Entre os dias 17 e 18 de novembro, o Rio Caí se estendeu muito além de seu leito e alagou, principalmente, o bairro Navegantes, em São Sebastião do Caí. As águas alcançaram 16 metros de altura, algo nunca antes registrado em 148 anos.
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Casas, carros, comércios, estradas, tudo foi destruído pela enchente carregada de barro que tomou conta de 80% da cidade. Felizmente, nenhuma vida foi perdida, mas os prejuízos ainda podem ser vistos nas pilhas de escombros pelas ruas.
E no meio das tragédias e dos estragos que deixaram muitas histórias tristes, um capítulo dramático à parte são as perdas em livros e documentos históricos. Bibliotecas como a Carlos Henrique Oderich Sobrinho – biblioteca pública do município -, e as da Escola E.M. Coronel Pedro de Alencastro Guimarães e do Instituto Estadual de Educação Paulo Freire tiveram perdas, algumas irrecuperáveis, após o avanço das águas.
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Sem saber onde começar
Quase uma semana após a enchente, a diretora do Instituto Paulo Freire, Vanessa Padilha, que assumiu este ano, mas está na escola desde 2018, abriu as portas da biblioteca para a reportagem. Empurrando obras que trancavam a porta de madeira inchada, o cenário era desolador.
Caixas e mais caixas de livros didáticos se desmanchavam. “Quando vi a escola pela primeira vez e todos os seus estragos, minha sensação foi de desespero, sem saber por onde começar e achando que não tinha mais o que fazer. Mas começou a vir a ajuda e iniciamos a reconstrução”, comenta Vanessa.
Todo o acervo didático foi destruído, livros novos que atendiam do ensino fundamental ao médio. Nas prateleiras caídas, romances, poesias, ficção, biografias e contos infantis jaziam perdidos em meio à água como um cemitério de navios naufragados. O chão alagado ainda banhava a única enciclopédia restante. Livros em braile, mapas e material cartográfico engrossam as perdas irreparáveis.
“Nunca passamos por nada parecido, mas também pudemos ver tanto a força da comunidade. Muita gente está ajudando nesta reconstrução. Muitos alunos também perderam materiais escolares e, por isso, estamos trabalhando para arrecadar doações e poder fornecer isto a quem precisa”, destaca a diretora. A escola reabriu na segunda-feira (27).
“Tudo passa… isso também passará!”
Na Escola Cel. Pedro de Alencastro Guimarães, a destruição só não estava maior na chegada da reportagem porque professores e outros voluntários atuaram dia após dia em mutirão, desde as primeiras horas da manhã, para dar vida novamente à instituição.
Conforme a diretora Graciane Minossi Martins, que está há 28 anos na escola, 80% do material foi perdido. Laboratório de informática, cozinha, salas de aula, materiais escolares e pedagógicos, e a biblioteca, que era nova. Tudo sob 1,90 metro de água do Rio Caí na maior enchente da história da cidade.
“Estamos tentando reconstruir a história. É um trauma muito grande, o trabalho parece que não rende. Foram oito tombadeiras de escombros retirados, e no primeiro dia estava desesperada, não tinha de onde tirar força. Mas também vimos o quanto somos queridos, graças aos voluntários, que não só ajudaram na limpeza, mas trouxeram água e frutas para nos manter de pé”, relata Graciane.
No pátio da escola, por todos os lados, foi espalhado aquilo que ainda havia esperança de ser recuperado, como centenas de fotos e históricos escolares. São inúmeros documentos que registram o desempenho acadêmico de cada estudante ao longo de sua trajetória escolar, que podem ser requisitados em diversas situações, especialmente ao ingressar em uma instituição de ensino superior.
Complementando o cenário de reconstrução, a diretora Graciane registrou na lousa do pátio a mensagem: “Tudo passa… isso também passará! Um passo de cada vez!”
A reabertura da escola não é somente para dar seguimento ao ano letivo, mas também para dar amparo aos atingidos pela cheia. “Nós estamos com saudades dos alunos, muitos deles perderam as casas. Nosso retorno será para acolher, ouvir, e também dar carona.”, afirma. As aulas voltaram na quarta-feira (29).
Registros históricos perdidos para sempre
Na Biblioteca Pública Municipal Carlos Henrique Oderich Sobrinho, um terço dos exemplares, ou cerca de 10 mil livros, foram perdidos. Exemplares históricos de jornais, com mais de quatro décadas, foram perdidos. A força da água fez com que o vidro da frente estourasse, agravando a entrada de água.
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De acordo com a administradora da biblioteca, Eliane Paim de Lima, que trabalha no local há quase 32 anos, todo o acervo de literatura infantil ficou destruído. O Rio Caí também destruiu obras raras, um quarto dos livros de literatura estrangeira, quase todas as biografias, livros de medicina, literatura gaúcha e brasileira.
“Tínhamos cerca de 30 mil livros cadastrados e mais ou menos cinco mil para serem catalogados. O que estava nas prateleiras mais baixas foi destruído, e outros que estavam mais altos também molharam por conta das ondas”, conta a bibliotecária. Conforme o secretário de Educação, Cristiano Liell, os prejuízos ainda podem aumentar.
“Além do que perdemos, é visível que as estantes ficaram comprometidas. A madeira inchou e entornou, e com o peso dos livros elas vão acabar cedendo. Então, primeiro precisamos recuperar o computador, os móveis e, então, os livros”, afirma.