ESCOLA DE FRAUDE
Professor usa diplomas falsos para passar em concursos públicos nos vales do Sinos e Caí
Supervisor educacional, que já lecionou em mais de dez cidades no Estado, apresenta formação em instituição que anuncia combo de graduação, mestrado e doutorado por R$ 300
Última atualização: 01/03/2024 09:47
Um professor de 36 anos, morador de Canoas, vem passando em concursos públicos com diplomas inválidos. Jefferson Back Paiva tirou nota máxima na prova de títulos para supervisor educacional em Portão, no Vale do Sinos, e ocupa o cargo há um ano. No último dia 23, foi demitido em Salvador do Sul, no Vale do Caí, onde tinha sido classificado para lecionar espanhol. Chegou a ser preso em flagrante em 2019 por uso de documento falso na rede de ensino de Mariana Pimentel e coleciona outros desligamentos, sob acusação de fraude, em diferentes cidades do Estado. Procurado pela reportagem, ele não respondeu às perguntas e só disse uma frase: "Isso está sendo respondido judicialmente".
Por trás do esquema, há empresas que vendem cursos surreais. O Instituto Missão da Paz, de Goiás, anuncia dezenas. Destaque para o "combo de graduação, mestrado e doutorado por R$ 300,00" e título "doutor honoris causa em psicopedagogia" ao preço de R$ 200,00. A organização, que reúne a "Faculdade e Seminário de Educação Teológica" e o "Seminário de Educação Teológica Evangélico Cultural", não é credenciada pelo Ministério da Educação (MEC). Ela não se manifestou à reportagem.
Ministério Público pede explicações
Segundo o advogado Alexandre Sato, procurador da prefeitura de Portão, o processo administrativo que apura a conduta do professor está em fase de conclusão. O Ministério Público acompanha o caso. Em ofício emitido no dia 2 de março, o promotor Paulo Eduardo Vieira cobra explicações da administração municipal sobre denúncia de que "uma pessoa fraudou certificados para passar na frente dos demais concorrentes". O documento informa o nome completo do funcionário.
Designado para a supervisão da Escola Municipal Gonçalves Dias em abril do ano passado, Jefferson foi afastado em setembro, sem perder direito ao salário de R$ 5.045,61, e chamado de volta em fevereiro porque a sindicância não havia ficado pronta no prazo previsto em lei. Poucos dias depois, pediu licença, sob argumento de problemas pessoais, que vai até maio e não é remunerada.
Novas vagas em três cidades durante processo
Enquanto transcorre o processo em Portão, o professor vai conseguindo empregos em mais cidades. Ganhou dois contratos temporários da Secretaria de Educação do Estado, em setembro e dezembro do ano passado, para lecionar inglês em Alvorada e espanhol em Porto Alegre.
A última aprovação em seleção pública ocorreu em Salvador do Sul. Jefferson foi nomeado em 8 de março e tomou posse cinco dias depois. Na semana seguinte, a secretária da Educação, Tânia Haupt, recebeu denúncia anônima por telefone sobre uso de documentos falsos pelo novo servidor. No último dia 23, o prefeito Marco Aurélio Eckert assinou portaria de anulação da posse por "orientação do Departamento Jurídico".
Os concursos em Portão e Salvador do Sul foram organizados pela empresa Legalle, de Caxias do Sul. Ela não esclareceu à reportagem como fez a avaliação dos diplomas do suspeito. É a banca que, no momento, organiza concurso em São Sebastião do Caí. Jefferson teve inscrição deferida para disputa do cargo de Serviços de Atendimento Educacional Especializado.
Ele conseguiu quatro cursos superiores em quatro meses
O currículo apresentado por Jefferson é notável. O próprio MP, porém, ainda não conseguiu comprovar quais cursos são reais. A reportagem apurou que ele se formou pela Ulbra, em 2014, em Letras - Língua Portuguesa e Literatura. O principal foco das denúncias são quatro diplomas de curso superior emitidos entre julho e novembro de 2013 por "faculdades" suspeitas de Teologia.
Jefferson recebeu título de bacharel em Teologia pela Escola Filemom, de Itapemirim, no Espírito Santo, fechada em 2019. Sequer constam os nomes dos supostos reitor e diretor que assinam o diploma.
Os outros três certificados recebidos nos quatro meses são de Licenciatura Plena em Ciências da Religião, Mestrado em Ciências da Religião e Doutorado em Ciências da Religião, todos emitidos pelo Instituto Missão da Paz, de Catalão, Goiás. Os excêntricos diplomas têm erro básico de acentuação.
