Planeta Água
Na Forbes, o mundo líquido da cientista Marcia Barbosa
Na lista das mulheres mais poderosas do Brasil, pós-doutora se dedica a pesquisar filtro para dessalinizar água do mar. Ela aproveita a "fama" para militar pelas mulheres e pela ciência no País
Última atualização: 19/07/2024 12:54
“Uma vez estava montando um forno elétrico no laboratório da escola em Canoas, peguei tijolos, coloquei resistência, só que quando fui ligar tudo, derrubei o disjuntor e o colégio todo ficou sem luz”, recorda com bom humor a cientista, pós-doutora em Física pela Ufrgs Marcia Barbosa, 56. “Se o diretor do Marechal Rondon Eberhardt Frank estiver lendo vai ser a primeira vez que o fato vem a público.”
Nos últimos dias, Marcia ficou conhecida do grande público ao figurar na lista das mulheres mais poderosas do Brasil, da Revista Forbes (publicação mais direcionada ao mundo corporativo e de finanças). Estudiosa das anomalias da água (ver página ao lado), a professora descobriu características singulares do líquido que poderão permitir, no futuro, a dessalinização da água do mar e o abastecimento aos que não têm acesso. O momento de celebridade da pesquisadora tem sido utilizado por ela para amplificar a voz feminina dentro do mundo científico. Fora desse círculo, em tempos de terraplanistas e outras explicações mais esotéricas do mundo, Marcia quer fincar pé sobre a relevância da busca por conhecimento. “Fazer ciência é um motor de inovação, a universidade forma engenheiros, que geram desenvolvimento”, afirma. “No Brasil a soja não dava bem no passado, mas a cana dava. Por meio da pesquisa da Embrapa, viu-se que uma bactéria ajudaria, em vez de se recorrer a insumos agrícolas. Isso é ciência.” Cita também o caso da insulina a partir dos suínos (que gerava alergia em vários pacientes diabéticos). “Pela ciência, a proteína humana passou a ser utilizada para produzir insulina, hoje está no mercado. Quem fez isso? Um brasileiro.”
Inspiração
Na infância em Canoas, graças ao pequeno laboratório de pesquisa do Colégio Estadual Marechal Rondon, Marcia se apaixonou pelas pesquisas, apesar do leve acidente com o forno elétrico citado na abertura desta reportagem. “Lembro dos professores, Marli, era a de Literatura, se dedicava tanto, que cedia a biblioteca particular dela, lá conheci Graciliano e Guimarães Rosa; Os irmãos Balbinot foram grandes professores de Física e Matemática”, recorda. “À noite, no Rondon, eu me dedicava à montagem dos equipamentos de pesquisa ganhos da Comunidade Luterana, tudo isso está no meu interesse por seguir carreira na pesquisa.”
O olhar do preconceito
“Segui na Física, tentando ser uma voz da mulher na universidade e dos egressos da escola pública”, comenta. “Morei dois anos em Maryland (EUA), eu era uma latina com cara de latina, conhecia o olhar do preconceito, já tinha visto esse olhar e consegui seguir adiante.” Vencendo os olhares estrangeiros, retorna ao Brasil e vira professora da Ufrgs. “Percebi que os caminhos eram mais fáceis para os homens, mas não baixei a guarda.” A União Internacional de Físicos montaria um comitê para analisar a falta de mulheres e Marcia tornou-se nossa representante. “Formamos uma rede de mulheres do mundo todo.”
Lattes invejável de pós-doutora em Física
Marcia é pós-doutora em Física formada pela Boston University e University of Maryland. Pelo estudo da água ganhou o Loreal-Unesco de Mulheres nas Ciências Físicas e o Claudia em Ciência (2013). Atua em questões de gênero e ganhou a Medalha Nicholson da American Physical Society, em 2009. Em 2019, foi eleita membro da Academia Mundial de Ciências. Em 2020, foi mencionada pela ONU Mulheres como uma das sete cientistas que moldam o mundo.
Oito mulheres versus 72 homens
“O Brasil é campeão mundial em participação feminina em artigos científicos”, destaca. “É menos pior que em outros países, mas precisamos atrair mais meninas às ciências exatas.” O estranhamento veio ao ingressar como aluna na universidade. “Quando entrei, a sala de Física só tinha oito mulheres (de um total de 80 alunos)”, recorda. “Pelos corredores, vi que ali não era lugar de mulheres no poder e meus colegas não vinham de escolas públicas.”
