TRÊS MESES DEPOIS

Prefeituras do Paranhana contam prejuízos e focam em desassoreamento de rio para reduzir consequências das cheias

Entre marcas visíveis e emocionais, cidades não esquecem de sua maior tragédia já vivida

Publicado em: 02/08/2024 12:03
Última atualização: 02/08/2024 13:37

O Vale do Paranhana também é outra região no Estado que trabalha para se reconstruir, após as cheias históricas no Rio Grande do Sul.

Em Igrejinha, uma das ações mais visíveis de reconstrução ocorre justamente no leito do Rio Paranhana. O desassoreamento ocorre em toda a extensão do leito, passando pelos bairros até a ponte da Morada Verde, um dos locais mais atingidos pelas águas.


Desassoreamento do Rio Paranhana Foto: Dário Gonçalves/GES-Especial

Por outro lado, os maiores transtornos estão justamente na área central, com a interdição da ponte que liga as ruas 1º de Junho e Coronel Theobaldo Fleck. A estrutura sofreu danos significativos com a queda de um dos pilares na enchente do dia 2 de maio, deixando a cidade “dividida ao meio”.

A opção de acesso não fica muito longe, na Rua Alberto Edmundo Zwetsch, a menos de um quilômetro. Porém, em horários de pico, os congestionamentos se formam já que é a única alternativa mais próxima. Uma outra seria pela ponte do bairro Vila Nova, já mais afastada da área central.


Ponte do Centro de Igrejinha permanece interditada Foto: Dário Gonçalves/GES-Especial

A interdição da ponte afeta não somente a mobilidade no trânsito, mas também o comércio. O senegalês Ahmeth Mbaye, de 36 anos, está há 10 anos no Brasil e possui uma loja de roupas e calçados bem ao lado da ponte, mas na parte menos movimentada. Ele conta que desde o fechamento, suas vendas já caíram em torno de 60% e precisou despedir um funcionário.

“Antes, trabalhávamos eu e mais um, e nos finais de semana eu chamava outro para ajudar. Agora, não dá mais, tive que ficar sozinho. As pessoas não vão fazer toda a volta para vir comprar na minha loja, os bancos, as fábricas e os restaurantes ficam todas do outro lado”, detalha. O trânsito para pedestres e veículos no local deve ser liberado já nesta primeira semana de agosto.

Outro comércio afetado foi o restaurante da família de Gustavo Essbich, 27, no bairro XV de Novembro. O local atende, principalmente, trabalhadores em saída de fábrica que buscam marmitas. A água atingiu cerca de 1,70m e destruiu muitos equipamentos, como freezers e geladeiras.

Depois de um mês fechado, o restaurante reabriu em outro local, curiosamente mais próximo ao Rio Paranhana, mas em local mais alto e que não pega água. “Como 80% dos nossos clientes pegam o almoço para levar, nós trocamos o local, mas mandamos um motoboy trazer para o antigo endereço e facilitar ao trabalhador”, conta Essbich.


Gustavo Essbich mostra altura em que a água chegou em seu restaurante Foto: Dário Gonçalves/GES-Especial

Entre tantas casas destruídas, um morador se antecipou e ele mesmo resolveu colocar seu lar abaixo. Lovir da Silva, 48 anos, mora com a esposa Marciane de Oliveira, 43, desde 2019 no bairro XV de Novembro. A casa era simples, com sala e cozinha conjugada, um banheiro e dois quartos, por isso, há algum tempo ele queria construir uma garagem.

“Essa enchente entrou 1,60 metro dentro de casa, parte do piso cedeu e apareceram rachaduras. Então, como tinha um pequeno seguro do financiamento da Caixa, peguei esse dinheiro, juntei com alguns empréstimos, vendi o carro, desmanchei a casa e agora estou reconstruindo uma mais alta. Não tenho mais o carro, mas terei a garagem”, afirma.


Lovir desmanchou a antiga casa e agora constrói outra Foto: Dário Gonçalves/GES-Especial

O restante da cidade traz rastros visuais apenas próximo ao Paranhana. A vegetação deitada e lixo preso em galhos e cercas lembram o que aconteceu há três meses. E como a cheia não durou mais de um dia, as marcas de onde a água chegou são poucas comparadas a outras cidades.

“Contamos nos primeiros dias com reforços de várias cidades com maquinários e equipes na limpeza do município. Destaco Porto União, de Santa Catarina, que ficou mais de 20 dias aqui. Trouxeram também muitos donativos. A cidade de SC adotou Igrejinha em um movimento de solidariedade”, informa a prefeitura, por meio de nota.

