ALERTA
Região contabiliza mais de 3 mil casos de estelionato em 10 meses
Idosos e pessoas desatentas ao uso das tecnologias estão entre os principais alvos dos golpistas, alerta a Polícia
Última atualização: 27/11/2023 07:27
“É algo que todos os dias eu tento esquecer. Uma vergonha que carrego há meses comigo”. O relato é de um homem de 66 anos, morador de São Leopoldo, e que em junho passado caiu no chamado golpe do bilhete premiado.
“Eu já tinha ouvido falar deste golpe, mas é inacreditável a maneira como eles (os golpistas) seduzem a pessoa. Acabei caindo sem desconfiar de nada. Quando me dei conta, era tarde demais”, lamenta ele, que perdeu cerca de R$15 mil que tinha na conta bancária. Depois do episódio, a vítima diz ter conseguido dormir somente com medicação. “Bate o constrangimento, a repreensão da família, a falta do dinheiro que não vai ser recuperado”, desabafa.
Casos de estelionato como o sofrido pelo leopoldense são comuns na região. De janeiro a outubro de 2023 foram mais de três mil ocorrências registradas nas cinco cidades de cobertura do Jornal VS: São Leopoldo, Sapucaia do Sul, Esteio, Capela de Santana e Portão. Em 10 meses, foram 3.170 registros na região. No mesmo período do ano passado haviam sido 3.138 casos. Já o ano inteiro de 2022, de janeiro a dezembro, contabilizou 4.202 ocorrências. Os dados são da Secretaria da Segurança Pública do Estado (SSP/RS).
Titular da 1ª Delegacia de Polícia de São Leopoldo, a delegada Cibelle Savi, conta que o golpe do bilhete premiado é um dos mais comuns. Além dele, há, pelo menos, outros cinco em constante atuação no Vale do Sinos: o do pix, o do intermediário, o da falsa compra no cartão de crédito, do falso link e o dos nudes.
Conforme Cibelle, a maioria desses golpes é praticada pelas redes sociais ou sites falsos, envolvendo transações bancárias. Por isso, para que a investigação consiga chegar até os suspeitos, a Polícia necessita essencialmente do domínio utilizado pela vítima na realização da compra, valores perdidos e chaves pix ou contas para onde as quantias foram enviadas, para rastreá-las.
“Quanto maior a quantidade de detalhes bancários, melhor. No caso do golpe do bilhete, mais peculiar e bastante recorrente na nossa região, é de suma importância a busca por câmeras de monitoramento nas imediações do fato, permitindo assim buscarmos qualificar os autores. Quando ocorre transferência de valores, e não apenas o saque, que é mais usual, todos os dados das transações e agência onde ocorreram também são importantes para a Polícia. Neste sentido, quanto mais rápido o registro da ocorrência, maiores as chances de obtenção das imagens, que não ficam armazenadas por muito tempo”, destaca a delegada.
“Também tem valia a juntada de “prints” de mensagens trocadas, dados do número de telefone utilizado na prática do golpe, e cópia do boleto bancário falso porventura pago. Quando há contato presencial, como no golpe do bilhete, se atentar e citar as características físicas dos indivíduos participantes”, completa Cibelle. A delegada frisa um
requisito processual penal importante e que é pré-requisito para atuação da Polícia Civil: a representação. “Assim se chama a autorização que a vítima dá para que investiguemos o fato. Desse modo, ao registar a ocorrência, a vítima precisa informar que deseja representar criminalmente. Essa condição é questionada pelos policiais quando do registro da ocorrência, e na Delegacia Online também há esse campo para que a vítima responda. Quando se tratar de vítimas maiores de 70 anos, pessoa incapaz ou com deficiência mental, crianças, adolescentes ou entes da Administração Pública, esse requisito é dispensável”, ensina.
Perfil das vítimas e como se proteger
Segundo a delegada, em geral, a vítima de estelionato é a pessoa que busca algum tipo de vantagem expressiva decorrente de um negócio que lhe soa muito atrativo. “Idosos ou pessoas com pouca atenção no uso das tecnologias também são mais suscetíveis de sofrerem golpes”, pontua.
Para se proteger das armadilhas dos criminosos, a delegada resume: “A dica mais importante é: desconfie”. “Pessoas que aleatoriamente interpelem você na rua pedindo ajuda/informação, porque têm um prêmio para receber, ou porque possuem um bilhete premiado e não sabem como trocar, mostrando a você este bilhete, indique a agência bancária mais próxima dela e não se deixe seduzir pela oferta”, diz.
