abc+

SOLUÇÃO DISTANTE

Obras para contenção de enchentes no Sinos ainda não têm prazo para começar

Mesmo com estudo pronto, entraves burocráticos ainda tornam sem previsão o começo das medidas para minimizar problemas de cheias

Eduardo Amaral
Publicado em: 29/07/2023 às 16h:02 Última atualização: 09/07/2024 às 14h:09
Publicidade

A passagem de três ciclones extratropicais pelo Rio Grande do Sul chamaram mais uma vez atenção para um problema antigo e que tende a se ampliar se nada for feito: as cheias dos rios em eventos climáticos extremos.

Enchente no bairro Canudos, em Novo Hamburgo | abc+



Enchente no bairro Canudos, em Novo Hamburgo

Foto: Vandré Brancão/GES-Especial

Durante a passagem do primeiro ciclone em junho, os bairros Santo Afonso, em Novo Hamburgo, e Vila Brás, em São Leopoldo, ficaram embaixo d’água. Em outras cidades, a água atingiu locais onde poucas vezes havia chegado antes.

Meteorologistas apontam que eventos extremos como ciclones e chuvas intensas devem se intensificar nos próximos anos devido às mudanças climáticas. Em contrapartida, os sistemas pensados para conter as cheias estão ultrapassados.

No caso da Bacia do Sinos, a maior parte dos sistemas de contenção foram criadas nas décadas de 1970 e 1980. Com o crescimento da população ao redor do rio e as mudanças climáticas, estes começam a dar sinais claros de esgotamento.

Só que esses sinais não começaram a ser dados agora, já que desde 2012 o RS vem desenvolvendo um estudo para apontar soluções ao problema. O projeto foi aprovado no PAC Prevenção de Inundações, mas passados mais de 10 anos pouco se avançou no processo.

Os custos estimados para a construção de um novo sistema de contenção do Rio do Sinos são de R$ 1.395.627.430,73. A projeção é parte do estudo feito entre 2015 e 2018 pela Fundação Estadual de Planejamento Metropolitano e Regional (Metroplan).

O Plano Metropolitano de Proteção Contra Enchentes (PMPCE) aponta que nas 11 cidades da Bacia do Sinos, 18 mil residências estão em áreas alagáveis atualmente, o que pode atingir 55 mil pessoas na região. As projeções, no entanto, apontam que até 100 mil pessoas podem ser atingidas por cheias.

No dia 10 julho, uma audiência pública foi realizada na Assembleia Legislativa justamente para debater a macrodrenagem da Região Metropolitana, quando a primeira etapa do estudo foi apresentada.

Vai demorar

Já se passaram quase 10 anos desde que os estudos a respeito das medidas para minimizar as enchentes começaram e deve levar ainda mais tempo para que a população que vive próximas a áreas de alagamento possam ver ações efetivas para resolução do problema.


Casa de Bombas da Santo Afonso não foi suficiente para conter a subida do Arroio Gauchinho em junho | Jornal NH



Casa de Bombas da Santo Afonso não foi suficiente para conter a subida do Arroio Gauchinho em junho

Foto: Eduardo Amaral/GES-Especial


Superintendente da Metroplan, Francisco Holle diz que o atual estudo comandado pela Fundação fez um levantamento de 100 anos de enchentes. Finalizado o levantamento, agora há um prazo de 12 meses para conclusão do relatório ambiental. Após isso, se inicia o processo de elaboração do Plano Executivo para só então iniciarem as licitações.

Holle justifica a demora para conclusão do estudo sobre a Bacia do Sinos pela complexidade das análises e as mudanças de governos em todas as esferas neste período. Entretanto, comemora o andamento do projeto. “Estamos em um caminho correto, próximos a um diagnóstico final e aprovação do projeto executivo”, avalia.

O Plano Metropolitano prevê ainda ações para conter cheias nas bacias do Rio Gravataí, do Arroio Feijó, em Porto Alegre, e do Rio Jacuí, a partir de Eldorado do Sul. O custo total para a realização de todas as fases de ação gira na casa de R$ 4,3 bilhões. Mas segundo Horlle, não fazer nada será pior ainda. Ele projeta um prejuízo de R$ 12 bilhões apenas na região do Vale do Sinos nos próximos 30 anos caso as intervenções não sejam feitas.