O professor ostenta ainda no currículo especialização em Metodologia do Ensino de Língua Portuguesa e Literatura; Administração Escolar, Supervisão e Orientação educacional, além de novas licenciaturas, como Língua Espanhola, Língua Inglesa e Pedagogia. Outros cursos são de Musicoterapia; Neuropsicopedagogia Clínica, Institucional e Hospitalar; Psicanálise; Psicomotricidade e Psicopedagogia Institucional, Clínica e Educação Infantil.
Prisão e demissões
No dia 3 de março de 2019, houve prisão em flagrante, segundo denúncia da prefeitura de Mariana Pimentel, por apresentar certificado falso de Língua Inglesa para contrato temporário. Era outro diploma do Instituto Missão da Paz. Jefferson, que já atuava na rede municipal como professor concursado de Ensino Religioso, foi demitido.
Três meses depois, ele foi desclassificado pelo mesmo motivo em processo seletivo de Esteio. Ele já tinha sido desligado da educação municipal de Três Coroas em 2015. Apesar dos vários casos, em nenhum foi solicitada perícia nos documentos para confirmar falsificação.
Nas redes sociais, Jefferson menciona outras cidades onde já deu aula - Picada Café, Pareci Novo, Triunfo, Fazenda Vila Nova, São Pedro da Serra, Tabaí, Riozinho.
Com currículo exótico, diretor da "faculdade" recebia bolsa família
O diretor do Instituto Missão da Paz, que se identifica como pastor Washington Luiz Albernaz de Sousa Santos, é quem assina os diplomas mais suspeitos. Ele não respondeu às mensagens da reportagem. Entre abril e dezembro de 2020, recebeu total de R$ 3.776,00 em bolsa família do governo.
Washington não fica atrás do aluno Jefferson em termos de currículo. No catedrático histórico acadêmico, há títulos como "pós-doutor em Ciências Sociais Aplicadas; doutor em Direito por Harvard (Estados Unidos); bacharel em Administração de Empresas; bacharel em Teologia; especialista em Jornalismo; especialista em Gestão de Segurança Pública".
A vida profissional é ecleticamente fantasiosa. A principal ocupação, conforme apresentação nas redes sociais, é como "corretor de imóveis". As outras são "pastor presidente do Conselho Ministros e Teólogos do Brasil; psicanalista Clínico na empresa Conselho Brasileiro de Psicanálise; perito judicial na empresa Conselho Federal de Peritos Judiciais; tenente-coronel capelão militar; escrivão de Polícia".
Um professor de 36 anos, morador de Canoas, vem passando em concursos públicos com diplomas inválidos. Jefferson Back Paiva tirou nota máxima na prova de títulos para supervisor educacional em Portão, no Vale do Sinos, e ocupa o cargo há um ano. No último dia 23, foi demitido em Salvador do Sul, no Vale do Caí, onde tinha sido classificado para lecionar espanhol. Chegou a ser preso em flagrante em 2019 por uso de documento falso na rede de ensino de Mariana Pimentel e coleciona outros desligamentos, sob acusação de fraude, em diferentes cidades do Estado. Procurado pela reportagem, ele não respondeu às perguntas e só disse uma frase: "Isso está sendo respondido judicialmente".
Por trás do esquema, há empresas que vendem cursos surreais. O Instituto Missão da Paz, de Goiás, anuncia dezenas. Destaque para o "combo de graduação, mestrado e doutorado por R$ 300,00" e título "doutor honoris causa em psicopedagogia" ao preço de R$ 200,00. A organização, que reúne a "Faculdade e Seminário de Educação Teológica" e o "Seminário de Educação Teológica Evangélico Cultural", não é credenciada pelo Ministério da Educação (MEC). Ela não se manifestou à reportagem.
Ministério Público pede explicações
Segundo o advogado Alexandre Sato, procurador da prefeitura de Portão, o processo administrativo que apura a conduta do professor está em fase de conclusão. O Ministério Público acompanha o caso. Em ofício emitido no dia 2 de março, o promotor Paulo Eduardo Vieira cobra explicações da administração municipal sobre denúncia de que "uma pessoa fraudou certificados para passar na frente dos demais concorrentes". O documento informa o nome completo do funcionário.
Designado para a supervisão da Escola Municipal Gonçalves Dias em abril do ano passado, Jefferson foi afastado em setembro, sem perder direito ao salário de R$ 5.045,61, e chamado de volta em fevereiro porque a sindicância não havia ficado pronta no prazo previsto em lei. Poucos dias depois, pediu licença, sob argumento de problemas pessoais, que vai até maio e não é remunerada.
