Do começo do ano até a primeira quinzena de outubro, 11 motociclistas morreram nos 70 quilômetros da BR-116 entre Canoas e Picada Café. No último dia 14, dois perderam a vida em Morro Reuter. O trecho atrai inúmeros motociclistas para passeios de final de semana.
Apesar das circunstâncias de todos os acidentes fatais ainda não estarem esclarecidas pela perícia, a Polícia Rodoviária Federal (PRF) admite que irregularidades, como ultrapassagem em local proibido, são comuns no trecho.
Na manhã de sábado (21), entre os quilômetros 215 e 209, em Morro Reuter, trecho percorrido com frequência pelos motociclistas, a reportagem flagrou todos os ingredientes que compõem o cenário marcado por um túnel verde e curvas perigosas. São eles: manobras arriscadas, ultrapassagens proibidas e excesso de velocidade.
Durante cerca de duas horas, foi possível registrar aquilo que os moradores do Bürkenthal e da Picada São Paulo, localidades que ficam às margens da rodovia, em Morro Reuter, estão acostumados a ver. Mas não são apenas os motociclistas que agem com imprudência. Motoristas de carros também cometem infrações de trânsito e contribuem para aumentar a insegurança dos moradores.Logo no início do percurso, entre os quilômetros 215 e 214, o motorista de um carro e dois motociclistas, que subiam à Serra gaúcha com suas motos potentes, ultrapassaram o veículo da reportagem acelerando, em um local cuja velocidade máxima é de 60 km/h e com sinalização (faixa dupla amarela contínua) indicando que é proibido ultrapassar nos dois sentidos da via.
O flagrante foi registrado por uma câmera instalada no para-brisa do carro. “Um dos principais problemas dos acidentes com mortes é a ultrapassagem em local proibido, que é quando ocorrem colisões frontais. Pensa, somando as duas velocidades, o estrago que isso provoca. Ou temos feridos graves ou vítimas fatais”, reflete o chefe da 1ª Delegacia PRF/RS Daniel Viana de Mendonça.
O policial rodoviário federal garante que as equipes, sempre que possível, fiscalizam o trecho para coibir este tipo de infração. “Sabemos que alta velocidade e ultrapassagens em locais proibidos não combinam e geralmente provocam acidentes graves”, conclui. A multa, nestes casos, é gravíssima, soma sete pontos na carteira e custa quase R$ 1,5 mil.
“Tem muita gente que não sabe o que tá fazendo”
Quando escuta, de longe, o ronco de uma moto vindo, a comerciante Isabel Hanauer fica aflita, mesmo que conviva com esse tipo de situação a vida toda. “Não me acostumei, não adianta. Chego a me arrepiar de medo. Olha ali como eles se deitam na curva”, aponta para um piloto que realizava uma manobra arriscada e em alta velocidade bem em frente ao seu estabelecimento.
Isabel e o marido, Beto Klauck, possuem um bar e uma loja de artesanato em um velho casarão construído no km 210 da BR-116. “A maneira como andam parece que querem se matar, o pior é quando pegam inocentes”, lamenta Klauck. Isabel explica que, com o passar dos anos, a prática de manobras arriscadas e o excesso de velocidade no trecho virou “turismo” e atrai muitos curiosos aos domingos. “Quando tem público, mais os pilotos deitam as motos na curva. Uns usam um ‘treco’ no joelho que sai faísca. Eles querem ser fotografados com fogo ‘saindo’ do joelho”, afirma.
Pedro Dias está todos os finais de semana no trecho e fotografar pilotos com suas motos potentes virou uma fonte de renda. “Eu que instituí esse negócio [fotografar os pilotos], em 2021, mas isso não quer dizer que concorde com imprudência”, defende-se. Dias também é motociclista e garante saber dos riscos da estrada. “A realidade é que tem muita gente que não sabe o que tá fazendo e vem pra cá fazer gracinha, colocando em risco muita gente e manchando a imagem de pilotos que sabem o que estão fazendo”, coloca.
“Vou continuar testando minha moto”
As armadilhas deste trecho da BR-116 seguem sendo ignoradas por pilotos de motos potentes. “Pela condição do terreno, há curvas que nos levam para fora da pista ou a invadir o lado contrário, todos nós sabemos, mas seguimos entrando em alta velocidade e acelerando”, comenta um motociclista que adquiriu uma moto esportiva recentemente. Mesmo ciente, o piloto de Esteio ignora os riscos. “Vou continuar testando minha moto, cada um sabe de si.”
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