Quem paga a conta?

Durante os três anos de estudos na Bacia do Sinos, já foram R$ 6,4 milhões e para o Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA), estão previstos mais R$ 400 mil. Até aqui, todos os recursos foram garantidos por repasses do governo federal, que incluem verbas já garantidas para a finalização do EIA/RIMA.

Mas para que os projetos saiam do papel são necessários quase R$ 1,4 bilhões nos valores cotados agora em 2023. Dado o tempo que se esperou para a conclusão do estudo, há o temor de que os projetos não passem de boas ideias sem implementação prática.

Deputado estadual responsável por chamar a audiência pública do início de julho, Miguel Rossetto (PT) diz que agora é preciso que a população faça pressão sobre os governos de todas as esferas. “Toda nossa mobilização é para que os Planos Plurianuais e as leis orçamentárias abriguem recursos para dar continuidade a esse projeto.”

Quem paga a conta é um dos grandes pontos que podem travar o avanço do projeto. Tudo que foi pago e os recursos garantidos para a próxima etapa, até agora, foram garantidos por um programa que não existe mais, o PAC Inundação.

Por outro lado, municípios demonstram pouca verba e disponibilidade ainda menor para retirarem de seus cofres parte dos recursos necessários para concluir o projeto. A prefeita de Novo Hamburgo, Fatima Daudt (MDB), é uma das vozes que defende a destinação de recursos vindos de Brasília para garantir as obras. “Essa é uma obra que beneficia várias cidades, quando a gente fala de montantes tão grandes, a gente precisa de recursos federais, os municípios não têm recursos para arcar”, afirma.

De acordo com a prefeita, o modelo tributário brasileiro é uma das justificativas para que a União financie os projetos. “O que podem fazer é uma contrapartida, um valor fica para o município e o maior junto ao governo federal, porque a arrecadação dos impostas é concentrada no governo federal.”

Mas além de verbas para as obras, o processo de mitigação das enchentes passa também pelos planos diretores municipais, os quais estão sendo revistos justamente agora.

Mudanças difíceis

Um dos principais desafios para minimizar as subidas dos rios é quanto a localização de moradias. Ao longo do período de ocupação das cidades, o leito do Sinos foi sendo tomado por construções, muitas vezes em áreas que deveriam ser preservadas, o que com o tempo foi alterando o leito do rio e retirando proteções naturais.


Família de Paulo Roberto fazendo churrasco em meio a enchente  | Jornal NH



Família de Paulo Roberto fazendo churrasco em meio a enchente

Foto: Júlia Taube/GES Especial


Passados os anos, essa população agora precisa ser retirada de suas residências, um processo complexo, caro e demorado. “O ideal é que essas construções não tivessem sido feitas”, ressalta Horlle.

Dos cerca de R$ 1,4 bi previstos para as obras, mais de R$ 98,4 milhões seriam necessários para as desapropriações. Outra questão é que, os planos diretores precisam levar em conta a ocupação do solo.

Horlle é bastante taxativo, ao avaliar não ser mais possível construir em áreas com risco de alagamento e de preservação. O atual estudo da Metroplan se propôs a uma radiografia nas cheias dos últimos 100 anos, avaliando a taxa de retorno (TR) para estes locais.

“A mancha das enchentes mostra que se não alagou no local ainda, vai alagar. Pode não ser para quem está lá agora, mas vai ser para os filhos e os netos de quem está lá hoje”, projeta Horlle. “Queremos fazer um projeto para todas as enchentes”, sintetiza o superintendente ao falar sobre o que levou a um levantamento tão longo.

De acordo com ele, os municípios já têm levado em conta essa mancha de cheias na elaboração dos seus planos diretores. O que precisa, de acordo com Holle, é que os governos municipais comecem desde já a fazer planos de remanejos, uma forma de dissipar o custo das obras.

Quanto Custa

  • Arroio Feijó (divisa Porto Alegre-Alvorada) – R$ 2 bilhões
  • Bacia do Rio dos Sinos – R$ 1,39 bilhões
  • Bacia do Rio Gravataí – R$ 411 milhões
  • Bacia do Rio Jacuí (trecho entre Guaíba e Eldorado) – R$ 460 milhões
Publicidade

Matérias Relacionadas

Publicidade
Publicidade