CRIMINALIDADE
Puxados por golpes virtuais, 17 mil estelionatos foram registrados na região em 2022
Modalidade de crime teve crescimento considerável na pandemia
Última atualização: 23/01/2024 10:51
O distanciamento social, necessário por conta da pandemia de coronavírus, fez com que, a partir de 2020, mais gente usasse com frequência a Internet. Mas não foram apenas os usuários da rede que aumentaram, os criminosos digitais também.
Golpistas viram uma oportunidade de aplicar golpes e capitanear vítimas. O resultado é que número de estelionatos cresceu consideravelmente de 2019 para cá, situação que não é exclusiva do Rio Grande do Sul, mas foi observada em todo o Brasil.
A lista de golpes envolveu a Copa do Mundo, ingressos falsos, descontos que não existiam, “valores a receber” do Banco Central, regularização do CPF, título de eleitor cancelado, falso sequestro, romances mentirosos e dívidas envolvendo familiares, entre tantos outros.
No Panorama de Ameaças da Kaspersky de 2022 - um dos programas antivírus mais utilizados no mundo - de janeiro a agosto foi verificado a cada minuto 2.366 ataques de malware e 110 mensagens fraudulentas na América Latina, sendo 1,5 mil no Brasil.
Em 43 municípios da cobertura do Grupo Sinos, foram quase 17 mil estelionatos registrados na Polícia no ano passado, índice 3,20% superior a 2021. Ocorre que em 2020, primeiro ano da pandemia, foram 12.797 registros deste tipo de crime, enquanto que em 2019, houve 5.432. Em quatro anos, o crescimento foi de 212,1%. No Estado, o índice cresceu 216%.
Os dados são dos indicadores de criminalidade, divulgados pela Secretaria Estadual de Segurança Pública (SSP). Embora cause prejuízo no bolso e provoque transtorno na vida de muita gente, o estelionato não entra na lista de crimes graves, pois não atenta contra a vida.
Em 28 cidades da região, houve crescimento de vítimas de estelionato de 2021 para 2022. Canoas teve 4.278 casos levados à Polícia no ano passado, Novo Hamburgo 1.895 e São Leopoldo, 1.830. Enquanto São Leopoldo teve queda de 13,9% entre 2021 e 2022, Novo Hamburgo e Canoas tiveram alta de 7%.Outro fato que chama atenção é o crescimento de golpes em municípios menores. Em Tupandi os golpes aumentaram 850% entre 2019 e 2022 e, em Vale Real, também no Vale do Caí, 800%. Rolante, que teve 22 ocorrências em 2019, registrou 201 no ano passado, um acréscimo de 813%.
Já em Santa Maria do Herval, com 6,5 mil habitantes, neste período a variação chegou a 1.700%, em 2019 havia registro de apenas um caso, e no ano passado foram 18. No Estado, em 2022 tiveram 91.308 ocorrências de estelionato. Em 2019, era inferior a 29 mil.
Vítima aconselha ir à DP
Natural de Porto Alegre, o professor Tiago Machado Oliveira, 38 anos, buscou os serviços de uma construtora pelas redes sociais para construir uma casa para a sogra em Águas Claras, Viamão. Ele não sabia, mas se tornaria mais uma vítima de estelionato.
Foi por meio de anúncio virtual que Oliveira iniciou as negociações para a execução do projeto. O suposto empresário, na verdade, era um golpista que sumiu com os R$ 8,5 mil depositados pelo professor para dar início à obra. O falso empresário passou a “enrolar” Oliveira.
“Quando informei que queria rescindir o contrato, ele disse que o dinheiro estava com a empresa fornecedora e que em 15 dias faria o estorno”, o que nunca foi realizado.
O professor diz que checou o CNPJ da empresa antes de fechar o negócio. “Mas eu aconselho agora a pessoa a procurar uma delegacia e pesquisar a ficha da pessoa que, no meu caso, tinha vários crimes, enquanto o CNPJ estava limpo”, conta.
Golpes atrás de dinheiro
Como o endereço do golpista da construção civil era do bairro Canudos, a investigação foi realizada pela 3ª Delegacia de Polícia Civil de Novo Hamburgo. Conforme o delegado Alexandre Quintão, o inquérito já foi concluído e enviado ao Foro. O suspeito foi indiciado por estelionato, sendo que tem outras cinco ocorrências, quatro de 2022.