“Quando houver familiar ou amigo pedindo às pressas dinheiro emprestado por pix ou transferência, tente contato por outros canais antes de efetivar a transação. Ao receber mensagens de compra indevida ou transação bancária, procure primeiramente contato com sua agência bancária ou bloqueie temporariamente seu cartão até poder esclarecer de forma adequada o fato”, ensina.
“Itens à venda com valor inferior aos de mercado na internet e prêmios muito atrativos merecem nossa atenção. Tente contato com outros canais antes de clicar em qualquer link ou preencher dados pessoais, e evite mandar fotos de documentos pessoais sem ter certeza de quem fala com você”, destaca.
Pena pode chegar a mais de 8 anos de reclusão
O crime de estelionato tem pena de até cinco anos de reclusão. Nos casos de golpes pela internet, contudo, essa pena pode alcançar oito anos, podendo ser aumentada em 1/3 nos casos de vítimas idosas ou vulneráveis.
“Mas vale citar que alguns indivíduos foram presos neste ano, não apenas pela 1ª Delegacia de São Leopoldo, órgão do qual sou titular, mas também pelas demais delegacias do Vale dos Sinos. Em alguns casos, restaram presos por outros delitos, como receptação, por exemplo, e foi verificado que continham antecedentes por estelionato”, conta Cibelle.
Vítimas encontram dificuldade em reaver valores
De acordo com a delegada, reaver os valores perdidos pelas vítimas é difícil pois, em geral, os criminosos abrem as contas e logo em seguida do recebimento da vantagem as encerram. “Uma vez identificados os criminosos pela Polícia Civil, as vítimas podem buscar junto ao Poder Judiciário que sejam condenados ao seu ressarcimento. Nos casos em que a agência bancária tem seu sistema de segurança ineficaz na detecção do golpe, a obtenção de ressarcimento deve ser pleiteada na via cível, já que a investigação se presta a esse fim”, diz.
Principais golpes aplicados na região*
Golpe do pix/transferência: nele o criminoso alega ser um amigo ou familiar da vítima e lhe pede um pix/transferência para pagar determinada conta ou reparo de veículo ou telefone seu;
Golpe do intermediário: onde o criminoso adentra como um terceiro em uma negociação, geralmente de veículo, e faz a ponte entre as partes utilizando a oferta da vítima 01, modifica as suas condições/preço para vender à vítima 02, recebendo o pagamento que seria de direito do real proprietário da coisa (vítima 01), que entrega o bem à vítima 02 e fica sem o dinheiro e sem o seu bem;
Golpe do Bilhete premiado: nele dois ou três falsários participam de uma encenação onde uma das partes tem um bilhete premiado de loteria e quer repassá-lo à vítima, fazendo que ela pague por ele quantia inferior ao valor do prêmio (que não existe);
Golpe da falsa compra no cartão de crédito: onde a vítima recebe uma SMS avisando sobre a realização de uma determinada compra no cartão, geralmente em valor expressivo. Junto da mensagem vem o aviso “se não foi você quem fez essa compra, clique aqui para contestar ou ligue para determinado nº que eles informam”. Acessando os canais dos golpistas, a vítima segue um passo a passo para supostamente cancelar a compra e tem seu cartão clonado, e vários saques/comprais virtuais realizadas indevidamente;
Golpe do falso link/boleto: nele a vítima recebe um link de prêmio falso onde, ao clicar, tem sua rede social hackeada e através dela diversos golpes são praticados. No caso do boleto, a vítima tem contrato com algum prestador de serviço ou efetua uma compra pela internet com pagamento via boleto e recebe um documento falso para pagamento, que direciona os valores a um criminoso;
Golpe dos nudes: nele, a vítima inicia uma conversa com uma pessoa (geralmente do sexo feminino) através das redes sociais. O perfil utilizado é falso. À medida que a conversa ganha intimidade, a vítima é chamada por whatsapp (quando já teve troca de telefone entre as partes) e se iniciam chantagens envolvendo pagamento de valores para as conversas e fotos eventualmente trocadas não serem divulgadas, ou porque “a dona” do perfil falso se trata de menor de idade, e para não haver denúncia por crime sexual contra vulnerável, a vítima precisa pagar determinada quantia em dinheiro.
Fonte: Polícia Civil