 27,1% de servidores do Judiciário. No Rio Grande do Sul, os índices são especialmente baixos.

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Diante desse cenário, o Instituto de Acesso à Justiça (IAJ), sediado em Porto Alegre, realiza ações para incentivar jovens negros a ingressarem em concursos públicos das carreiras jurídicas. A advogada trabalhista Livia Prestes, 39, é uma das líderes nessa luta. Hoje, ela atua como conselheira da entidade em que foi presidente do conselho deliberativo por quatro anos.

Livia Prestes é conselheira do IAJ | abc+



Livia Prestes é conselheira do IAJ

Foto: Eduardo Amaral/GES-Especial

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Segundo Livia, a dificuldade de acesso aos altos cargos jurídicos tem origem na herança escravocrata. “Fomos historicamente excluídos de acesso à terra e ao estudo. Para passar em concursos públicos, é preciso ter tempo. Ou seja, quanto mais horas eu preciso me dedicar a um trabalho, menos consigo dedicar a outros aspectos da vida”, afirma.

É em busca dessa oportunidade de tempo que o IAJ realiza seus projetos, como o que oferece bolsas de estudo para pessoas negras e indígenas em escolas especializadas em concursos públicos nas carreiras jurídicas. “Precisamos de investimento financeiro para fazer esse trabalho, ou seja, para irmos além da bolsa. Muitos bolsistas são trabalhadores que não dispõem de uma situação econômica que permita apenas estudar, e é necessário de apoio monetário para que esse estudo seja efetivo”, explica Livia.

Até o momento, 45 bolsas foram concedidas, com resultados notáveis, como a aprovação de um bolsista na magistratura do trabalho e outros em vagas para servidores da Justiça. O poder econômico é constantemente citado como um dos meios mais importantes para mudar a vida de pessoas negras. “Com investimento, poderíamos fazer ainda mais. O avanço é significativo, mas é preciso ir além”, reforça Livia.

“Falta indignação sobre o mercado de trabalho”

A filósofa e escritora Angela Davis já dizia: quando uma mulher negra se movimenta, toda a estrutura da sociedade se movimenta junto com ela. E se tem uma palavra que pode moldar a história da jornalista Andressa Lima, 31, é “movimento”. A hamburguense carrega um vasto leque de capacitações profissionais, como o título de mestre em Letras e especializações em escrita criativa, marketing digital, UX design, storytelling e outras. “Não parei de estudar ainda, e acho que nem vou”, frisa.

Andressa Lima precisou deixar Novo Hamburgo em busca de oportunidades | abc+



Andressa Lima precisou deixar Novo Hamburgo em busca de oportunidades

Foto: Eduardo Amaral/GES-Especial

Mesmo com um currículo sólido e qualificado, Andressa precisou deixar Novo Hamburgo e se mudar para Porto Alegre. O motivo foi justamente as portas fechadas que encontrou pelo caminho em busca de mais oportunidades. “Falta indignação sobre o mercado de trabalho. É uma realidade que não fecha, com um mercado cada vez mais embranquecido. Muitas vezes, as pessoas negras empreendem não por opção, mas por necessidade”, reflete.

Foi quando sua história cruzou com outras profissionais pretas que Andressa se sentiu verdadeiramente acolhida no mercado de trabalho. Em empresas como a AfrOya Tech Hub e Ibiama, de Porto Alegre, e a Indique Uma Preta, de São Paulo, ela sentiu a diferença de trabalhar em ambientes que realmente pautam a pluralidade. “Trabalhar com mulheres negras é diferente, o acolhimento é maior, desempenho melhor meu papel e me sinto mais protegida. O reconhecimento é importante,” destaca.

Estatísticas que ganham rostos

Um estudo da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua) aponta que a taxa de desemprego de pessoas negras terminou o ano de 2023 acima da média nacional. Pelo prisma da cor da pele, a população branca apresentou taxa de desocupação de 5,9%, enquanto pretos ficaram em 8,9% e pardos em 8,5%.

Quando conseguem se colocar no ambiente corporativo, a precarização das vagas é notória. Outra pesquisa do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) mostra que a parcela da população negra que consegue acessar alguma oportunidade de emprego acaba encontrando dificuldades de ascensão profissional. Apenas 2,1% dos trabalhadores negros, sejam homens ou mulheres, ocupam cargos de direção ou gerência.

Esses dados não são apenas estatísticas. Eles representam histórias reais de jovens que desde muito cedo perceberam que a cor da pele os distanciava das oportunidades, independentemente da sua qualificação. “O racismo opera por fenótipo, quanto a pele mais escura, mais difícil. Quanto menos conseguimos oportunidades, mas queremos nos qualificar. E quanto mais qualificamos, menos valor salarial recebemos. É uma conta que não fecha”, afirma Andressa.

É por isso que as redes de apoio ganham força entre a comunidade negra. As trocas, sejam de oportunidades ou de experiências, ajudam a projetar o futuro. No entanto, para o cenário ter uma mudança real, é preciso que as empresas entrem nessa luta. “A população negra funciona muito na indicação. No Rio Grande do Sul, tem muitos grupos segmentados pensando nisso. Trabalhar diversidade não é fácil, não fazemos porque é legal, mas sim porque é necessário”, conclui Andressa.

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