Trabalho e assistência no Parque da Oktober

No parque da Oktoberfest, banheiros e outras áreas que foram levadas pelo rio estão sendo reconstruídas. Equipes trabalham para deixá-lo pronto para a realização do evento, que gera lucro à própria comunidade. “Diversas entidades esperam ansiosas pela festa para angariar recursos e continuar realizando seus serviços sociais. Assim como escolas aguardam pelo lucro para promover melhorias”, informa a prefeitura, em nota.


Ginásio do Parque da Oktoberfest ainda forma fila de pessoas em busca de assistência social Foto: Dário Gonçalves/GES-Especial

No ginásio do parque, um centro de distribuição de donativos segue ativo mesmo três meses após as perdas. O local conta com milhares de colchões, kits de cama, água, cestas básicas e produtos de higiene pessoal.

“No início, nós disponibilizamos um colchão por família, agora é por pessoa. Temos ciência de que poderão sobrar cerca de 1 mil colchões neste momento, mas isso serve como reserva porque nós tivemos três enchentes em uma semana. As pessoas ganharam colchões após a primeira, e dias depois perderam novamente”, conta o secretário de Desenvolvimento Social, Valter Ribeiro.

Uma das beneficiadas foi Maria Beatriz Petry, de 55 anos. Residente da Morada Verde, ela esteve no parque na tarde de quarta-feira (31) e levou consigo quatro colchões. “Eu perdi cozinha, quartos, televisão, máquina de costura e um compressor que eu usava para trabalhar. E com isso, também acabei perdendo minha fonte de renda, estou desempregada e as coisas estão bem complicadas”, detalha.


Entulhos ainda estão espalhados em áreas de diversas cidades da região, como em Três Coroas Foto: Dário Gonçalves/GES-Especial

Reconstrução e destroços no dia a dia de Três Coroas 

Em alguns lugares de Três Coroas, o tempo parece que não passou. Os destroços de casas destruídas permanecem por todos os lados do Rio Paranhana - que está sendo desassoreado. Foram cerca de 150 casas derrubadas pelas águas, principalmente no bairro Centro e Asmutc, deixando pelo chão todas as lembranças.

Osmar Palhano, de 62 anos, é um dos que trabalha para construir um novo lar e, para isso, tem usado até mesmo tijolos em bom estado das casas destruídas. Junto à sua casa, na Rua Henrique Juergensen, ele tinha um minimercado, que literalmente foi por água abaixo.

“O que ficou em pé, eu fiz escoras para não cair e estamos aqui, levantando outra casa. Dá medo de que venha a acontecer novamente, mas o que posso fazer? Esse é o lugar que eu tenho. Minha irmã e meu filho também perderam as casas e agora estão pagando aluguel em outro lugar”, explica.


Osmar Palhano reconstrói sua casa à beira do rio Foto: Dário Gonçalves/GES-Especial

Não muito longe dali, a Rua da Indústria, transformou-se na “rua do abandono”. Isso porque a maioria dos moradores tiveram que deixar o local porque tiveram as residências total ou parcialmente destruídas. É o caso de Diovana Bauer, 22, e Lucas Eduardo da Silveira, 24. No mesmo pátio ficava a casa deles, a dos pais de Diovana e a do avô. Todas levadas pela água e, inclusive tirando a vida de Onore Scheffer Bauer, de 66 anos, o avô de Diovana. “Por lá, tá tudo igual, não tem muito o que fazer. Ganhamos uma casa em São Francisco de Paula, e agora estamos vendo para desmanchar e trazer para Três Coroas para reconstruir em outro local”.

Ao lado, uma casa de dois pisos não sofreu danos estruturais, mas a enchente abalou a família que vivia ali e decidiram ir embora. No local, agora vive Edson Sorgetz, 37. “Aqui nessa rua, só ficou eu e moradores de outras três casas, o resto tá tudo abandonado”, afirma.


Edson Sorgetz conta que rua está quase inabitada Foto: Dário Gonçalves/GES-Especial

De acordo com a Prefeitura, as pessoas que perderam suas casas estão morando com familiares ou recebendo auxílio aluguel (270 pessoas). As pontes que ligam o bairro Quilombo e o bairro Vale Real, além de outra na localidade da Canastra, seguem bloqueadas. Da mesma forma, está interditada a Escola de Educação Infantil Aquarela do Saber, cujas crianças foram deslocadas para outras escolas e seguem com as aulas.

Gilmar Ribeiro de Freitas, 42 anos, assim como sua mãe, perdeu sua casa para um deslizamento na Vila Dreher. “Minha mãe perdeu meu pai há dois anos. E é isso que ainda dói, porque eles lutaram 10 anos pra fazer a casa, e em minutos perderam tudo”, conta. Para aumentar a dor, Gilmar acaba tendo que presenciar o desastre praticamente todos os dias, pois ele é motorista de caminhão e trabalha na retirada dos sedimentos. “Precisamos evitar que novos deslizamentos ocorram e outras pessoas sejam atingidas”, acrescenta.