Novas vagas em três cidades durante processo
Enquanto transcorre o processo em Portão, o professor vai conseguindo empregos em mais cidades. Ganhou dois contratos temporários da Secretaria de Educação do Estado, em setembro e dezembro do ano passado, para lecionar inglês em Alvorada e espanhol em Porto Alegre.
A última aprovação em seleção pública ocorreu em Salvador do Sul. Jefferson foi nomeado em 8 de março e tomou posse cinco dias depois. Na semana seguinte, a secretária da Educação, Tânia Haupt, recebeu denúncia anônima por telefone sobre uso de documentos falsos pelo novo servidor. No último dia 23, o prefeito Marco Aurélio Eckert assinou portaria de anulação da posse por "orientação do Departamento Jurídico".
Os concursos em Portão e Salvador do Sul foram organizados pela empresa Legalle, de Caxias do Sul. Ela não esclareceu à reportagem como fez a avaliação dos diplomas do suspeito. É a banca que, no momento, organiza concurso em São Sebastião do Caí. Jefferson teve inscrição deferida para disputa do cargo de Serviços de Atendimento Educacional Especializado.
Ele conseguiu quatro cursos superiores em quatro meses
O currículo apresentado por Jefferson é notável. O próprio MP, porém, ainda não conseguiu comprovar quais cursos são reais. A reportagem apurou que ele se formou pela Ulbra, em 2014, em Letras - Língua Portuguesa e Literatura. O principal foco das denúncias são quatro diplomas de curso superior emitidos entre julho e novembro de 2013 por "faculdades" suspeitas de Teologia.
Jefferson recebeu título de bacharel em Teologia pela Escola Filemom, de Itapemirim, no Espírito Santo, fechada em 2019. Sequer constam os nomes dos supostos reitor e diretor que assinam o diploma.
Os outros três certificados recebidos nos quatro meses são de Licenciatura Plena em Ciências da Religião, Mestrado em Ciências da Religião e Doutorado em Ciências da Religião, todos emitidos pelo Instituto Missão da Paz, de Catalão, Goiás. Os excêntricos diplomas têm erro básico de acentuação.
O professor ostenta ainda no currículo especialização em Metodologia do Ensino de Língua Portuguesa e Literatura; Administração Escolar, Supervisão e Orientação educacional, além de novas licenciaturas, como Língua Espanhola, Língua Inglesa e Pedagogia. Outros cursos são de Musicoterapia; Neuropsicopedagogia Clínica, Institucional e Hospitalar; Psicanálise; Psicomotricidade e Psicopedagogia Institucional, Clínica e Educação Infantil.
Prisão e demissões
No dia 3 de março de 2019, houve prisão em flagrante, segundo denúncia da prefeitura de Mariana Pimentel, por apresentar certificado falso de Língua Inglesa para contrato temporário. Era outro diploma do Instituto Missão da Paz. Jefferson, que já atuava na rede municipal como professor concursado de Ensino Religioso, foi demitido.
Três meses depois, ele foi desclassificado pelo mesmo motivo em processo seletivo de Esteio. Ele já tinha sido desligado da educação municipal de Três Coroas em 2015. Apesar dos vários casos, em nenhum foi solicitada perícia nos documentos para confirmar falsificação.
Nas redes sociais, Jefferson menciona outras cidades onde já deu aula - Picada Café, Pareci Novo, Triunfo, Fazenda Vila Nova, São Pedro da Serra, Tabaí, Riozinho.
Com currículo exótico, diretor da "faculdade" recebia bolsa família
O diretor do Instituto Missão da Paz, que se identifica como pastor Washington Luiz Albernaz de Sousa Santos, é quem assina os diplomas mais suspeitos. Ele não respondeu às mensagens da reportagem. Entre abril e dezembro de 2020, recebeu total de R$ 3.776,00 em bolsa família do governo.
Washington não fica atrás do aluno Jefferson em termos de currículo. No catedrático histórico acadêmico, há títulos como "pós-doutor em Ciências Sociais Aplicadas; doutor em Direito por Harvard (Estados Unidos); bacharel em Administração de Empresas; bacharel em Teologia; especialista em Jornalismo; especialista em Gestão de Segurança Pública".
A vida profissional é ecleticamente fantasiosa. A principal ocupação, conforme apresentação nas redes sociais, é como "corretor de imóveis". As outras são "pastor presidente do Conselho Ministros e Teólogos do Brasil; psicanalista Clínico na empresa Conselho Brasileiro de Psicanálise; perito judicial na empresa Conselho Federal de Peritos Judiciais; tenente-coronel capelão militar; escrivão de Polícia".