Quintão lembra que em 2020 os golpes tiveram crescimento acentuado também envolvendo o auxílio emergencial. “Os bandidos conseguiram dados que eram comercializados. ”Conforme Quintão, é comum detentos estarem atrás desses crimes virtuais, uma vez que têm em suas mãos aparelhos de celular com acesso à Internet.
Os golpes mais aplicados têm sido da clonagem do WhatsApp, em que o estelionatário troca mensagens com pessoas mais próximas da vítima, pedindo dinheiro. “Neste sites, onde vendem os dados, eles conseguem informações sobre os pais e os filhos da vítima”, alerta o delegado. Os depósitos são feitos via Pix, em horário de funcionamento das agências bancárias, onde o saque é efetuado rapidamente ou o recurso é usado para pagamento de boletos. “É muito difícil reaver esse dinheiro”, diz Quintão.
Na lista de golpes mais praticados ainda estão o de nudes, com perfis falsos, e o sequestro de conta do Instagram. “A pessoa clica em algum flyer e automaticamente instala um programa que altera a senha”, alerta.
Impunidade aos golpistas
Embora a Polícia investigue e identifique os golpistas, a sensação de impunidade é uma realidade presente tanto em quem apura os fatos como para quem é lesado. “As pessoas não são presas. A pena é muito baixa e como não tem violência física, a Justiça acaba soltando”, resume o delegado.
Ele cita como exemplo o caso da jovem de São Paulo, Alicia Müller, que desviou quase R$ 1 milhão que seria utilizado na festa de formatura de alunos da faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP). “Infelizmente isso acontece. É um crime que acontece muito e que se deveria dar mais prioridade”, avalia Quintão. Conforme o delegado, enquanto as vítimas ficam no prejuízo, os golpistas acabam aumentando seu patrimônio, com carro e casas adquirido com o dinheiro dos outros. “Para nós é como enxugar gelo”, lamenta.
Melhorar estrutura para investigar
Na avaliação do professor de Direito da Universidade Feevale Daniel Kessler de Oliveira, o principal entrave para a punição aos golpistas é que a estrutura policial e judiciária não dá conta de combater o crime. “A nossa polícia tem condições e inteligência suficiente, mas não dispõe de pessoal e estrutura para atender a demanda enorme de casos de estelionato que ocorrem diariamente”, pontua.
“A impunidade já parte quando você chega, encontra seu carro arrombado e não registra a ocorrência porque sabe que a polícia não terá pernas para correr atrás”, comenta. Oliveira pontua que os golpes virtuais, que tiveram o maior volume de crescimento a partir da pandemia, exigem uma investigação mais complexa, principalmente, quando são realizados em servidores localizados fora do Brasil.
“Outro ponto é que muitas vezes a pessoa tem vergonha de denunciar, pois se sente constrangida de ter caído num golpe. É o hábito de culpar a vítima em vez de punir o criminoso”, destaca.
O professor lembra da alteração da lei em 2021, com maior punição às fraudes eletrônicas. “Mas o aumento da pena por si só não vai servir para coibir e inibir este crime. É preciso mais estrutura”, defende.
Para Oliveira, desconfiar nunca é demais toda a vez que surge um contato desconhecido. “Tem que confirmar a identidade e se assegurar da procedência. Se eu quero falar com o banco, por exemplo, busque o contato oficial, nunca um que tenha sido enviado por terceiro”, sugere.
O que diz a lei
É o artigo 171 do Código Penal que define o crime de estelionato como obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento. A pena é de reclusão, de um a cinco anos, e multa. Se o criminoso é primário, e é de pequeno valor o prejuízo, o juiz pode aplicar outra pena.
Inclusive, por conta do crescimento deste tipo de delito na esfera digital, a lei 14.155, de 2021 alterou o Código Penal, criando a figura da fraude eletrônica, uma forma qualificada do crime de estelionato, e por isso recebe pena mais severa.
A fraude eletrônica é caracterizada quando o criminoso consegue enganar alguém, por meio de redes sociais, contatos telefônicos, correio eletrônico falso ou qualquer outro para conseguir dados confidenciais, como senhas ou número de cartão de crédito ou débito.
Enquanto no estelionato comum a pena pode chegar a cinco anos de prisão, na fraude eletrônica, vai de quatro a oito anos e pode ser aumentada em até dois terços, caso o crime seja cometido com uso de servidor que esteja fora do Brasil. A pena ainda pode ser aumentar em até um terço se o crime praticado for contra entidade pública, instituto de economia popular ou assistência social.