"A natureza soube usar as maluquices da água", explica
Eu sou uma Física. O que eu faço são modelos matemáticos e computacionais. Há 20 anos estudo a água. Ela tem uma série de comportamentos físicos, diferentes dos outros materiais. A gente não se assombra com os fenômenos da água porque ela está em todo lugar e a gente pensa que é o normal. Mas não é. Entre os comportamentos malucos da água, na fase sólida, está o gelo que flutua se jogado na fase líquida da água. Isso não é nada normal. A maioria dos materiais, na fase sólida, afunda nas mesmas condições. Com a redução da temperatura para transformar um líquido num sólido, a tendência é as partículas ficarem mais juntinhas (como a gente, quando se encolhe em um dia frio). Só que a água, é o contrário, ela se expande (uma lata de refrigerante no congelador fica estufada, pois as moléculas se afastam). A água fica menos densa no estado de gelo e flutua se imersa na água em fase líquida. A parafina usada no surfe, por exemplo: se derretermos ela e colocarmos dentro um pedaço sólido da mesma substância, vai afundar. A água tem mais de 70 anomalias. Todas esses comportamentos “estranhos” têm a ver com algo que foi útil ao Ser Humano ao longo do tempo.
Que história é essa de anomalias da água, professora?
A água é fundamental para vida, isso me encanta. A natureza soube usar as maluquices da água como uma vantagem para a sobrevivência. Por exemplo? O gelo flutuar na água permite que, quando eu tenha o inverno no Hemisfério Norte, e os rios e lagos congelem, fica uma “aguinha” lá no fundo que não congela. No Período Glacial do nosso planeta havia vida embaixo da camadinha de gelo.
O que há de tão estranho no movimento da água?
Meu grupo de pesquisa na Ufrgs estuda a anomalia da mobilidade da água. A capacidade das partículas de se moverem de um lugar a outro. O normal na natureza é as partículas perderem mobilidade quando colocadas juntinhas (como num engarrafamento de carros). Mas a água em baixas temperaturas aumenta a mobilidade dela, a medida que colocamos mais partículas de água. Nosso grupo descobriu como a água faz isso, com simulações no computador. A água, nas ligações de hidrogênios, (pensemos em moléculas se dando as mãos), quando ela ganha mais partículas, ela tem mais parceiras para ligações e se move mais rápido.
Há uma utilização prática?
Fizemos uma experiência e colocamos as moléculas de água em nanotubinhos (pense em um fio de cabelo dividido em 60 mil fatias, uma fatia seria o nanotubo). Dentro desse tubinho a água se move mais do que deveria. As partículas da água formam fila indiana e correm rápido. A água gosta do tubo, o sal não gosta. Misturamos água e sal e propusemos filtros para dessalinizar água do mar.
A lista completa
Adriana Barbosa (Empreendedora social);
Andrea Marques de Almeida (Diretora de finanças da Petrobras);
Anitta (Cantora e empresária);
Camila Coutinho (Influenciadora digital);
Carolina Ignarra (Cofundadora da Talento Incluir);
Claudia Woods (Diretora geral da Uber);
Cristiana Junqueira (Cofundadora do Nubank);
Daniela Cachich (VP de marketing da PepsiCo);
Fernanda Feitosa (Criadora e diretora da SP-Arte);
Joyci Lin (CEO da GO Eyewear);
Marcia Barbosa (Doutora em física eleita para a Academia Mundial de Ciências);
Maria Cristina Peduzzi (Presidente do Tribunal Superior do Trabalho);
Marina Kaufman (diretora de marketing da Vivara);
Natalia Mota (Pesquisadora do Instituto de Cérebro);
Natalie Klein (Fundadora da NK Store);
Neca Setubal (Socióloga);
Paola Carosella (Chef);
Patrícia Bonaldi (Estilista);
Renata Lo Prete (Jornalista)
e Tereza Cristina Dias (Ministra da Agricultura)
“Uma vez estava montando um forno elétrico no laboratório da escola em Canoas, peguei tijolos, coloquei resistência, só que quando fui ligar tudo, derrubei o disjuntor e o colégio todo ficou sem luz”, recorda com bom humor a cientista, pós-doutora em Física pela Ufrgs Marcia Barbosa, 56. “Se o diretor do Marechal Rondon Eberhardt Frank estiver lendo vai ser a primeira vez que o fato vem a público.”
