VETERANOS

O drama de guerra vivido no Oriente Médio pelo Batalhão Suez

Em meio ao conflito entre Israel e o Hamas, veterano da região traz relatos da guerra de 1967 no Oriente Médio

Publicado em: 27/10/2023 03:00
Última atualização: 27/10/2023 08:28

Há mais de meio século, milhares de soldados brasileiros que participaram do Batalhão Suez, entre 1957 e 1967, no Oriente Médio, viram de perto o drama de viver naquela zona de conflito onde nas últimas semanas a guerra entre Israel e o grupo palestino extremista tem deixado milhares de vítimas em um rastro de destruição, terror e mortes.

José guarda até hoje os registros do que ele diz ser das guerras mais sangrentas que já viu Foto: Fotos Amanda Krohn/Especial

Este novo confronto traz à tona lembranças da época em que os combatentes brasileiros (e muitos aqui do Sul) participaram de uma missão de paz da Organização das Nações Unidas (ONU) na Guerra de Suez, travada entre Israel e o Egito em uma disputa pelo controle do canal que conecta a Ásia e a Europa sem precisar passar pela África.

Para o soldado José Merêncio Marques, de 78 anos, nascido em Canoas, mas desde jovem morador de Novo Hamburgo (vivendo hoje no bairro Liberdade), e que serviu no 19º Batalhão de Infantaria Motorizado (19o BIMtz), de São Leopoldo, a Guerra de Seis Dias, em 1967, já no final do conflito, é algo que jamais sairá de sua memória.

Quando se alistou, Marques jamais imaginaria que passaria por algo assim.

À própria sorte

Foi um edital do Exército Brasileiro que estava selecionando recrutas para fazer parte de uma Missão de Paz comandada pela ONU que colocou ele neste caminho.

Sem muitas informações, e acreditando se tratar do mesmo serviço que ele já fazia no quartel, em 1967, o soldado se candidatou.

Mas logo veio o choque de realidade. "No começo, tudo era normal: conhecemos Israel, jogávamos futebol... Porém, quando a guerra realmente iniciou, fomos largados à própria sorte", relatou. "Na época, o governo Costa e Silva alegou que não havia mais tropas brasileiras no exterior. A partir de então, foi cada um por si", continuou.

O certificado de reconhecimento da ONU e as fotos tiradas no Oriente Médio que trazem muitas lembranças Foto: Amanda Krohn/Especial

José Merêncio ainda conta que, durante o conflito, seu batalhão ficou sob o domínio do governo israelense, com condições precárias de higiene e alimentação.

"Não era exatamente uma situação de refém, mas mesmo assim, quem liderava a gente já não era nosso tenente, e sim o governo de Israel", explicou.

Repressão e falta de reconhecimento

A guerra travada há alguns dias entre Israel e o grupo palestino Hamas faz Marques reviver o trauma quase de seis décadas atrás. "Não mudou nada. Vejo na TV as pessoas gritando e as crianças chorando, exatamente como era naquela época." De acordo com ele, ao voltar ao Brasil, devido à ditadura militar, ninguém tinha permissão para falar sobre o assunto com qualquer outra pessoa.


Além disso, ele também acrescenta que os membros do Batalhão de Suez não receberam qualquer tipo de pensão ou ressarcimento do governo brasileiro até hoje, pelos serviços prestados. Para Merêncio, os desfiles e homenagens feitas para o batalhão atualmente não compensam a falta de reconhecimento e de assistência no passado.

Entre a paz e amargura

O Batalhão Suez (que levou mais de 5 mil brasileiros em 20 contingentes durante dez anos ao Oriente Médio) fazia parte da Força de Emergência das Nações Unidas, que reunia diversos países, entre eles o Brasil, Colômbia, Canadá, Índia, países escandinavos e Iugoslávia. Apesar das tropas da ONU terem recebido o Prêmio Nobel da Paz - Os Boinas Azuis da Paz pela atuação, os soldados brasileiros não receberam honrarias ao voltar para o País.

Um desses soldados, morador de Esteio, que não quis ter seu nome revelado, diz que eles foram abandonados, com pouco acesso a alimentação, chegando até mesmo a procurar comida no lixo. "Não gosto nem de lembrar. Na época, o Exército ainda me proibiu de tocar no assunto", comentou. Sensibilizado, o ex-combatente optou por não prosseguir com a entrevista e acrescentou que sofre com pesadelos sobre o período que lhe causam pânico.

Associação de Veteranos do Batalhão de Suez

Fundada em maio de 1984, a Associação Brasileira de Integrantes do Batalhão Suez do RS existe para valorizar a coragem dos soldados que participaram desta histórica Missão de Paz na Guerra dos Seis Dias.

O presidente da Associação, Sérgio Luiz Dias, comentou sobre a importância desse resgate histórico. "Se não contarmos a nossa história, ninguém vai contar. Então o objetivo dessa associação é manter essa história viva", disse Dias.

Sérgio conta que a associação aceita soldados de outras missões de paz para se manter e, com isso, reúne, em média, 80 membros. "Os soldados mais novos daquela época já têm 76 anos, outros já faleceram, então precisamos ampliar para que continuemos existindo e mostrando a importância destas forças de paz."

 

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