O distanciamento social, necessário por conta da pandemia de coronavírus, fez com que, a partir de 2020, mais gente usasse com frequência a Internet. Mas não foram apenas os usuários da rede que aumentaram, os criminosos digitais também.
Golpistas viram uma oportunidade de aplicar golpes e capitanear vítimas. O resultado é que número de estelionatos cresceu consideravelmente de 2019 para cá, situação que não é exclusiva do Rio Grande do Sul, mas foi observada em todo o Brasil.
A lista de golpes envolveu a Copa do Mundo, ingressos falsos, descontos que não existiam, “valores a receber” do Banco Central, regularização do CPF, título de eleitor cancelado, falso sequestro, romances mentirosos e dívidas envolvendo familiares, entre tantos outros.
No Panorama de Ameaças da Kaspersky de 2022 - um dos programas antivírus mais utilizados no mundo - de janeiro a agosto foi verificado a cada minuto 2.366 ataques de malware e 110 mensagens fraudulentas na América Latina, sendo 1,5 mil no Brasil.
Em 43 municípios da cobertura do Grupo Sinos, foram quase 17 mil estelionatos registrados na Polícia no ano passado, índice 3,20% superior a 2021. Ocorre que em 2020, primeiro ano da pandemia, foram 12.797 registros deste tipo de crime, enquanto que em 2019, houve 5.432. Em quatro anos, o crescimento foi de 212,1%. No Estado, o índice cresceu 216%.
Os dados são dos indicadores de criminalidade, divulgados pela Secretaria Estadual de Segurança Pública (SSP). Embora cause prejuízo no bolso e provoque transtorno na vida de muita gente, o estelionato não entra na lista de crimes graves, pois não atenta contra a vida.
Em 28 cidades da região, houve crescimento de vítimas de estelionato de 2021 para 2022. Canoas teve 4.278 casos levados à Polícia no ano passado, Novo Hamburgo 1.895 e São Leopoldo, 1.830. Enquanto São Leopoldo teve queda de 13,9% entre 2021 e 2022, Novo Hamburgo e Canoas tiveram alta de 7%.Outro fato que chama atenção é o crescimento de golpes em municípios menores. Em Tupandi os golpes aumentaram 850% entre 2019 e 2022 e, em Vale Real, também no Vale do Caí, 800%. Rolante, que teve 22 ocorrências em 2019, registrou 201 no ano passado, um acréscimo de 813%.
Já em Santa Maria do Herval, com 6,5 mil habitantes, neste período a variação chegou a 1.700%, em 2019 havia registro de apenas um caso, e no ano passado foram 18. No Estado, em 2022 tiveram 91.308 ocorrências de estelionato. Em 2019, era inferior a 29 mil.
Vítima aconselha ir à DP
Natural de Porto Alegre, o professor Tiago Machado Oliveira, 38 anos, buscou os serviços de uma construtora pelas redes sociais para construir uma casa para a sogra em Águas Claras, Viamão. Ele não sabia, mas se tornaria mais uma vítima de estelionato.
Foi por meio de anúncio virtual que Oliveira iniciou as negociações para a execução do projeto. O suposto empresário, na verdade, era um golpista que sumiu com os R$ 8,5 mil depositados pelo professor para dar início à obra. O falso empresário passou a “enrolar” Oliveira.
“Quando informei que queria rescindir o contrato, ele disse que o dinheiro estava com a empresa fornecedora e que em 15 dias faria o estorno”, o que nunca foi realizado.
O professor diz que checou o CNPJ da empresa antes de fechar o negócio. “Mas eu aconselho agora a pessoa a procurar uma delegacia e pesquisar a ficha da pessoa que, no meu caso, tinha vários crimes, enquanto o CNPJ estava limpo”, conta.
Golpes atrás de dinheiro
Como o endereço do golpista da construção civil era do bairro Canudos, a investigação foi realizada pela 3ª Delegacia de Polícia Civil de Novo Hamburgo. Conforme o delegado Alexandre Quintão, o inquérito já foi concluído e enviado ao Foro. O suspeito foi indiciado por estelionato, sendo que tem outras cinco ocorrências, quatro de 2022.
Quintão lembra que em 2020 os golpes tiveram crescimento acentuado também envolvendo o auxílio emergencial. “Os bandidos conseguiram dados que eram comercializados. ”Conforme Quintão, é comum detentos estarem atrás desses crimes virtuais, uma vez que têm em suas mãos aparelhos de celular com acesso à Internet.