Nos últimos dias, Marcia ficou conhecida do grande público ao figurar na lista das mulheres mais poderosas do Brasil, da Revista Forbes (publicação mais direcionada ao mundo corporativo e de finanças). Estudiosa das anomalias da água (ver página ao lado), a professora descobriu características singulares do líquido que poderão permitir, no futuro, a dessalinização da água do mar e o abastecimento aos que não têm acesso. O momento de celebridade da pesquisadora tem sido utilizado por ela para amplificar a voz feminina dentro do mundo científico. Fora desse círculo, em tempos de terraplanistas e outras explicações mais esotéricas do mundo, Marcia quer fincar pé sobre a relevância da busca por conhecimento. “Fazer ciência é um motor de inovação, a universidade forma engenheiros, que geram desenvolvimento”, afirma. “No Brasil a soja não dava bem no passado, mas a cana dava. Por meio da pesquisa da Embrapa, viu-se que uma bactéria ajudaria, em vez de se recorrer a insumos agrícolas. Isso é ciência.” Cita também o caso da insulina a partir dos suínos (que gerava alergia em vários pacientes diabéticos). “Pela ciência, a proteína humana passou a ser utilizada para produzir insulina, hoje está no mercado. Quem fez isso? Um brasileiro.”
Inspiração
Na infância em Canoas, graças ao pequeno laboratório de pesquisa do Colégio Estadual Marechal Rondon, Marcia se apaixonou pelas pesquisas, apesar do leve acidente com o forno elétrico citado na abertura desta reportagem. “Lembro dos professores, Marli, era a de Literatura, se dedicava tanto, que cedia a biblioteca particular dela, lá conheci Graciliano e Guimarães Rosa; Os irmãos Balbinot foram grandes professores de Física e Matemática”, recorda. “À noite, no Rondon, eu me dedicava à montagem dos equipamentos de pesquisa ganhos da Comunidade Luterana, tudo isso está no meu interesse por seguir carreira na pesquisa.”
O olhar do preconceito
“Segui na Física, tentando ser uma voz da mulher na universidade e dos egressos da escola pública”, comenta. “Morei dois anos em Maryland (EUA), eu era uma latina com cara de latina, conhecia o olhar do preconceito, já tinha visto esse olhar e consegui seguir adiante.” Vencendo os olhares estrangeiros, retorna ao Brasil e vira professora da Ufrgs. “Percebi que os caminhos eram mais fáceis para os homens, mas não baixei a guarda.” A União Internacional de Físicos montaria um comitê para analisar a falta de mulheres e Marcia tornou-se nossa representante. “Formamos uma rede de mulheres do mundo todo.”
Lattes invejável de pós-doutora em Física
Marcia é pós-doutora em Física formada pela Boston University e University of Maryland. Pelo estudo da água ganhou o Loreal-Unesco de Mulheres nas Ciências Físicas e o Claudia em Ciência (2013). Atua em questões de gênero e ganhou a Medalha Nicholson da American Physical Society, em 2009. Em 2019, foi eleita membro da Academia Mundial de Ciências. Em 2020, foi mencionada pela ONU Mulheres como uma das sete cientistas que moldam o mundo.
Oito mulheres versus 72 homens
“O Brasil é campeão mundial em participação feminina em artigos científicos”, destaca. “É menos pior que em outros países, mas precisamos atrair mais meninas às ciências exatas.” O estranhamento veio ao ingressar como aluna na universidade. “Quando entrei, a sala de Física só tinha oito mulheres (de um total de 80 alunos)”, recorda. “Pelos corredores, vi que ali não era lugar de mulheres no poder e meus colegas não vinham de escolas públicas.”
"A natureza soube usar as maluquices da água", explica
Eu sou uma Física. O que eu faço são modelos matemáticos e computacionais. Há 20 anos estudo a água. Ela tem uma série de comportamentos físicos, diferentes dos outros materiais. A gente não se assombra com os fenômenos da água porque ela está em todo lugar e a gente pensa que é o normal. Mas não é. Entre os comportamentos malucos da água, na fase sólida, está o gelo que flutua se jogado na fase líquida da água. Isso não é nada normal. A maioria dos materiais, na fase sólida, afunda nas mesmas condições. Com a redução da temperatura para transformar um líquido num sólido, a tendência é as partículas ficarem mais juntinhas (como a gente, quando se encolhe em um dia frio). Só que a água, é o contrário, ela se expande (uma lata de refrigerante no congelador fica estufada, pois as moléculas se afastam). A água fica menos densa no estado de gelo e flutua se imersa na água em fase líquida. A parafina usada no surfe, por exemplo: se derretermos ela e colocarmos dentro um pedaço sólido da mesma substância, vai afundar. A água tem mais de 70 anomalias. Todas esses comportamentos “estranhos” têm a ver com algo que foi útil ao Ser Humano ao longo do tempo.
