RIO GRANDE DO SUL

Proposta de dragagem de hidrovias divide posições; entenda

Setor empresarial demonstra apoio total a proposta, enquanto ambientalistas olham para tema com desconfiança

Publicado em: 13/12/2024 21:21
Última atualização: 13/12/2024 21:21

Estudos de batimetria e dragagem para garantir navegação e plena atividade dos portos gaúchos devem ser garantidos com os editais que serão publicados na próxima semana. Serão utilizados recursos provenientes do Fundo do Plano Rio Grande (Funrigs), que destina R$ 731,13 milhões para projetos de dragagem.


Coletiva sobre infraestrutura da navegação gaúcha Foto: Eduardo Amaral/GES-Especial

A forma como os investimentos serão utilizados foi detalhada durante coletiva realizada nesta sexta-feira (13) na sede da Portos RS, empresa pública responsável pela administração portuária do Estado. O encontro contou com a participação dos secretários de Logística e Transportes (Selt), Juvir Costella, e do Meio Ambiente e Infraestrutura (Sema), Marjorie Kauffmann, além do presidente da Portos RS, Cristiano Klinger.

Os recursos do Funrigs, formado pelos valores economizados com a suspensão do pagamento da dívida do Rio Grande do Sul com a União, serão utilizados apenas para resolver o problema dos sedimentos que se acumularam nas hidrovias e dos três portos gaúchos.

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Dessa forma serão dragados os portos de Porto Alegre, Rio Grande e Pelotas, e os canais de Itapuã (Lagoa dos Patos e Guaíba), Pedras Brancas, Furadinho e São Gonçalo. Além das dragagens, a licitação que terá resultado na próxima semana, também contemplam estudos de batimetria, que se trata das pesquisas para saber a profundidade dos rios.

“Só podemos ter atuação no escopo legal, três portos e canais de navegação que ligam esses portos”, explicou Klinger, presidente da Portos RS. Para outros trechos caberá a Selt elaborar novos projetos que contemplem regiões que não tem hidrovias, como o caso do Vale do Sinos e do Vale do Caí.

Dragagem polêmica

Anunciado no início de novembro, o plano do governo do Estado para realizar a dragagem nas hidrovias gaúchas foi recebido de diferentes formas entre empresários e especialistas. Através do Funrigs serão destinados R$ 731 milhões para que seja feito o trabalho de dragagem das hidrovias prejudicadas pelas enchentes de maio.

O anúncio veio um dia antes de o navio panamenho Eva Shangai encalhar entre o Guaíba e a Lagoa dos Patos. Foram três dias com a embarcação paralisada no trecho e uma operação que exigiu uma grande mobilização. Antes disso, a embarcação argentina Mount Taranaki também ficou encalhada no mesmo trecho.

Na cidade de Triunfo, a empresa Braskem assumiu a dragagem do Canal Furado, conhecido como “Furadinho”, um trecho de aproximadamente dois quilômetros no Rio Jacuí, que vinha apresentando problemas de navegabilidade desde as enchentes.

Mesmo que o uso das hidrovias no Rio Grande do Sul não seja extensivo, elas ainda são fundamentais para o escoamento da produção gaúcha, tanto agropecuária quanto industrial. Foi em razão disso que o anúncio de investimentos massivos na dragagem foi vista com bons olhos pela Federação das Indústrias do Estado do Rio Grande do Sul (Fiergs).

"Essa dragagem emergencial é mais do que necessária, porque está se vendo nos últimos dias navios encalhados, isso para o nosso Estado é uma perda enorme de competitividade", defendeu o presidente da Fiergs, Claudio Bier.

Desconfiança

Por outro lado, setores ligados à proteção ambiental veem com desconfiança a velocidade para destravar projetos de dragagem. “A única forma dos rios não assorearem na próxima chuva é não entupir tudo de novo. É replantando as florestas de encosta e as matas ciliares”, critica o diretor científico e técnico da Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan), Francisco Milanez.

Durante a coletiva de sexta-feira, a secretária da Sema, Marjorie Kauffmann, descartou que as dragagens sejam feitas de forma que desrespeitem a legislação ambiental. “Não existe dragagem sem batimetria, não serão feitas ou autorizadas sem isso, isso significa que o impacto ambiental será avaliado”, garantiu a secretária.

Professor do Instituto de Pesquisas Hidráulicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (IPH/Ufrgs), Rodrigo Paiva é menos radical e acredita que o trabalho de desassoreamento é necessário, mas sem esquecer os cuidados necessários. “Entendo ser adequada alguma dragagem para a retomada da navegação. É claro que a extensão desse trabalho deve ser avaliada com o apoio do estudo de batimetria”, afirma o pesquisador, destacando a necessidade de manter os estudos sobre a profundidade dos rios.

Mineração

Milanez também avalia o projeto específico para desassoreamento dos canais de navegação como um custo acima do que seria necessário. “Isso tem que ser feito, e até já foi feito há muitos anos e tem que fazer a manutenção. Mas para fazer essa dragagem teria que ser, no mínimo, de graça porque é uma mineração de areia. Então tem alguma coisa equivocada nisso.”

Durante o processo de dragagem, os responsáveis podem também retirar areia. Por questões legais, projetos que utilizam da dragagem como forma de melhorar a navegabilidade dos rios não podem ser explorados comercialmente.

Isso significa que a empresa vencedora da licitação não poderá vender ou utilizar a areia retirada dos rios de forma comercial. “Toda obra da dragagem a gente retira do canal de navegação e coloca a 20km do canal, dentro do corpo de água, mas distante do canal de navegação”, explicou Klinger ao detalhar o procedimento legal.

Kauffmann, contudo, deixou uma porta aberta para que o governo gaúcho permita a utilização dos minérios retirados dos rios assoreados durante as enchentes sejam utilizados comercialmente. “O uso de recurso mineral, da areia, precisa ser autorizado por um órgão federal, Mas, entendemos que seria viável se pudéssemos aliar isso (mineração), e não apenas a dragagem.”

Trabalho futuro

Paiva defende que os estudos de batimetria devem ser ampliados para além das vias navegáveis. “O estudo é feito com dois objetivos. Se o objetivo é só recuperar, se o objetivo é focado na recuperação das vias navegáveis, aí essa batimetria pode ser só sobre essas vias. E isso pode ser feito inclusive em conjunto com o serviço da dragagem. A gente acredita também que seria necessário fazer um estudo da batimetria, não só das vias navegáveis”, aponta.

Segundo o professor da Ufrgs, um estudo de batimetria seria fundamental para prevenir e entender o comportamento das cheias dos rios. “O estudo deveria ser feito em toda a extensão dos corpos hídricos e ser capaz de entender melhor as cheias e inundações desses rios, melhorar os sistemas de previsão, mapeamento de áreas de risco, inundação, etc”, conclui.

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