Os golpes mais aplicados têm sido da clonagem do WhatsApp, em que o estelionatário troca mensagens com pessoas mais próximas da vítima, pedindo dinheiro. “Neste sites, onde vendem os dados, eles conseguem informações sobre os pais e os filhos da vítima”, alerta o delegado. Os depósitos são feitos via Pix, em horário de funcionamento das agências bancárias, onde o saque é efetuado rapidamente ou o recurso é usado para pagamento de boletos. “É muito difícil reaver esse dinheiro”, diz Quintão.
Na lista de golpes mais praticados ainda estão o de nudes, com perfis falsos, e o sequestro de conta do Instagram. “A pessoa clica em algum flyer e automaticamente instala um programa que altera a senha”, alerta.
Impunidade aos golpistas
Embora a Polícia investigue e identifique os golpistas, a sensação de impunidade é uma realidade presente tanto em quem apura os fatos como para quem é lesado. “As pessoas não são presas. A pena é muito baixa e como não tem violência física, a Justiça acaba soltando”, resume o delegado.
Ele cita como exemplo o caso da jovem de São Paulo, Alicia Müller, que desviou quase R$ 1 milhão que seria utilizado na festa de formatura de alunos da faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP). “Infelizmente isso acontece. É um crime que acontece muito e que se deveria dar mais prioridade”, avalia Quintão. Conforme o delegado, enquanto as vítimas ficam no prejuízo, os golpistas acabam aumentando seu patrimônio, com carro e casas adquirido com o dinheiro dos outros. “Para nós é como enxugar gelo”, lamenta.
Melhorar estrutura para investigar
Na avaliação do professor de Direito da Universidade Feevale Daniel Kessler de Oliveira, o principal entrave para a punição aos golpistas é que a estrutura policial e judiciária não dá conta de combater o crime. “A nossa polícia tem condições e inteligência suficiente, mas não dispõe de pessoal e estrutura para atender a demanda enorme de casos de estelionato que ocorrem diariamente”, pontua.
“A impunidade já parte quando você chega, encontra seu carro arrombado e não registra a ocorrência porque sabe que a polícia não terá pernas para correr atrás”, comenta. Oliveira pontua que os golpes virtuais, que tiveram o maior volume de crescimento a partir da pandemia, exigem uma investigação mais complexa, principalmente, quando são realizados em servidores localizados fora do Brasil.
“Outro ponto é que muitas vezes a pessoa tem vergonha de denunciar, pois se sente constrangida de ter caído num golpe. É o hábito de culpar a vítima em vez de punir o criminoso”, destaca.
O professor lembra da alteração da lei em 2021, com maior punição às fraudes eletrônicas. “Mas o aumento da pena por si só não vai servir para coibir e inibir este crime. É preciso mais estrutura”, defende.
Para Oliveira, desconfiar nunca é demais toda a vez que surge um contato desconhecido. “Tem que confirmar a identidade e se assegurar da procedência. Se eu quero falar com o banco, por exemplo, busque o contato oficial, nunca um que tenha sido enviado por terceiro”, sugere.
O que diz a lei
É o artigo 171 do Código Penal que define o crime de estelionato como obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento. A pena é de reclusão, de um a cinco anos, e multa. Se o criminoso é primário, e é de pequeno valor o prejuízo, o juiz pode aplicar outra pena.
Inclusive, por conta do crescimento deste tipo de delito na esfera digital, a lei 14.155, de 2021 alterou o Código Penal, criando a figura da fraude eletrônica, uma forma qualificada do crime de estelionato, e por isso recebe pena mais severa.
A fraude eletrônica é caracterizada quando o criminoso consegue enganar alguém, por meio de redes sociais, contatos telefônicos, correio eletrônico falso ou qualquer outro para conseguir dados confidenciais, como senhas ou número de cartão de crédito ou débito.
Enquanto no estelionato comum a pena pode chegar a cinco anos de prisão, na fraude eletrônica, vai de quatro a oito anos e pode ser aumentada em até dois terços, caso o crime seja cometido com uso de servidor que esteja fora do Brasil. A pena ainda pode ser aumentar em até um terço se o crime praticado for contra entidade pública, instituto de economia popular ou assistência social.
Golpistas viram uma oportunidade de aplicar golpes e capitanear vítimas. O resultado é que número de estelionatos cresceu consideravelmente de 2019 para cá, situação que não é exclusiva do Rio Grande do Sul, mas foi observada em todo o Brasil.