Que história é essa de anomalias da água, professora?
A água é fundamental para vida, isso me encanta. A natureza soube usar as maluquices da água como uma vantagem para a sobrevivência. Por exemplo? O gelo flutuar na água permite que, quando eu tenha o inverno no Hemisfério Norte, e os rios e lagos congelem, fica uma “aguinha” lá no fundo que não congela. No Período Glacial do nosso planeta havia vida embaixo da camadinha de gelo.
O que há de tão estranho no movimento da água?
Meu grupo de pesquisa na Ufrgs estuda a anomalia da mobilidade da água. A capacidade das partículas de se moverem de um lugar a outro. O normal na natureza é as partículas perderem mobilidade quando colocadas juntinhas (como num engarrafamento de carros). Mas a água em baixas temperaturas aumenta a mobilidade dela, a medida que colocamos mais partículas de água. Nosso grupo descobriu como a água faz isso, com simulações no computador. A água, nas ligações de hidrogênios, (pensemos em moléculas se dando as mãos), quando ela ganha mais partículas, ela tem mais parceiras para ligações e se move mais rápido.
Há uma utilização prática?
Fizemos uma experiência e colocamos as moléculas de água em nanotubinhos (pense em um fio de cabelo dividido em 60 mil fatias, uma fatia seria o nanotubo). Dentro desse tubinho a água se move mais do que deveria. As partículas da água formam fila indiana e correm rápido. A água gosta do tubo, o sal não gosta. Misturamos água e sal e propusemos filtros para dessalinizar água do mar.
A lista completa
Adriana Barbosa (Empreendedora social);
Andrea Marques de Almeida (Diretora de finanças da Petrobras);
Anitta (Cantora e empresária);
Camila Coutinho (Influenciadora digital);
Carolina Ignarra (Cofundadora da Talento Incluir);
Claudia Woods (Diretora geral da Uber);
Cristiana Junqueira (Cofundadora do Nubank);
Daniela Cachich (VP de marketing da PepsiCo);
Fernanda Feitosa (Criadora e diretora da SP-Arte);
Joyci Lin (CEO da GO Eyewear);
Marcia Barbosa (Doutora em física eleita para a Academia Mundial de Ciências);
Maria Cristina Peduzzi (Presidente do Tribunal Superior do Trabalho);
Marina Kaufman (diretora de marketing da Vivara);
Natalia Mota (Pesquisadora do Instituto de Cérebro);
Natalie Klein (Fundadora da NK Store);
Neca Setubal (Socióloga);
Paola Carosella (Chef);
Patrícia Bonaldi (Estilista);
Renata Lo Prete (Jornalista)
e Tereza Cristina Dias (Ministra da Agricultura)
Nos últimos dias, Marcia ficou conhecida do grande público ao figurar na lista das mulheres mais poderosas do Brasil, da Revista Forbes (publicação mais direcionada ao mundo corporativo e de finanças). Estudiosa das anomalias da água (ver página ao lado), a professora descobriu características singulares do líquido que poderão permitir, no futuro, a dessalinização da água do mar e o abastecimento aos que não têm acesso. O momento de celebridade da pesquisadora tem sido utilizado por ela para amplificar a voz feminina dentro do mundo científico. Fora desse círculo, em tempos de terraplanistas e outras explicações mais esotéricas do mundo, Marcia quer fincar pé sobre a relevância da busca por conhecimento. “Fazer ciência é um motor de inovação, a universidade forma engenheiros, que geram desenvolvimento”, afirma. “No Brasil a soja não dava bem no passado, mas a cana dava. Por meio da pesquisa da Embrapa, viu-se que uma bactéria ajudaria, em vez de se recorrer a insumos agrícolas. Isso é ciência.” Cita também o caso da insulina a partir dos suínos (que gerava alergia em vários pacientes diabéticos). “Pela ciência, a proteína humana passou a ser utilizada para produzir insulina, hoje está no mercado. Quem fez isso? Um brasileiro.”