A enchente de maio de 2024 representa a maior catástrofe climática da história do Rio Grande do Sul e das cidades atingidas. Na cidade de Feliz, no Vale do Caí, no entanto, revelou um artefato histórico perdido há décadas: a cruz que marcava o local de morte do padre jesuíta Johann Batist (João Batista) Ruland, falecido em 6 de novembro de 1895.
De acordo com o servidor público municipal e secretário licenciado da Fazenda de Feliz, Igor Germano Seibert, a cruz surgiu às margens do Rio Caí após as águas retrocederem, bem próxima do local onde ficava a cruz do Padre Ruland, mas que havia desaparecido em outra enchente, há décadas. “Temos uma foto da cruz bem próxima à Ponte de Ferro que deve ser da década de 1920/30. E agora encontramos ela quase no mesmo local”, conta Seibert.
Ainda na quinta-feira (6), Seibert foi procurado pelo morador Martin Bruckman, que o provocou a desvendar o “enigma da cruz”, para saber se de fato era a mesma de Ruland, ou não. Já nesta sexta-feira (7), veio a confirmação. “Enigma resolvido. A cruz que está na barranca do rio entre a Ramada e o Kilômetro é mesmo a cruz em memória ao Padre Ruland. Após meu chamado, muitos pesquisadores contribuíram com seus conhecimentos e até uma foto da instalação do monumento foi encontrada”, escreveu em sua rede social.
Como morreu o Padre Ruland
Conforme relatos históricos, Ruland nasceu em 13 de agosto de 1840 e viveu parte de sua vida no Vale do Caí, trabalhando como sacerdote em Salvador do Sul, Montenegro e Feliz. No dia 6 novembro de 1895, retornava para casa quando resolveu pegar uma barca para voltar para casa por volta das 20h30. Já do outro lado do Rio Caí, seu cavalo caiu na água e, na tentativa de salvá-lo, não foi mais visto com vida.
Seu corpo foi encontrado na manhã seguinte, onde se colocou a cruz, e sepultado na parte externa da capela de Morro das Batatas. Na mesma localidade foi homenageado com a construção de uma escola que tem o seu nome.
“Por décadas ela esteve soterrada na barranca, e agora, com a enchente de maio, ressurgiu. Poucas pessoas sabiam dela. Nos próximos dias a Prefeitura vai tentar resgatar ela e quando decidirmos onde recolocá-la, providenciaremos alguma placa de identificação. Ela é bastante robusta e pesada, olhando ao vivo, vemos que as informações batem com a foto antiga que temos”, explica Seibert.
Ele também conta que não se tem um consenso de quando a cruz desapareceu, mas que certamente foi há mais de 50 anos. “Provavelmente foi em alguma outra grande enchente, talvez a de 41. Mas tem pessoas na faixa dos 70 anos que têm vaga lembrança de ter visto uma cruz ali quando criança. Um outro senhor diz que nos anos 80, já havia visto uma parte dela exposta no barranco”.
Na Feliz, as grandes enchentes ocorreram em 1982, 2000, 2001, 2020, 2023 e 2024.
Narrativas
Testemunha ocular do fato, o Padre Max Von Lassberg S.J. descreveu o fato da seguinte forma: “Pe. Ruland, em 6 de novembro, esteve com o Pe. Blees em São José do Hortêncio, e perto da noite, de lá, voltando para casa, por um desvio da estrada acompanhou o Pe Steemann por um trecho. Assim anoiteceu quando chegou no “passo” em Feliz-RS.
Mesmo que o rio estava baixo, por precaução ele foi na barca, pois, por causa de sua visão, de noite ele não enxergava nada. Com a barca já do outro lado, e o preto barqueiro estava amarrando-a, aí ele ouviu o cavalo espernear e espernear e cair na água que lá é muito fundo. Imediatamente ele correu lá, mas, era tarde. O cavalo nadou para a terra, o padre não apareceu mais. É possível que, ele mesmo com sua visão difícil, procurou a saída errada da barca que tinha sido desviada ao encostar, e teria tocado o cavalo para o lado mais fundo. Ninguém viu nada nesta noite escura; eram 8 e meia.
Na manhã seguinte, logo se encontrou seu cadáver no mesmo ponto debaixo da água. A sua capa se havia coberta sobre a cabeça. Todos os moradores estavam apavorados; e a população desta localidade de Santa Catarina se preparou para enterrá-lo lá. Só quando ficou conhecido como ele mesmo, em setembro, se havia reservado o local de enterro, desistiram da ideia, e carregaram o rico cadáver, a pé, em longa procissão fúnebre pelo “Batatenberg” acima. Que ele descanse em paz!”, trecho que consta no Allerlei, página 93, traduzido por Ovidio Hilebrand.
Já no blog Histórias do Vale do Caí, Renato Klein escreveu: “Nascido em 13 de agosto de 1840, Johann Batist Ruland, viria a viver parte de sua vida no Vale do Caí. Padre Jesuíta, Ruland trabalhou como sacerdote em Salvador do Sul, Montenegro e, por fim, na Feliz.
Ele viria a falecer em 6 de novembro de 1895, tendo sua morte narrada da seguinte maneira pelos jornais Deutschen Volksblatt de 15 de novembro e em 12 de novembro pelo katholiche Zeitung:
Por volta das 8 e meia da noite de 6 de novembro de 1895, Padre João Batista Ruland vinha de São José do Hortêncio para retornar a sua paróquia (Feliz e também Alto Feliz), tendo caído da barca que fazia a travessia do rio. Mesmo que tenham tentado socorrê-lo com um pedaço da madeira, a morte foi inevitável. Seu corpo seria encontrado perto da propriedade de Jacob Ruschel, na Picada Cará, no dia seguinte.
O corpo de Padre Ruland foi sepultado na parte externa da capela de Morro das Batatas, e na mesma localidade foi homenageado com a construção de uma escola que tem o seu nome até os dias atuais”.
Cruz do Padre Michael Kellner também foi encontrada
Também nesta semana, foi encontrada a cruz do padre Michael (Miguel) Kellner, nascido em 31 de dezembro de 1823 e falecido no dia 2 de janeiro de 1883. Medindo mais de três metros de altura, e havia sido levada agora, no dia 2 de maio, pela enchente. “Estava dentro do novo leito do rio. A estrada em que ela ficava foi levada pelo rio, não existe mais. Mas a prefeitura está tentando restabeler alguma ligação. Ela existe há décadas também, estava firme e forte, mas desta vez a enchente foi tão devastadora que levou tudo junto”, finaliza Seibert.
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