Bethina Marcante nasceu em São Borja, na fronteira com a Argentina, foi lá que, aos 9 anos, ela assistiu pela televisão Natália Guimarães se tornar vencedora do Miss Brasil em 2007. “O gatilho foi quando vi (ela) desfilando e vencendo e decidi que um dia estaria no palco do Miss Universo também.”
O sonho foi sendo acalentado ao longo da sua vida de adolescente e começo da vida adulta. E o objetivo era tão forte, que Bethina nunca disputou nenhum outro concurso de beleza. “Eu queria ser Miss Universo, nunca quis outro concurso”, relembra ela que, em 2019, deu o primeiro passo para realizar o sonho ao ser escolhida como Miss São Borja.
Com a chegada da pandemia do coronavírus, aliada a outras situações que protelaram o andamento da natural da competição, o reinado de Bethina se estendeu, e ela será a representante da cidade na disputa estadual em 2023.
Além de realizar seu sonho pessoal, Bethina também será uma pioneira, pois é a primeira mulher trans a disputar o concurso em todo País. “É uma responsabilidade bem grande, eu sou a pioneira, a primeira, então existe muita gente criando uma expectativa em cima da minha participação.”
Sua descoberta como transgênero veio bastante cedo e, graças ao apoio da família, ela pôde seguir os estudos e chegar à maior competição de beleza feminina do mundo. “Eles sempre perceberam, então sempre me deixaram muito à vontade para eu me desenvolver como ser humano.”
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Arquiteta e gerente
Rosto mais conhecido graças ao concurso, Bethina vem se desdobrando para cumprir a intensa agenda como competidora aliada com a rotina como gerente de banco em Novo Hamburgo, cidade onde vive atualmente. “A Bethina não é só a miss, tem família e trabalho.”
Antes de chegar à cidade, Betina se formou em arquitetura, faculdade que cursou na cidade de Santo Ângelo. Essa trajetória, que não é disponibilizada à todas as mulheres trans, só foi possível graças ao apoio de sua família.
“Acho que hoje a maior mensagem que tenho a passar é para os pais dos jovens, que eles não desonrem os filhos. Cumpram a responsabilidade de serem pais, porque o lugar onde esses jovens vão chegar está na mão de cada um deles”, alerta.
Mesmo com o pioneirismo e ciente da responsabilidade, Bethina diz que não pretende levantar a bandeira. “Nunca levantei a bandeira, então seria desonesto comigo e com a própria causa”, explica ela, que não deixa que eventuais cicatrizes da vida sejam protagonistas da sua trajetória.
“Eu cheguei na universidade, estou em uma instituição financeira, ocupo um lugar na sociedade, graças à minha família que procurou me entender e está comigo até hoje, acho que essa é a grande diferença para a realidade da maioria”, ressalta mais uma vez sobre a importância do apoio familiar.
Preparação intensa
O foco no Miss Universo fez com que Bethina nunca competisse em outros concursos de beleza. Com isso, ela precisa correr atrás do prejuízo em relação a outras candidatas acostumadas com desfiles. “A única coisa que eu não tinha de verdade (em relação ao concurso) era a passarela, porque ninguém tem aula de passarela na escola.”
Para compensar, os treinos nesse quesito são constantes e o sapato do dia do desfile se transformou em diário, para estar pronta. Bethina se sente totalmente segura para disputar em pé de igualdade com as outras candidatas, já que está preparada nos outros quesitos do concurso.
Com o apoio da coordenadora Simone Arantes, ela tem se dedicado diariamente à preparação do concurso, que inclui compromissos com os cuidados com o corpo, que já faziam parte da rotina. “Sou super disciplinada, acordo às 5h da manhã, consigo cumprir essa agenda.”
Essa série de compromissos a cumprir não tem dado tempo para que a candidata sinta o nervosismo da disputa. “Acho que ansiosa mesmo eu vou ficar no momento, porque nunca tive em uma situação de estar em uma competição e ser avaliada.”
A etapa gaúcha do Miss Universo acontece entre os dias 6 e 8 de maio na cidade de Canoas. As competidoras ficarão isoladas em hotel, em um sistema similar a um reality show durante os dias de disputa.
Responsabilidade e história
Defensora do concurso, Bethina destaca o papel das candidatas que vão além das passarelas. “Hoje, a Miss é uma porta-voz, o mais importante de tudo é levantar pautas. Em São Borja, eu tinha um projeto de amparo aos idosos.”
Após deixar a cidade natal e se fixar em Novo Hamburgo, Bethina passou a se dedicar a um projeto voltado para famílias de crianças com espectro autista. “Eu percebia que os familiares tentavam muito educar as crianças para serem como a gente, e somos nós que devemos nos adaptar a eles”, explica.
Mesmo avessa a levantar uma bandeira específica, Bethina destaca o papel das pessoas que possibilitaram sua chegada ao concurso. “Existe toda uma história para que eu chegasse aqui. O Brasil é um país continental e eu ser a primeira, de um estado tão tradicionalista, é uma responsabilidade grande.”
A Miss São Borja ainda lembra destaca o trabalho do movimento feminista ao longo das décadas. “Tivemos grandes conquistas graças ao feminismo”, destaca.