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DO INTERIOR PARA O EXTERIOR

Produção familiar apresenta a arte do queijo artesanal de Canela e busca reconhecimento internacional

Localizada na Linha São João, há cerca de 10 km da área central de Canela, a Queijaria Alvorada Missioneira trabalha com receitas próprias e sem conservantes

Fernanda Steigleder Fauth
Publicado em: 14/11/2024 às 17h:31 Última atualização: 14/11/2024 às 17h:34
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A fabricação do queijo artesanal serrano iniciou há mais de dois séculos. Mas foi no fim do mês de outubro deste ano que o modo de fazer se tornou patrimônio imaterial do Estado. Com grande importância nos municípios dos Campos de Cima da Serra, a Região das Hortênsias também possui propriedades que cultivam os bons e antigos hábitos.

Leite das cabras da propriedade dá origem a produto também premiado



Leite das cabras da propriedade dá origem a produto também premiado

Foto: Fernanda Fauth/GES-Especial

Localizada na Linha São João, há cerca de 10 km da área central de Canela, a Queijaria Alvorada Missioneira trabalha desde 2016 na criação de produtos. Sem utilização de conservantes e com receitas próprias, todos os queijos e doce de leite são autorais. “As vezes, nas feiras, o pessoal vem e pergunta, tem um gouda, um colonial. A gente brinca que esses queijos hoje são das indústrias, nossa filosofia é quanto mais natural, melhor. Se não for preciso colocar conservante, a gente não coloca”, conta o proprietário, Vanderlei Kaefer.

“É preciso amor, se não fica algo industrializado”, completa a esposa Alessandra Valim.

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Atualmente, possuem uma casa, que abriu no início da pandemia, para ofertar ao público degustação e venda, na entrada da cidade.

O início de tudo

A história por trás do início da Alvorada Missioneira tem muito significado para a família. E está, também relacionado ao queijo considerado destaque e premiado, o Yamandú. Antes serrano, foi modificado e ganhou uma identidade para participar de eventos.

“Nós começamos a agroindústria em 2010, na fazenda. Os antigos patrões do Vanderlei chamaram a gente para fazer queijo depois do horário de serviço, pois não tinham o que fazer com o leite. E aí começamos lá. Eu ia para ajudar a limpar as panelas, ficávamos até por volta da meia-noite”, revela Valim.



Em 2011, ela saiu do serviço, onde era servidora pública como agente de saúde. “Falei ‘vou sair e passar a fazer queijo todos os dias, através dessa parceria’. Em outubro daquele ano, nos informaram que iam vender as vacas, pois iam transformar a fábrica. O Vanderlei voltou para casa e me disse ‘Alessandra, acabou tua brincadeira’. Eu disse que não. Tínhamos um sítio, com 22 hectares, vamos começar, fazer o nosso empreendimento”, conta.

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Durante o período de obras no sítio, o ex-patrão de Vanderlei cedeu o prédio até que eles conseguissem fabricar no terreno da família. “Finalizamos o prédio com recursos próprios. Eles nos cederam vários equipamentos. Mas o meu queijo não era legal, o doce talhava. Em dezembro de 2022, Vanderlei trouxe o seu Yamandú.”

Yamandú era conhecido como um dos maiores mestres queijeiros do Estado. O casal conhecia ele já da época em que trabalhavam na fazenda. “Ele chegou aqui e me apavorei. Olhou o leite e disse tudo o que as vacas tinham sem olhá-las. O mestre começou do zero comigo e disse que um queijeiro não termina a fabricação aqui, o serviço termina quando o produto é entregue ao cliente e ele diz ok”, relembra Alessandra.

Queijo Yamandú, de Canela, recebeu diversos prêmios e concorre internacionalmente



Queijo Yamandú, de Canela, recebeu diversos prêmios e concorre internacionalmente

Foto: Fernanda Fauth/GES-Especial

Para o casal, foi um divisor de águas. “Era 4h30 e ele acompanhava a ordenha. Ele quem nos ensinou o doce de leite, com a compra da paila. Não tem como falar em carinho e amor, sem falar do senhor Yamandú. Questionamos quanto ele queria pelo serviço, ele disse que não ia cobrar. Porque olhou no nosso olhar e disse que via o quanto queríamos aprender. Ele ficou uns dois ou três anos conosco”, complementa a produtora.

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Reconhecimento nacional e internacional

A Alvorada Missioneira já acumula diversas premiações estaduais e, até mesmo, nacionais. Os produtos também são recomendados por chefs de restaurantes diversos do País, como Carla Pernambuco e Helena Rizzo, conhecida pelo programa Master Chef.

A queijaria foi reconhecida, também, com dois prêmios no Mundial do Queijo Brasil, em São Paulo, a principal competição da categoria no País. Eles obtiveram ouro com seu queijo serrano e bronze, com uma versão própria do árabe chancliche. Também conquistou a primeira colocação no 1º Concurso Estadual de Doce de Leite, realizado pela Associação Gaúcha de Laticinistas e Laticínios do Rio Grande do Sul.

Queijos de vinho e café estão entre tipos produzidos em Canela



Queijos de vinho e café estão entre tipos produzidos em Canela

Foto: Fernanda Fauth/GES-Especial

O primeiro queijo de cabra haus foi prata Concurso Internacional de Queijo Artesanal da Expoqueijo Brasil 2022, realizada em Araxá (MG).

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Yamandú é o prata da casa. “Já nos deu muitas medalhas. Ele foi o primeiro premiado, em 2018. Depois 2022, 2023 e 2024. Neste ano, foi ouro duplo no Mundial e agora estamos concorrendo em Portugal”, comemora Vanderlei.

