O Judiciário gaúcho e tribunais de diferentes cantos do País já repassaram R$ 173 milhões para a Defesa Civil do Estado. O recurso provém de penas pecuniárias, medida alternativa à prisão que pune crimes de menor potencial ofensivo com pagamento em dinheiro.
Presidente do Tribunal de Justiça do RS, o desembargador Alberto Delgado Neto explica que no dia 2 de maio, quando o Estado já vivia uma situação de calamidade, acionou o presidente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso, sugerindo que a medida fosse solicitada a todos os tribunais do País. A medida foi aceita e a orientação repassada por meio de resolução a todos os tribunais.
“Todas aquelas penas pecuniárias, em todas as esferas da Justiça, estadual, federal, trabalhista e eleitoral, foram canalizadas para a conta da Defesa Civil do RS. Este recurso, com muito mais facilidade, chega na prefeitura, para que o prefeito de imediato possa comprar colchões, manter os abrigos”, detalha Delgado Neto.
O presidente do TJ lembra que o prazo da resolução assinada pelo ministro Barroso vale até dezembro. “A conta continua aberta e entrando recursos, onde a gente espera com isso atender em uma boa medida os municípios atingidos”, projeta. “O juiz do interior do Amapá, de onde for que tiver pena pecuniária, pode destinar o recurso para esta conta”, exemplifica.
Ações nos abrigos
Além da destinação de recursos, o Judiciário gaúcho tem atuado dentro dos abrigos. A equipe da Justiça Itinerante Emergencial tem percorrido alojamentos, com orientações sobre processos judiciais em andamento e ajuizamento de ações sobre questões familiares e relacionadas a contratos.
A emissão de documentos é outro trabalho que vem sendo feito nos abrigos por magistrados e servidores. “A pessoa, quando é atingida, costuma perder os documentos e não tem condições de levar uma vida normal. Ela não consegue sequer se cadastrar para receber um Bolsa Família ou algum benefício da agência bancária”, lembra Delgado Neto.
Diante deste cenário, o Judiciário, juntamente com o CNJ, estabeleceu um plano de ação nos abrigos. “Foi criada uma força-tarefa de identificação e registro civil das pessoas, de forma gratuita, de maneira que a pessoa dá seus dados, filiação, e a força-tarefa vai atrás disso tudo para restabelecer sua certidão de nascimento, de casamento, sua identidade civil. Agora, com ingresso da Receita Federal, do seu CPF; com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), do título de eleitor; de maneira que a gente constitua a sua condição básica de cidadão, com a entrega da sua documentação”, elenca o presidente do TJ RS.
Voluntariado e apoio interno
Além da atuação nos abrigos, profissionais vinculados ao TJ em áreas de psicologia, psiquiatria e assistência social, que atuavam em áreas como família, infância e adolescência, estão à disposição de pessoas atingidas. “Atendem on-line, para amenizar um pouco deste sofrimento”, pontua o desembargador. Servidores ainda foram liberados para atuarem voluntariamente em abrigos.
Internamente, o TJ criou um Pix solidário e divulgou entre os demais tribunais do País, destinado a assistir servidores que foram atingidos pelas chuvas e cheias. Além disso, houve antecipação de metade do 13º salário.
Recuperação de prédios e manutenção dos dados
Paralelamente às ações de ajuda à sociedade civil, o TJ se atém a questões do universo do Judiciário gaúcho. Só em Porto Alegre, cinco dos nove prédios do tribunal foram atingidos pela cheia do Guaíba.
“Esta recuperação é muito lenta, muito difícil, porque muitos ficaram debaixo d’água. Mantivemos nosso sistema no ar, pelo menos para medidas de plantão ou emergência. O TJ não caiu, foi o único dos cinco tribunais sediados no Estado que não saiu do ar o sistema de acesso à prestação de serviço da jurisdição”, lembra Delgado Neto.
“Evidentemente, instalamos geradores, fizemos todas as medidas logísticas necessárias. Por acaso, nós tínhamos uma sala cofre, que é uma central de dados, no sétimo andar do Foro Civil 2. Levamos um gerador e, a partir disso, ia colocando combustível enquanto não tinha luz. De quatro em quatro horas tinha que repor o combustível para que não saísse o sistema do ar”, recorda o desembargador, ao frisar que todos os dados migraram para uma nuvem, de maneira que ficassem seguros.
Enxurrada de ações
Delgado Neto observa que o TJ já se atém sobre pautas futuras que chegarão aos tribunais. Cita que, por experiências anteriores, se sabe que ações de responsabilidade civil vão aumentar. “Tanto contra o Estado, de seguro perante as seguradoras, de revisão bancária, revisão de contratos que as pessoas atingidas não vão conseguir honrar. São várias classes de ações judiciais que temos que estar preparados para receber e dar a devida prestação da jurisdição”, adianta.
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Mas o retorno ainda é lento diante do cenário caótico no Estado. “Os prazos já estavam suspensos e represados até o final de maio. Conversando com a OAB e demais instituições, Ministério Público, Defensoria Pública, estamos fazendo um protocolo de retorno paulatino, para não prejudicar as partes e os advogados.”
O que são penas pecuniárias?
As penas pecuniárias são alternativas para substituir aquelas privativas de liberdade, como a prisão em regime fechado. São aplicadas geralmente em condenações inferiores a quatro anos (furto, por exemplo), desde que tenham sido cometidos sem violência ou grave ameaça. A prioridade dos recursos são vítimas dos crimes ou dependentes.
Outra opção é doar a projetos sociais. Os recursos são depositados em conta bancária vinculada ao Poder Judiciário, que publica editais para selecionar instituições para firmar convênio. Com a calamidade no Estado, a orientação do CNJ foi que recursos destas penas em todo o País fossem repassados para a Defesa Civil do RS atuar no enfrentamento das consequências do desastre.