Neste 25 de julho, Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha, que marca a luta contra o racismo e a busca pelo reconhecimento contribuição dessas mulheres na sociedade, professoras da região falam da forma com que suas histórias estão transformando a realidade em sala de aula, mesmo que representem uma pequena parcela na docência em diferentes etapas do ensino.
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Dados apontam que a presença de docentes negras ainda é pequena. No Brasil, segundo o Ministério do Trabalho, em todas faixas de ensino, existem pouco mais 1,2 milhão de docentes. Desse montante, 916,1 mil são mulheres (337 mil homens). Porém, entre as mulheres, quando se trata de raça ou cor, as negras somam 31.313, bem abaixo das pardas (226.681) e de professoras brancas (465.273).
Desafio e reconhecimento
Em entrevistas realizadas com professoras negras, Cármen Marilei Gomes, 50 anos, Fernanda Duarte de Oliveira, 45 anos, e Fernanda Rodrigues da Silva, 28 anos, elas são unânimes em afirmar que a presença delas em ambientes da educação escolar é muito mais do que o ensinamento das disciplinas.
“Gostaria que as mulheres negras fossem ouvidas, respeitadas e convidadas a ocuparem os espaços que todas merecemos. A nossa figura, a nossa posição enquanto mulher negra ainda é colocada muito em dúvida. Por isso gostaria que fôssemos escutadas, acolhidas e respeitadas pelo caminho, pela estrada que a gente tem trilhado independente da profissão. Temos mulheres habilitadas para diferentes áreas, mas sempre somos colocadas em xeque por conta da nossa raça e do gênero. Esses dois atravessamentos não nos colocam em equidade em relação a outras mulheres”, frisa a professora Fernanda Oliveira.
Para Cármen, todas as pessoas merecem ser reconhecidas pelo seu trabalho independente da cor, “mas a gente ainda precisa relembrar a importância das mulheres negras, principalmente na educação, que é meio de transformar uma sociedade, de transformar o mundo. A mulher negra, desde que nasce, tem que lutar para sobreviver e para se manter viva. Eu consigo, enquanto professora, auxiliar os alunos a repensarem isso”, completa.
Fernanda Silva destaca que cada passo dado rompe estruturas importantes. “Essa presença feminina diferente, com cabelo black, às vezes de turbante, às vezes de trança, são outras referências para as crianças, mesmo crianças não negras. Elas podem presenciar e ver essa referência negra de outra forma, que não seja ali na subalternidade e isso é um movimento interessante. Fico muito feliz com isso”, destaca.
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Educar para respeitar e aprender com a diversidade
De seus 45 anos, a hamburguense Fernanda Duarte de Oliveirade se dedica à docência há 24 anos. De uma família, na qual os estudos sempre foram prioridade, a filha de dona Theresa a Vandir (já falecido) e a mãe de Isabella, 18 anos, e Giovanna, 16, cresceu ouvindo em sua casa que “preto precisa andar bem arrumado e estudar”. “Então a educação sempre foi um investimento, um valor da nossa família. Tanto que todo mundo estudou e eu fui me encontrando na educação”, relata.
O “conselho” citado pela pedagoga com pós graduação em História e Cultura Afro-Brasileira e que cursa pós em Educação Antirracista, anda ao seu lado. “Essa frase é a imagem que a sociedade tinha sobre nós enquanto pessoas negras, especialmente na geração da minha mãe, onde as mulheres negras todas trabalharam como empregadas domésticas. Só a partir dos filhos que essa tradição foi rompida. A educação foi um valor para todos nós e essa frase perpassa a nossa vida”, acentua.
Fernanda está atuando como assessora para Educação para as Relações Étnico Raciais da Secretaria Municipal de Educação, mas foi professora da rede municipal por 13 anos. Ela também é uma das fundadoras do Coletivo Profes Pretas que tem mais de 160 professoras no grupo e também fundou em 2020 o Oorun (que significa sol na língua ioruba da Nigéria), projeto de alfabetização para crianças negras a partir de cinco anos.
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“Sempre procurei levar temas raciais para espaços majoritariamente brancos. Esse exercício de falar sobre educação étnica-racial não é uma fala só para pessoas negras e sim, em especial, para que pessoas não negras cresçam compreendendo que também têm uma cor, que são racializadas e precisam respeitar e aprender com a diversidade. Esse também é o principal papel da docente negra, de informar como é que somos”, arremata.
Importância de ocupar espaços em todos lugares
Fernanda Rodrigues da Silva, 28 anos, é professora de educação básica há um ano na Escola de Aplicação Feevale, mas sua trajetória em sala de aula iniciou quando tinha 18. “Já dá para dizer que tenho legado na educação, pois quando ‘a mulher negra se movimenta, toda a estrutura da sociedade se movimenta com ela’, como bem disse Angela Davis [ativista antirracista e intelectual]”, salienta a pedagoga, com mestrado em Processos e Manifestações Culturais e cursando doutorado na UFRGS.
Fernanda, a primeira formada em sua família e com irmãs estudando para também serem professoras, percebe que está entre as poucas mulheres negras que dão aulas em escolas. “Até por isso sou muito convidada para espaços que não se tem. A maioria dos lugares que eu vou sempre trago uma perspectiva muito nova, muito diferente, mas é por conta dessa falta da diversidade. Por isso, gostaria de falar para as mulheres negras, que sigam ocupando esses espaços que são nossos por direito. É muito importante a gente ocupar esses espaços políticos, educacionais, espaços de liderança, de poder fazer a diferença”, completa.
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“A educação nos inclui enquanto seres sociais”
Cármen Marilei Gomes, 50 anos, é bióloga com mestrado e doutorado em neurociência. Professora nos cursos de Psicologia, Enfermagem, Fisioterapia e Pedagogia na Faculdades Integradas de Taquara (Faccat), sempre quis ser docente. “Acreditava e continuo acreditando muito que a educação é transformadora, é capaz de nos incluir ainda mais enquanto seres sociais”, relata a moradora de Canoas.
Em sua trajetória como professora para crianças, conta, vivenciou a curiosidade sobre seu cabelo e chegou a ouvir de um aluno perguntando se era o dia do cabelo maluco e também teve sua capacidade de dar aula levantada por um aluno.
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No início de sua carreira, um aluno lhe procurou ao final da aula e pediu desculpas por ter pensado que ela não conseguiria dar aula. “Perguntei o motivo. Ele sinalizou a pele. Ele falou que estava com muita vergonha. Essa informação de muitos anos atrás ainda é presente. Ao aluno branco é difícil ter que sair desse lugar cômodo de esperar que um professor ou liderança seja branco. A minha presença o faz repensar, assim como esse aluno que veio pedir desculpa. Ele repensou”, destaca.
Para a professora universitária, a educação faz as pessoas repensarem e mudarem as suas atitudes. “A minha presença traz muito isso para quem tem um preconceito maior, mas isso está mudando. Cada vez mais, alunos brancos conseguem reconhecer muito bem o trabalho dos professores negros”.
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