Investimentos

A empresa gosta de participar de feiras de agricultura familiar, em iniciativas com a Emater. “É uma venda direta ao consumidor final, mas, ao mesmo tempo, é o momento de vender a imagem, o nosso nome. Costumamos ir na Expointer e lá dobramos as vendas da loja. E não porque compraram lá, mas porque pegaram nosso cartão e quando sobem a Serra, vão tomar café, comprar queijo”, justifica Vanderlei.

O faturamento das vendas ajuda nos investimentos de equipamentos e melhorias. “Com um recurso que obtivemos na Festa Colonial, hoje temos um laboratório na empresa. Fazia tempo que queríamos comprar. O leite vem, fazemos o teste e assim temos a certeza que estamos produzindo um alimento de qualidade”, conta Alessandra.

Diversos tipos de queijos são produzidos artesanalmente pela Alvorada Missioneira, em Canela



Diversos tipos de queijos são produzidos artesanalmente pela Alvorada Missioneira, em Canela

Foto: Fernanda Fauth/GES-Especial

O laboratório iniciou em setembro, logo após o evento canelense. Ele oferece qualidade e segurança alimentar aos produtores e clientes. “Não só atende a legislação, mas permite que tenham um coeficiente de qualidade superior. As análises in loco podem ocorrer todos os dias, depende da determinação. Mas para identificar problemas do leite e evitar eventuais descartes é ótimo e uma garantia”, comenta o responsável pela Emater em Canela, Alexandre Meneguzzo.

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Das vacas e cabras

No início, a agroindústria possuía vacas, de onde tirava o leite para a fabricação dos produtos. Atualmente, possui uma parceria, com dois produtores do interior de Gramado.

O primeiro queijo fabricado pela agroindústria foi o chamado Dambinho. “É um queijo estilo uruguaio, cascudo por dentro e cremoso por fora”, argumenta a proprietária. Já o mais recente é o Haus, que começou a ser produzido no final de 2021, após a família comprar cabras. “Haus é casa em alemão, então quisemos que ele fosse o queijo da casa”, completa.

Alvorada Missioneira conta com produtos feitos com leite de cabra



Alvorada Missioneira conta com produtos feitos com leite de cabra

Foto: Fernanda Fauth/GES-Especial

O leite vai para a propriedade nas segundas, quartas e sextas-feiras. Quem traz a bebida é o pai de Alessandra, em um caminhão exotérmico. Também são realizadas as coletas das produtoras, para a análise de qualidade. Por volta de 7h20, os testes são feitos no laboratório e a partir dos resultados positivos, inicia-se a fabricação do dia.

São mais de dez tipos produzidos, cada um tem um tipo de processo e fermento. Aqueles fabricados pela manhã, são virados à tarde, em processo manual. São cerca de 80 quilos produzidos por dia e eles ficam em maturação entre 45 e 60 dias. Há também os maiores, que chegam a ficar um ano. Mas se engana quem pensa que eles são esquecidos. São virados diariamente e, a cada dois meses, são raspados, para a retirada dos fungos.

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O doce de leite é produzido diariamente. Na panela, são 130 litros por vez, que viram 60 quilos. No novo utensílio adquirido pelo casal, a produção mais que triplicará, com a possibilidade de 500 litros. “Costumamos dizer que tem três ingredientes: leite, açúcar e amor”, diz Alessandra.

Vinho, café e até chocolate

Neste ano, o queijo Yamandú e o doce de leite receberam o Selo Arte. “A gente leva pras feiras e o público vai dizer se vamos ficar com a receita ou não. Se vender bem, ou elogiarem, a gente vai fazer uma homenagem a alguém e manter esse produto em família”, explica Vanderlei.

A agroindústria costuma criar receitas diferenciadas. A de vinho já existe há cinco anos. A novidade é a de café. Até mesmo um com nibs de cacau já foi produzido, porém, este saiu de linha.

“O de vinho surgiu de uma feira, quando pediram. Então pensamos em inventar algo e hoje ele é bem procurado. E o de café, como gostamos muito, existe essa cultura no País, resolvemos criar. Então a gente mói o grão, passa normal e o queijo fica maturando no café uma semana”, pontua Alessandra.

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Para o representante da Emater, a marca possui diferenciais de mercado. “Não basta ser um queijo, um vinho, um embutido. O que ele vai me oferecer diferente? É uma questão de nicho e eles têm conseguido trazer esses estilos”, diz Meneguzzo.

Nova queijaria no Chapadão

Em construção e com expectativa de ser concluída ainda neste ano, a queijaria terá uma nova fábrica no interior canelense. Ficará na Linha Chapadão e terá 540 metros quadrados de área construída. O local foi pensado para trazer espaços mais adequados e amplos e garantir a continuidade da qualidade dos produtos, a partir da separação dos locais de produção de queijo e doce de leite.

Alvorada Missioneira quer abrir nova fábrica no Chapadão, em Canela



Alvorada Missioneira quer abrir nova fábrica no Chapadão, em Canela

Foto: Fernanda Fauth/GES-Especial

A ideia, a partir do segundo semestre de 2025, é também ofertar experiências de agroturismo aos visitantes. Contemplação, oferta de degustação e uma lojinha são pensadas.

Apesar da possibilidade de aumentar a fabricação dos produtos, no momento, Vanderlei é enfático. “Devemos manter a produção que temos, principalmente porque nossos processos são artesanais e não queremos perder isso”, explica.

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