Gilmar perdeu a casa no deslizamento e agora trabalha removendo os sedimentosDário Gonçalves/GES-Especial
Deslizamento de terra na Vila DreherDário Gonçalves/GES-Especial
Gilmar perdeu a casa no deslizamento e agora trabalha removendo os sedimentosDário Gonçalves/GES-Especial

Alguns moradores reclamam dos entulhos ainda nas ruas, contudo, a prefeitura afirma que os entulhos gerados no momento da enchente foram retirado das vias públicas, “mas constantemente resíduos de residências e espaços privados, que continuam em processo de reestruturação e limpeza, diariamente depositam esses resíduos em vias públicas para serem coletados”.

Com cerca de R$ 10 milhões de recursos obtidos via governos Estadual e Federal, já foram reconstruídas 10 pontes, construção de asfaltos e barreiras, além do desassoreamento dos rios e arroios. “Trabalhos constantes estão sendo realizados no deslizamento dos bairros Vila Dreher e Vila Nova, na rua Sapiranga e na rua Arpoador. E também a construção de 2.000 metros quadrados de gabiões para contenção da rua Visconde de Mauá, bairro Sander.

Taquara calcula R$ 80 milhões na agricultura

Taquara segue com trechos de estradas bloqueadas. As três pontes que foram danificadas significativamente e seguem interditadas são a de Vila Teresa, no distrito de Rio da Ilha, a estrutura no limite com Rolante, na Estrada Velha, e a que liga o Distrito de Padilha com Padilha Velha. Um trecho da Estrada do Feixe está sendo refeito após ser destruído por um deslizamento de terra, cuja liberação deve ocorrer nos próximos dias.

Já na localidade de Batingueira, onde um casal morreu no dia 2 de maio em um deslizamento, houve danos na estrada, e os trabalhos de recuperação devem iniciar em breve. Com relação aos entulhos gerados pela catástrofe, segundo a prefeitura, todos foram recolhidos e estão passando pelo processo de triagem e descarte.

O município calcula cerca de R$ 80 milhões em danos na agricultura. No entanto, ainda há muito trabalho a ser feito para recuperação de pastagens e plantações. “Isso ocorre, pois a maior parte dos danos foi registrada no interior, com o alagamento dos campos, gerando uma grande concentração de lama e sedimentos, impedindo a retomada do cultivo e da colocação dos animais”, explica a Administração Municipal.

Em locais onde não houve alagamentos, o próprio excesso de água no solo dificulta a retomada. Combinado a esse cenário está a presença dispersa de dias ensolarados, secos e com temperaturas elevadas devido ao inverno.

Durante os temporais do início de maio, seis escolas foram afetadas diretamente. Quatro sofreram com inundações. A mais atingida foi a Dr. Alipio Alfredo Sperb, no bairro Santa Maria, mas também a Zeferino Vicente Neves Filho (terreno da escola alagou e parte do piso das salas de aula cedeu) e Júlio Maurer (inundou o prédio anexo). Já as Emeis Tia Bete e Vovó Mina foram inundadas, enquanto que a São João Batista sofreu destelhamentos. Em todos os locais, as aulas foram retomadas normalmente.

Prefeitura reclama de falta de recursos

Taquara também ressalta que todas as informações necessárias de encaminhamento pelo município foram enviadas, além do cadastro das famílias atingidas na plataforma federal, mas há demora do governo no repasse total dos recursos do Auxílio Reconstrução. “É algo que dificulta ainda mais a retomada à normalidade. Essa demora segue penalizando as famílias, que precisam usar os poucos valores que sobraram após a enchente para adquirir itens básicos, como móveis, alimentos e itens de higiene e limpeza”, explica a prefeitura, em nota.

Até o momento, o governo federal aprovou o repasse de R$ 4.426.565,81 para Taquara, sendo que, do montante, foram pagos R$ 2.236.864,45. Já pela Defesa Civil e Judiciário do Rio Grande do Sul foram pagos R$ 2.932.906,00. Ainda em âmbito federal, outros R$ 430.989,39 estão em análise para envio ao município.

Ao menos seis residências foram parcial ou totalmente danificadas, impedindo o retorno dos moradores, de acordo com a Defesa Civil. No entanto, o balanço final de quantas pessoas foram atingidas diretamente pela catástrofe climática e seguem fora de casa ainda não foi concluído. “A demanda sobre a Defesa Civil e a assistência social taquarense foi ampliada significativamente, pois moradores de outros municípios vieram buscar auxílio aqui. A previsão é de que isso seja finalizado nas próximas duas semanas. Apesar de terem passado três meses do incidente, o trabalho segue sendo realizado e deve se estender pelo restante do ano”, conclui.

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