Uma grande ação conjunta entre diversos órgãos e forças de segurança ocorreu no Centro de Canela, no entorno da Catedral de Pedra. Denominada “Operação Catedral”, o foco da atividade foi, principalmente, realizar a fiscalização de produtos, abordagens e vendas irregulares por pessoas que não possuem registro imobiliário no entorno da Igreja Nossa Senhora de Lourdes e verificação de documentação de veículos que estavam estacionados no local. Sete bancas tiveram centenas de produtos apreendidos e um carro foi rebocado.
A ação, que iniciou por volta das 10h15 e durou cerca de duas horas, foi coordenada pelo setor de Fiscalização da Prefeitura de Canela, Conselho Regional de Corretores de Imóveis (Creci), pela Associação Comercial e Industrial de Canela (Acic), com apoio da Polícia Civil. Cerca de 60 agentes participaram.
O objetivo principal foi checar diversas denúncias recebidas por todos os órgãos, públicos e privados, nos últimos meses. Entre os problemas citados por moradores e turistas, além de comerciantes, estão o uso inadequado do passeio público, abordagens e extorsões a visitantes, venda ilegal de produtos contrabandeados e perturbações.
“Tivemos diversas reuniões nas últimas semanas para tratar sobre as reclamações. As entidades todas passaram a conversar para buscar uma solução, que pudesse avançar nesse problema, que sabemos que é complexo e vem se arrastando alguns anos”, explica o delegado titular da Delegacia de Polícia Civil de Canela, Vladimir Medeiros.
Duas situações às quais o responsável pela Polícia se refere são as abordagens, proibidas através de decreto municipal, e à questão da venda de produtos na lateral da Catedral de Pedra, ocupada com materiais, em sua maioria, não indígenas. Assim, todos os produtos industrializados foram recolhidos, com base na lei municipal que trata sobre a livre iniciativa e o livre exercício da atividade econômica.
“O objetivo da operação é tirar o produto industrializado. Ele não é direcionado aos indígenas, é tudo ao redor da igreja, panfleteiros, restaurantes que estão trabalhando de forma irregular. Inclusive será repetida com as entidades. Não somos contra ninguém vender seu produto, três bancas vão acabar ficando, o que não era, recolhemos.
“A ideia é retomar esse espaço público para a comunidade, deixando o passeio livre, sem pessoas abordando, sem extorsões. A ideia dessa operação é dar o start para ações permanentes e cada órgão poder assegurar a legitimidade. Se for necessário, voltamos na outra semana”, complementa Vladimir.
Diferentes focos
A Polícia Civil de Canela participou da ação com cerca de 30 policiais civis, que garantiram a segurança e resguardaram direitos de todos os envolvidos. Já a Secretaria de Trânsito, Transporte e Fiscalização apreendeu produtos irregularmente comercializados.
Das dez bancas na lateral da Catedral, sete tiveram produtos apreendidos, por venderem itens como mantas, toucas, brinquedos e artigos diversos. As outras três, que vendiam artesanato ou confecções indígenas foram autorizadas a permanecer no local. Durante a tarde deve ser contabilizado o número de itens que foram confiscados. Um veículo também foi guinchado, por estar com licenciamento vencido.
“Cada entidade está fazendo ações de fiscalização. A Prefeitura, junto com o Trânsito, com os veículos em situação irregular, os passeios públicos. Para ter uma ideia, a linha tátil hoje para deficientes visuais é ocupada irregularmente por alguns comerciantes. São reclamações de diversas origens. A Polícia veio para fazer a parte de segurança para todos os envolvidos, servidores, cidadãos que estão sendo fiscalizados, além de turistas e moradores”.
Representando as entidades, a Acic também acompanhou as ações. O intuito era defender os direitos dos associados, que não concordam com as práticas de comércio realizadas no local. Para a associação, a venda de produtos não indígenas fere a livre concorrência.
Por fim, o Creci fiscalizou abordagens a turistas para a venda de cotas imobiliárias, o que consiste em infração caso o vendedor não possua registro, estando sujeito a multa pecuniária. Segundo informações que chegaram, funcionários de estabelecimentos próximos realizam as tratativas de forma irregular, sem registro da profissão, prevista em lei federal, e utilizando de abordagens, também proibidas.
Conforme o coordenador de Fiscalização do Creci, Cléber Santos, a ideia é voltar ao longo da semana, para combater a atuação irregular. Nesta sexta-feira, ninguém foi autuado. “Mas mapeamos pontos, onde ao menos cinco pessoas captam clientes para possível intermediação”, revela.
Apreensões resultam em discussões
Ao longo da operação, os ânimos esquentaram com as apreensões, que foram se estendendo por praticamente todas as barracas no entorno da igreja. Os indígenas não concordaram com as ações e tentaram evitar que os produtos fossem levados. Entre as justificativas, estavam que possuem autorização do Ministério Público Federal para exercer a atividade e que tinham a nota fiscal dos itens que estavam sendo vendidos.
“Não interfere, pois o decreto fala de autorização de vendas de produtos produzidos por indígenas, por isso três barracas ficaram. O que não é indígena, não adianta ter nota, pois não podem fazer a venda aqui na Catedral”, reitera o secretário de Trânsito, Transporte e Fiscalização, Alziro Daros.
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São em torno de 20 pessoas por dia que trabalham nas bancas ao lado da Catedral de Pedra, de quatro aldeias do Estado. Além da mercadoria que constava nas bancas, roupas, acessórios e brinquedos que estavam em sacolas, dentro de veículos, também foram retirados de circulação.
Durante a ação, a reportagem tentou conversar com os indígenas, que recusaram os pedidos de entrevista. Ao final da ação, quem conversou com o Jornal de Gramado foi Leonel Chaves, indígena que mora em Canela, na Floresta Nacional, integrante dos Kaingang.
“A Constituição Federal dá respaldo aos indígenas vender em todo o território nacional, sabemos o nosso direito. Só que existe muita discriminação, Canela e Gramado são cidades muito discriminatórias com os índios” frisa.
Ainda, as tribos argumentam que possuem autorização do MPF, para vender produtos industrializados. Em dezembro de 2022, o setor de Fiscalização realizou uma ação e apreendeu materiais. Entretanto, o procurador Raphael Gorgen, de Erechim, determinou a imediata devolução. “Foi uma recomendação do MPF, Município acatou, mas não foi uma determinação. Vamos ver o que ocorrerá em relação a essa operação”, contrapontua o Executivo.
Para Leonel, a Prefeitura não cumpriu com um acordo, que tratava sobre a comercialização no local, até que fosse construído um espaço específico para os indígenas, tal como existe em Gramado. “Até que a Prefeitura organizasse o local, eles tinham o direito de ficar aqui e vender, independente se é industrializado ou se fosse artesanato. Eles não tinham nenhum mandado. Vamos ver com o Ministério Público Federal como proceder”, afirma.
Em resposta, a administração municipal coloca que “dezenas de reuniões ocorreram e todos os locais que foram sugeridos, não foram aceitos e por isso que não foi construído ainda nenhum local”.
Ainda sobre a venda de produtos industrializados, Chaves explica o motivo. “Existe uma mistura porque a gente tenta evitar de tirar o máximo possível para não tirar produto do mato, para não degradar a natureza. Mas o pessoal de fora não entende.”