59 ANOS DO GOLPE

Primeira morte da ditadura militar aconteceu em Canoas

Alfeu de Alcântara Monteiro foi assassinado no dia 4 de abril de 1964

Publicado em: 31/03/2023 09:37
Última atualização: 29/02/2024 08:03

Hoje, sexta-feira, 31 de março de 2023, completa-se 59 anos de um dia que durou 21 anos na história brasileira. Nesta mesma data, em 1964, um golpe militar tirou João Goulart da presidência. Foi homologado dois dias depois, em 2 de abril, quando o Congresso Nacional declarou a cadeira de Presidente da República vaga. Mais alguns dias se passaram até que Humberto Castello Branco assumisse o poder, tornando-se o primeiro dos cinco generais que assumiram como presidentes no período.

Busto do tenente-coronel Alfeu de Alcântara Monteiro em 2019 Foto: PAULO PIRES/GES

Foi neste mesmo dia, 4 de abril, que o personagem desta reportagem perdeu a vida. Alfeu de Alcântara Monteiro nasceu no dia 31 de março de 1922, em Itaqui, interior do Rio Grande do Sul. Três anos antes, ele havia participado de outro episódio histórico, a Legalidade. Em 1961 o tenente-coronel se negou a acatar uma ordem superior determinando o bombardeio do Palácio Piratini. Naquele ano, o então governador do Estado, Leonel Brizola, liderava a mobilização que garantiria a posse de João Goulart na presidência após a renúncia de Jânio Quadros.

E por ter evitado esse bombardeio, Alfeu ficou marcado. "Ele era um militar legalista. Achou aquela possibilidade de bombardeio, que mataria centenas de pessoas, fora de propósito", avalia o professor e jornalista Juremir Machado da Silva, autor de livros como "Brizola, vozes da legalidade" e "Jango, a vida e a morte no exílio".

"Era um herói"

Para Juremir, o tenente-coronel tem um papel fundamental na história brasileira. "Ele era um herói. Tinha como princípio a legalidade." A morte foi reconhecida como assassinato em 2019, após uma ação do Ministério Público Federal contra a União, solicitando a correção da versão oficial.

No inquérito inicial da época, aponta Juremir, foi dito que o tenente-coronel havia tentado, naquele dia, acertar com um revólver o major brigadeiro Nélson Freire Lavanere-Wanderley, que teria atirado em legítima defesa. O major foi absolvido.

"Ele foi é metralhado covardemente, pelas costas. O que aconteceu no 5º Comar foi assassinato", diz Juremir.

"Brasil não superou a ditadura", diz Juremir

O assassinato do militar gaúcho, ocorrido dentro da Base Aérea de Canoas, foi então considerado a primeira morte da ditadura. A ação do MPF em 2019 foi resultado do trabalho da Comissão Nacional da Verdade (CNV) e que encerrou os trabalhos em 2014. A CNV buscava trazer à tona os casos e as mais de 440 mortes durante o Regime Militar.

Local onde ficavam busto e uma placa de homenagem ao tenente-coronel Alfeu de Alcântara Monteiro foi destruído Foto: JULIANO PIASENTIN/GES-ESPECIAL

Para Juremir, atualmente o Brasil vive a mesma divisão de 59 anos atrás. "Esse conflito permanece. Quem apoia o Lula é chamado de comunista, assim como acusavam o Jango em 64." O professor afirma que assim como em 1964, a classe média brasileira segue conservadora. "As classes médias apoiaram o golpe. Na época, muitos jornais também eram a favor. O brasileiro é sensível quando o assunto é corrupção." Conforme Juremir, o Regime segue assombrando os brasileiros. "O Brasil não superou a ditadura. A direita flerta com os militares, já que muitos pediram uma intervenção. Já a esquerda é mais dividida, uma parte queria ir mais longe, já o PT considero como algo mais social-democrata."

"Nossos textos eram conferidos por um censor"

Como profissional, Juremir teve pouco contato com os militares. "Em 1979 precisei prestar esclarecimentos na polícia. Participava de uma peça de teatro amador chamada 'Os Rebeldes'. Fui chamado pela Polícia Federal, me perguntaram o porquê de eu estar falando mal do poder."

Já o jornalista Cláudio Brito, comunicador da Rádio ABC e colunista do Grupo Sinos, diz que viveu na pele a censura. "Escrevíamos em máquinas de escrever. Ao terminar, nossos textos eram conferidos por um censor." Para ser publicado, o militar precisava aprovar o material. "Vi jornal ser apreendido em banca, pronto para ser vendido." No entanto, alguns truques eram feitos para burlar a vigilância. "Muitas vezes deixava algo explicito no texto, assim outros detalhes passavam despercebidos." Outra estratégia utilizada por jornalistas era deixar algum repórter como 'isca'. "Um de nós escrevia mais textos polêmicos, enquanto isso íamos até a fábrica e a edição era impressa com o censor ocupado."

Brito diz que trabalhar não era fácil, porém se sentia como um cidadão fazendo sua parte. "Tive colegas que desapareceram e nunca mais foram vistos. Alunos na universidade que não frequentavam mais as aulas." O jornalista conta um caso de quando trabalhava no jornal 'Notícias Populares' de São Paulo. "Era colega do Rui Falcão, hoje deputado federal. Ele recebeu uma ligação, desligou o telefone e saiu correndo da redação. Dez minutos depois militares chegaram, queriam prendê-lo. O carro ficou estacionado por um ano, ninguém mexia por medo de ser preso." Brito também lembra que estava em uma pauta policial no dia da publicação do Ato Institucional Número Cinco. O ato representou, entre outras coisas, a perda de mandato de parlamentares contrários ao governo militar.

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