O ciclone extratropical da semana passada colocou em xeque a capacidade do Rio Grande do Sul para encarar fenômenos climáticos extremos. As chuvas que atingiram o Estado entre quarta e sexta-feira deixaram milhares de pessoas desabrigadas e desalojadas, além de 17 mortos – o caso mais recente foi registrado na quinta-feira (22), em Novo Hamburgo.
Mesmo alertados pelo Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) e Defesa Civil Nacional, as medidas preventivas não foram suficientes para evitar as tragédias pessoais e sociais. Agora, o governo estadual calcula a necessidade de buscar R$ 91,6 milhões no governo federal para recuperar os prejuízos.
Estael Sias, meteorologista da MetSul, aponta para a falta de treinamento da população pelo poder público e a necessidade de responsabilização dos governos para evitar que eventos como este, já estavam previstos, tenham impacto reduzido. Desde terça-feira a MetSul, responsável pela previsão do tempo no Grupo Sinos, alertava para chuva acima de 300 milímetros, inundações repentinas, alagamentos, cheias de rios e deslizamentos de terra, além de ventos de até 100 km/h.
“De nada adianta ter a melhor previsão do tempo, melhor índice de acerto, se ela não gera uma ação preventiva, de proteção”, avalia Estael, que teve a experiência de sete anos trabalhando na Defesa Civil de São Paulo, um Estado que tem preparação diferenciada para encarar desastres naturais.
Avisos curtos
Como São Paulo tem uma estação seca e outra chuvosa, Estael diz que os preparativos para os momentos de crise são frequentes. “Na estação seca a Defesa Civil viaja todo Estado fazendo palestras, treinamentos, a comunidade sabe como tem que reagir a um alerta, a população sabe como interpretar um boletim meteorológico.”
No episódio da semana passada no Rio Grande do Sul, o Cemaden diz ter comunicado a Defesa Civil Nacional sobre os riscos. Coordenador-geral de Operação e Modelagem do Cemaden, o meteorologista Marcelo Seluchi diz que um dia antes os modelos já alertavam. “A previsão de riscos para o dia 15 já apontava risco hidrológico alto e para o dia 16 apontava entre alto e muito alto para hidrológico e geológico”, explica Seluchi.
Da mesma forma, o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) garante ter emitido avisos e realizado reuniões com a Defesa Civil do Estado. “A primeira reunião foi na manhã do dia 14 de junho (quarta). Nesse dia começaram a ser enviados os avisos meteorológicos do Inmet (portal, redes sociais, incluindo YouTube e pelo aplicativo do Inmet) e também por SMS pela Defesa Civil do RS”, afirma o Instituto.
Porém, como explica Seluchi, os órgãos federais fazem apenas o comunicado, mas as ações dependem das autoridades locais. “A gestão do risco cabe aos Estados e municípios. Tem alguns aqui no Sudeste que possuem sirenes ou algum tipo de alerta”, afirma o coordenador.
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Alertas precisos vieram tarde demais
No Estado, o alerta da Defesa Civil surgiu no final da tarde do dia 15 (quinta): foi um comunicado de 176 caracteres publicado no site e na página do órgão no Twitter. O perfil na rede social da Defesa Civil tem 1.605 seguidores.
O órgão reconhece ter sido informado desde a quarta-feira (14) sobre as chuvas, que naquele momento alertavam para “chuva fraca a moderada no norte do Estado e elevados volumes na Serra e no Litoral Norte.” Este alerta foi, segundo a Defesa Civil estadual, enviado aos municípios.
Seluchi reconhece que os alertas mais precisos de rios que poderiam transbordar demoraram mais para serem oficializados. De acordo com ele, isso aconteceu porque a avaliação só pôde ser feita com o avanço do ciclone.
Aviso, vídeo e SMS
Questionada sobre as medidas que foram tomadas para prevenir a tragédia, a Defesa Civil disse em nota que “os sistemas de monitoramento e de alerta operaram, mas há de se levar em conta a intensidade desse evento, o maior em perdas humanas das últimas quatro décadas”.
O órgão pontuou que na quarta-feira (14), conforme o sistema foi evoluindo e ganhando intensidade, a Sala de Situação enviou um aviso hidrometeorológico à Defesa Civil Estadual, prevendo volumes elevados de chuva, bem como rajadas de vento e transtornos associados (enxurradas e deslizamento) na região nordeste e leste gaúcha, incluindo Região Metropolitana. No mesmo dia, no boletim específico repassado à Defesa Civil e transmitido aos coordenadores municipais, constava chuva fraca a moderada no norte do Estado e elevados volumes na Serra e no Litoral Norte.
Também foi destacado pelo órgão, em nota, a divulgação de um vídeo postado às 17h39 do dia 14 de junho. O vídeo dava ênfase ao risco de inundação, enxurrada e deslizamentos. O material foi publicado na página do Facebook da Sala de Situação da Secretaria Estadual do Meio Ambiente e Infraestrutura do RS (Sema/RS) e repostado pela Defesa Civil.
Já na quinta-feira (15), com a intensificação do fenômeno, “iniciou-se o envio de alertas via SMS à população”.
Mais chuva
As autoridades estaduais terão que aprender rapidamente com os erros, já que o fenômeno El Niño atuará no País e a expectativa é de mais chuvas com risco de mais inundações e cheias de rios. Estael Sias aponta dois caminhos importantes para evitar o aumento de tragédias: educação e preparo das autoridades.
Por parte do poder público ela aponta a necessidade de dar à população as ferramentas necessárias para se proteger. “A população tem que estar preparada. Em uma situação como a do ciclone, de inundação repentina, saber para onde fugir.” Ela aponta ainda para a importância de orientar a população desde a infância, para que entendam os alertas e como proceder.
Saída do cargo
Uma análise equivocada dos impactos da chuva levou o coordenador da Defesa Civil de Montenegro, Carlos Ferrão, a deixar o cargo. Na última sexta-feira (16), quando as chuvas já estavam intensificadas, ele afirmou em vídeo que a enchente seria “uma pequena lâmina d’água.” Depois que moradores da cidade ficaram desabrigados e desalojados, Ferrão veio a público nesta semana pedir desculpas e deixou o cargo.
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