O setor de energia solar enfrenta impasse com as concessionárias e prepara para sexta-feira (1°) a manifestação Energia Solar Sem Bloqueios para chamar atenção sobre reprovações de projetos. No centro da discussão está o artigo 73 da resolução normativa da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) 1.059/2023.
A regra trata sobre a inversão do fluxo de potência e a necessidade de estudos para identificar as opções viáveis que eliminem essa inversão.
O setor reclama que as concessionárias ligadas ao grupo CPFL passaram a reprovar projetos para instalação de novas usinas e ampliação de sistemas já existentes a partir de 1º de outubro, amparadas neste artigo.
O protesto está programado para ocorrer em frente à sede administrativa da RGE, em São Leopoldo, das 14 às 17 horas. Em São Paulo, ação semelhante também será organizada.
O movimento é organizado pela Aliança Solar, que envolve o Instituto Nacional de Energia Limpa e o Movimento Solar Livre, como forma de protestar contra o aumento das reprovações de projetos de geração distribuída que segundo as entidades, são justificados pela inversão de fluxo.
A RGE garante que a análise dos pedidos de geração distribuída está em pleno funcionamento, sem bloqueios. No entanto, a distribuidora não informou o volume de projetos que foi aprovado mês a mês neste ano, de modo que a reportagem pudesse verificar se houve ou não redução neste mês, como reclama o setor de energia solar.
Conforme relatos de integradores, a RGE tem pedido melhorias na rede, alegando que não há mais condições de receber carga de energia.
O fato é contestado pelo setor. Conforme o presidente do Movimento Solar Livre, Hewerton Martins, se não houvesse capacidade, outros projetos também seriam reprovados.
“Apenas aquele que permite o consumidor final gerar a própria energia é que vem sofrendo esse boicote das distribuidoras de energia. Principalmente a RGE que é ligada ao grupo da CPFL”, declara.
“As empresas não querem que o consumidor gere energia, mas elas querem ofertar a energia das suas próprias usinas. Como que fica a questão do consumidor nisso tudo?”, questiona.
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Martins diz que a RGE detém todos os cadastros dos clientes e quando reprova o projeto, não dá o subsídio de informações técnicas para que se possa fazer um contraponto.
“Então tem um conflito muito grande, porque eu não tenho os dados da motivação técnica e ela (RGE) diz que a rede não suporta, mas não fala o porquê”, relata.
Para o representante do setor solar, não cabe ao consumidor ficar reformando a rede profissional. “E ainda mais se não há uma comprovação que aquilo é necessário. Então nos parece muito uma espécie de boicote contra o consumidor”, critica.
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A RGE explica, por meio da assessoria de imprensa, que todas as solicitações são rigorosamente avaliadas e são emitidos “pareceres com alternativas de conexão à rede elétrica, em conformidade com a regulamentação vigente, que estabelece os procedimentos e critérios para a integração de sistemas de geração distribuída”.
Ainda segundo a distribuidora, recentemente houve uma mudança na regulamentação da Aneel, inclusive com alteração dos documentos necessários para encaminhamento dos pedidos. “A RGE comunicou os responsáveis técnicos cadastrados junto à empresa sobre esta alteração com orientações da forma de preenchimento destes novos documentos”, informa.
Professor sugere mudança na resolução
O professor de engenharia elétrica da Unisinos Paulo Ricardo da Silva Pereira avalia que o embate entre o setor de energia solar e as concessionárias poderia ser resolvido se o artigo 73 da resolução 1.059/2023 da Aneel fosse revisto.
“Talvez o cenário ideal seria da resolução apontar que a concessionária realize estudos para ações que eliminem os efeitos negativos da inversão de fluxo”, comenta Pereira.
No texto atual, a regra aponta que a distribuidora deve realizar estudos para identificar as opções viáveis, entre cinco alternativas.
O fluxo inverso faz referência à energia que é gerada na usina solar e depois injetada na rede da concessionária, isso porque há excedente de produção. De acordo com ele, dependendo da quantidade de energia solar produzida em uma determinada região, a rede que atende esta localidade pode não ter capacidade para receber tanta potência, o que exige adequações.
Ele pondera que todos os investimentos realizados para melhoria de rede precisam ser planejados pelas concessionárias, pois terão impacto no valor da tarifa, cobrada de quem usa e de quem não usa energia solar.
Questionado se esse não seria o caso do governo federal subsidiar investimentos, especialmente diante do cenário de mudanças climáticas e de crise hídrica, onde a bandeira tarifária de energia elétrica é a vermelha, ele acredita que essa poderia ser uma alternativa.