DIA DAS MÃES

REINVENÇÃO COMO MULHER: Mães se lançam em desafio nos céus enquanto superam a sobrecarga da maternidade

Se conhecer de outras formas, além da maternidade, acabou também inspirando os filhos

Publicado em: 14/05/2023 06:30
Última atualização: 26/03/2024 21:55

Há uma analogia na qual os filhos são comparados aos pássaros, sendo criados para voar. No entanto, em Sapiranga, são as mães que alçam novos voos e, além de se lançarem no desafio diário da maternidade, também estão se permitindo desbravar o desconhecido e aprender algo para si próprias, tendo a satisfação de ver o mundo nas alturas.

Foi depois dos quatro filhos passarem para a fase adulta e se tornar avó que a empresária Fabiane Dutra, 45, teve a vontade de voar, literalmente, em direção a um novo desafio. Incentivada pelo marido que já saltava de parapente, Fabiane queria fazer algo diferente das tarefas habituais do dia a dia e encontrou no voo livre o que buscava: um despertar.

Rejane, Tatiane e Fabiane se desafiam no paraglider Foto: Júlia Taube/GES-Especial

A história da comerciante leopoldense Ana Claudia Scherer Stuart, 39, é semelhante à de Fabiane. Ela ingressou no universo do voo por conta do esposo.

Por terem a filha ainda pequena na época, Ana adiou a vontade de se desafiar até março deste ano, quando tornou-se aluna do curso de parapente. "É um momento de superação e aprendizado. Um dos momentos mais legais que eu estou passando", relata.

Desejo antigo

Já para a costureira Tatiana Cristina Venter Ody, 34, o desejo antigo de voar, adquirido na infância, retornou quando as filhas já estavam entrando na adolescência. Ela conta que cresceu no Morro Ferrabraz - local tradicional do voo livre -, observando quem subia no topo da colina para saltar.

Com o seu pai, Tatiana fez o primeiro voo com asa delta, ainda criança, mas foi no parapente que ela se encontrou. "Casei, tive minhas filhas e depois, quando eu vim para o voo, se tornou algo meu, uma liberdade sua, que só você sente", descreve.

Tendo não só em comum a busca pela reinvenção como mulher, Fabiane, Ana Cláudia e Tatiana dividem também os conhecimentos adquiridos da instrutora de parapente, Rejane Maria Concer, 56, na Escola de Parapente Cia do Voo.

Rejane começou a voar aos 24 anos, abrindo o caminho para que outras mulheres. Ela competiu no Brasileiro da modalidade até 2000, quando sua filha nasceu. "Eu tinha 35 anos e pensei em parar de competir, mas eu não conseguia ficar em casa", conta Rejane, que decidiu tornar-se instrutora de parapente.

O trio se desafiou a tentar algo radical Foto: Júlia Taube/GES-Especial

Mães inspiradoras

Fazer algo pelo seu próprio desejo e se colocar em primeiro plano após a maternidade também serviu de exemplo para a sua própria filha, como conta Rejane. "Minhas amigas dizem que eu tenho que ter coragem para voar e realmente, precisa de coragem. Mas tanta coisa na vida exige coragem, inclusive ser mãe e viver", diz.

Tatiana virou uma espécie de super-heroína para as filhas Karina Venter Ody, 10, e Rafaela Venter Ody, 13. As meninas costumam acompanhar a mãe sempre que possível nos treinos de voo e nas competições que Tatiana participa. "Elas me acompanham em tudo. Estão sempre para cá e para lá e eu na esperança de que, talvez um dia, vão voar também", diz, revelando um desejo futuro.

Tatiane com as filhas Karina e Rafaela, além da mãe Iara, do pai José e do marido Marcelo Foto: Júlia Taube/GES-Especial

A iniciativa de Ana em se reinventar como pessoa e aprender a saltar de parapente também afastou o medo da pequena Maria Luiza Scherer Stuart, que completa 8 anos neste sábado (13). "Para ela foi uma magia me ver voando. A primeira vez que eu saltei ela chegou correndo na pista de pouso, me abraçando e dando os parabéns", relembra Ana.

Dia das mães do ar

Foi para comemorar o dia das mães que a Associação Gaúcha de Voo Livre (AGVL) promoveu uma homenagem nas alturas para Ana, Fabiane, Rejane e Tatiana, com um voo em conjunto na última terça-feira (9), no Morro Ferrabraz, em Sapiranga. As condições climáticas do dia não permitiram a decolagem, mas rosas foram distribuídas para elas, que são cinco das sete associadas da AGVL.

Justamente para chamar a atenção de outras mulheres e incentivar ao voo que a entidade tomou a iniciativa. Conforme o presidente da Federação Gaúcha de Voo Livre (FGVL), Flávio Pinheiro, o público feminino ainda é minoria dentro do voo livre. “Se tu parar para pensar, metade da população são mulheres e no voo são tão poucas. Dos 180 sócios da AGVL, temos sete mulheres”, revela.

Nos ares e nas pistas de skate

Assim como as mães do ar, a funcionária pública federal Gabriela Coelho, 50, desbravou as pistas de patinação e de skate. Ela aprendeu a andar sobre as rodinhas levando as filhas para aulas das modalidades. O skate foi o mais recente e para ela foi uma realização pessoal. “Foi muito libertador para perder o medo que eu tinha do skate, até porque era uma atividade que eu dividia com a minha filha”, relata.

Espaço próprio para aliviar sobrecarga

Se reconhecer de outras formas além de ser mãe como as personagens que retratamos fizeram, é muito importante, como explica a coordenadora do curso de Psicologia da Universidade Feevale, Cláudia Teixeira Goulart. Para ela, as mulheres, em sua maioria, acabam vivendo o período da maternidade de uma forma tão intensa, que acabam se afastando de outras aspectos de sua vida.

Para a psicóloga, a dedicação integral que as mulheres geralmente têm à maternidade acaba por ser uma uma pressão imposta socialmente, gerando uma sobrecarga. "É importante que essas mulheres tenham esses espaços delas, para garantir que elas possam se encontrar com coisas que são significativas para elas e tirem essa sobrecarga", afirma Cláudia.

Fabiane com seu parapente Foto: Júlia Taube/GES ESPECIAL

Criando memórias

Por Júlia Taube

Inspiração. Essa pode ser a palavra que define as mães desta reportagem que se autoprovocaram e se permitiram viver algo pela primeira vez novamente. Inspiração também é o que minha mãe, Clarice Caciani Taube, 46, representa para mim. Ela sempre foi a incentivadora para que eu e minha irmã, Laura, 15, vivêssemos desafios.

A Laura é atleta de ginástica artística e eu já pratiquei a modalidade quando criança. Mas a aventura da minha mãe começou aos 44 anos, quando a convidei para fazer aulas de ginástica artística para adultos. A felicidade estampada no rosto e a comemoração com palmas a cada exercício executado deixava evidente a felicidade de se permitir viver uma nova experiência. E os olhares orgulhosos meu e de minha irmã também transpareciam a alegria de ver ela vivendo.

As mães tendem a proporcionar experiência para seus filhos, seja os colocando em aula de balé, dança, indo ao cinema ou em um passeio de bicicleta. Nesse caso, fui eu quem a levou para novas vivências, podendo criar memórias divertidas e diferentes.

Ela sempre nos disse que o medo não poderia nos paralisar e que a vida é feita de momentos. O medo do incerto, de aprender exercícios que sequer passaram pela cabeça um dia realizar, de fazer algo pelo seu próprio prazer não a fez parar, pelo contrário, a motivou. O bônus disso tudo quem ganhou fui eu, inspirada por ela a me permitir.


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