APÓS A ENCHENTE

Pesquisa da Unisinos revela metais acima do permitido na Bacia do Rio dos Sinos

Estudo aponta números preocupantes em amostras de água, solo de áreas urbanas e sedimentos, especialmente em São Leopoldo; novo levantamento já está sendo feito para monitorar dados

Publicado em: 13/11/2024 10:47
Última atualização: 13/11/2024 10:48

Uma pesquisa realizada pela Unisinos revelou dados preocupantes sobre a qualidade ambiental na Bacia do Rio dos Sinos após a enchente de abril e maio de 2024. Especialmente em áreas leopoldenses, as análises físico-químicas e microbiológicas identificaram traços de metais acima do permitido e presença significativa de bactérias em sedimentos, levantando alertas sobre a contaminação em áreas urbanas e periurbanas.

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Coletas para o estudo da Unisinos foram analisadas em laboratório; a auxiliar de pesquisa Jordana Xavier é uma das que participa do levantamento Foto: Gabriele Rech/Unisinos

Nos dias 1º e 2 de julho, equipes de estudantes e professores da Escola Politécnica saíram a campo para realizar coletas em diversos pontos da bacia, desde Taquara até Canoas. No total, foram coletadas 11 amostras de água superficial e 13 de sedimentos.

As coletas focaram em áreas periurbanas e urbanas afetadas pela enchente, com o objetivo de identificar possíveis contaminantes bioquímicos, como metais pesados e microrganismos, prejudiciais à saúde pública.

Coleta e análise

Os materiais coletados foram analisados pelo Instituto Tecnológico de Paleoceanografia e Mudanças Climáticas (itt Oceaneon) e mostraram que os metais cádmio, cromo, cobre e níquel foram detectados acima dos valores de prevenção da Resolução Conama nº 420/2009 em sedimentos em diversos pontos da bacia.

Os metais e concentrações encontradas

O níquel foi encontrado em concentrações superiores aos limites de prevenção em 6 dos 13 pontos amostrados, e o cromo em 4 pontos. Já o cobre e cádmio ultrapassaram os valores em 2 e 1 ponto, respectivamente, de áreas urbanas em São Leopoldo, nos bairros Campina e Santos Dumont, registrando mais de um elemento acima do recomendado.

Além disso, 100% das amostras de sedimentos apresentaram a presença de mercúrio, com concentrações variando entre 0,0015 e 0,0533 ppm. Os teores mais elevados do elemento químico foram registrados nos bairros Vicentina e Scharlau, com concentrações de 0,0533 e 0,047 ppm, respectivamente. Apesar de estarem abaixo do limite estabelecido pela Resolução Conama nº 420/2009, os valores encontrados ultrapassam os Valores de Referência de Qualidade (VRQ) dos solos indicados na Portaria nº 85/2014 da Fepam, que estabelece 0,043 mg/kg como o valor de referência para mercúrio em solos na Bacia do Rio dos Sinos, indicando risco de acúmulo do metal em futuras enchentes.

No aspecto microbiológico, as análises conduzidas no Instituto Tecnológico em Alimentos para a Saúde (itt Nutrifor), revelaram a presença de Escherichia coli, bactérias mesófilas aeróbias e coliformes totais em 100% das amostras de sedimentos. As concentrações variaram entre 101 e 103 UFC/g para Escherichia coli, entre 105 e 107 UFC/g para bactérias mesófila aeróbias, e entre 102 e 105 UFC/g para coliformes totais. De acordo com a Unisinos, embora não exista legislação específica que determine os limites aceitáveis desses microrganismos em solos, esses níveis podem ser um indicativo de contaminação por esgoto ou resíduos orgânicos que foram trazidos pelas águas da enchente.

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Contaminação foi para área urbana

Professor da Escola Politécnica da Unisinos, do Programa de Pós-Graduação em Engenharia Civil e responsável pelo Sistema de Gestão Ambiental da universidade, Marcelo Caetano lembrou que o Rio dos Sinos, “não de hoje”, é um dos piores do País em termos de qualidade.

“O Rio dos Sinos já apresentava metais pesados, isso já é histórico de muitos levantamentos. O que deu de diferente é que, como a água subiu e invadiu as ruas, essa contaminação veio agora para a área urbana, e isso é um problema. E, pra piorar, o rio transbordou e atingiu locais como estações de tratamento, áreas de resíduos inadequados, indústrias, áreas comerciais, veículos. Isso piorou porque juntou esse monte de coisa com o que estava no rio e veio pro solo”, comentou ele, que é um dos professores do estudo realizado.

Professor Marcelo Caetano já na segunda coleta de amostras do estudo, que iniciou no fim de outubro Foto: Divulgação/Unisinos

Coleta de amostras da água do rio, do solo e de sedimentos para a segunda análise já iniciou Foto: Divulgação/Unisinos

Novo levantamento já iniciou

Os dados preliminares reforçam a necessidade de monitoramento contínuo das áreas visitadas, pois o acúmulo de metais e a contaminação bacteriológica podem representar riscos à saúde pública e ao meio ambiente.

Por isso, a Unisinos já iniciou uma segunda coleta no fim de outubro, que deve passar pelos mesmos locais do primeiro levantamento. “Agora, estamos coletando nos mesmos pontos de julho e fazendo as mesas análises. Queremos ver se esses metais que detectamos agora nesses locais vão continuar ali ou não”, explicou Caetano, citando que alguns dos materiais podem ser bioacumulativos, ou seja, ficam acumulados no solo.

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Nível de alerta: “É prevenção”

Caetano explica que, comparados com a legislação, os níveis encontrados hoje são considerados de alarme. “Não é desespero ainda, mas é um nível de alerta”, resumiu, afirmando que, se os resultados da próxima análise se mantiverem, algum tipo de ação pode ser proposta aos órgãos públicos. “É prevenção: um alerta de que temos metais pesados nas áreas urbanas”, enfatizou.

“Vamos olhar a concentração novamente, se ela ficar ali, talvez seja o momento de pensarmos algumas remoções”, mencionando a areia de pracinhas, por exemplo, lugares muito frequentados por moradores. “O metal pesado em contato com a pele não tem tanto problema, a questão é consumir, como na água. E é ruim ter isso numa praça, em que o pessoal tem contato com a mão”, acrescentou.

Água da torneira é um risco? E de poço?

Questionado sobre a água que recebemos na torneira de casa e que, em São Leopoldo, é distribuída pelo Serviço Municipal de Água e Esgotos (Semae), o professor ponderou que ela não leva perigo, pelos processos que passa nas estações de tratamento leopoldense.

“É um processo que tem todo um controle sanitário dessa água. Garantindo isso, a gente pode tomar ela com confiança. É um processo adequado, que nos garante a qualidade dessa água. O que acontece é que nosso rio é muito contaminado, ele sofre muito para tratar essa água, mas se tem uma garantia de tratamento”, reforçou.

Caetano ponderou ainda que o cuidado maior deve ser voltado às águas de poços e bicas, visto que alguns desses pontos foram atingidos pela enchente e a contaminação do solo pode chegar a essa água. “O correto era ter uma análise. Sugeriria fortemente que a população buscasse uma análise em laboratório para ter uma segurança de que tem uma água em condições de beber”, colocou, lembrando que a qualidade da água para consumo humano é definida pela portaria 888/2021.

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