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Municípios investem no plantio de árvores para ter conforto térmico e garantir série de outros benefícios

Na região, prefeituras aplicam planos de arborização que resultam em espaços de convivência e sustentabilidade no crescimento urbano. Estado prevê lei com diretrizes de arborização urbana

Publicado em: 11/10/2024 13:29
Última atualização: 11/10/2024 13:46

Sensação de bem-estar, beleza, temperatura amena, abrigo e valorização dos imóveis. A lista de benefícios de espaços urbanos arborizados é longa. As árvores são responsáveis por regular o clima ao absorver o gás carbônico para transformá-lo em oxigênio. São nelas que ainda está uma das principais garantias de uma melhor qualidade de vida nas cidades: o conforto térmico. Mas não basta apenas boa vontade para que o concreto abra espaço às árvores. É preciso planejamento. Em busca disso, municípios têm criado o chamado Plano Diretor de Arborização Urbana (PDAU).

A aplicação do PDAU ainda não é uma obrigação federal ou estadual, mas as discussões para isso já estão acontecendo aqui no Rio Grande do Sul. O governo do Estado apresentou projeto de lei com diretrizes para os Planos Municipais de Arborização Urbana e, também, para o manejo de vegetação nativa e exótica próximas às redes de distribuição e linhas de transmissão de energia elétrica.


Árvores no ambiente urbano exigem critérios e manutenção Foto: Paulo Pires/Arquivo GES

Secretária Estadual do Meio Ambiente e Infraestrutura, Marjorie Kauffmann estima que o projeto seja encaminhado à Assembleia Legislativa até a metade de outubro. "Existem municípios que têm seus planos de arborização urbana, mas não são obrigatórios no Estado e por legislação nacional também não há a obrigatoriedade. Essas iniciativas são por conta dos municípios", explica Marjorie.

A secretária conta que, quando não existe um regramento específico, o tema costuma ser tratado nos planos diretores, com foco no plantio de árvores em novas áreas da cidade. "O que queremos trazer (com o projeto de lei) são as árvores como um equipamento urbano de conforto térmico, mas também de paisagístico e de qualidade do ar", pontua.

Marjorie defende que as árvores melhoraram a relação das pessoas com o meio urbano. “Elas são equipamentos importantes da qualidade de vida, vão proporcionar alguns graus a menos de temperatura em dias de calor, trazem uma conservação das vias pelo sombreamento, além de participarem na questão da qualidade do ar e da parte paisagística", atesta Marjorie, engenheira florestal e mestre em Ambiente e Desenvolvimento.

A secretária estadual lembra que o Rio Grande do Sul tem um dos maiores índices de arborização urbana, com o exemplo de Porto Alegre, mas é preciso que isto seja acompanhado por planejamento. "Temos este elemento, mas precisamos trazer ele para uma parte técnica mais avançada, que é escolher a árvore certa, plantar no tempo certo, dar um manejo certo, para que não se transforme num problema gigante no futuro.”

Ela salienta que, assim como todas as outras infraestruturas da cidade precisam de manutenção, as árvores no ambiente urbano não são como uma floresta nativa intacta. “Elas precisam da intervenção permanente das secretarias de meio ambiente, de obras e das concessionárias que vão dar essa segurança para a população", conclui.


Canoas é uma das cidades da região com plano de arborização urbana Foto: Paulo Pires/Arquivo GES

Cidades da região têm plano municipal

Segundo a Sociedade Brasileira de Arborização Urbana (SBAU), de 20 municípios gaúchos que responderam ao questionamento sobre o tema, 13 possuem planos de arborização implantados, entre eles estão Canoas e Campo Bom. Em levantamento realizado pelo Grupo Sinos, com as principais cidades de sua área de abrangência, Estância Velha, Esteio e São Leopoldo também confirmaram que têm PDAUs por meio de legislação municipal.

Ex-presidente da Sociedade Brasileira de Arborização Urbana (SBAU), o biólogo Flávio Barcelos defende que o planejamento urbano é essencial para o maior número de árvores nas cidades. "Na medida em que os municípios têm planos Diretor de Desenvolvimento Urbano e de Arborização, está consolidada a base ideal para termos cidades bem arborizadas”, afirma. "Essa floresta urbana tem que ser preservada, fomentada e expandida com planejamento. No entanto, é ainda mais importante a preservação dos recursos naturais, principalmente margens de rios, córregos, arroios e riachos, bem como as florestas nativas", salienta.

Biólogos enumeram benefícios

Vice-presidente da SBAU, a bióloga Ketleen Grala reforça que o plantio de árvores em áreas públicas, como ruas e praças, é essencial para reduzir as ilhas de calor, melhorar a qualidade do ar e proporcionar sombra, o que é especialmente benéfico em períodos de temperatura elevada.

Ketleen defende ainda que a criação de infraestrutura verde, incluindo parques e áreas permeáveis, ajuda a absorver a água da chuva e reduz o risco de enchentes. Além disso, incentivar edificações adaptadas, com isolamento térmico adequado e telhados verdes, contribui para uma maior eficiência energética e conforto térmico.

Diretor do Departamento de Gestão Ambiental de Campo Bom,  o biólogo Jeferson Timm salienta que a copa das árvores intercepta as gotas de chuva e a energia solar, proporcionando maior estabilidade ao microclima local. “A água da chuva retida pelas folhas é dissipada com menor energia e velocidade, infiltrando no solo com maior facilidade em áreas com vegetação. A água também é armazenada na biomassa das plantas, seja na superfície dos tecidos ou absorvida pelas raízes” detalha.

Para completar, Timm observa que o sombreamento interfere diretamente na temperatura local, oferece conforto térmico aos pedestres, diminui os efeitos de dilatação e contração em áreas pavimentadas, reduzindo a necessidade de reparos e manutenção. “Estes mecanismos ajudam a amenizar as ilhas de calor formadas por áreas impermeabilizadas pelo asfalto e concreto.”

Quanto mais árvores, mais...

* Assimilação do dióxido de carbono presente na atmosfera e liberação de oxigênio;
* Absorção do calor solar refletido pelas vias e prédios da zona urbana, colaborando com a manutenção da temperatura;
* Retenção de poeira e demais particulados em suspensão no ar, através da superfície foliar;
* Formação de cortinamentos vegetais capazes de amenizar efeitos do vento, luminosidade excessiva, odores e ruídos;
* Influência no balanço hídrico, favorecendo a interceptação e infiltração da água no solo e posterior devolução da água para o ambiente através da evapotranspiração (água é evaporada da superfície do solo e das plantas através da transpiração);
* Melhoria do efeito estético e paisagístico da cidade, proporcionando bem-estar psicológico ao homem;
* Formação de zonas sombreadas para circulação da população e estacionamento de veículos;
* Constitui-se de abrigo e passagem para a fauna silvestre, que por consequência, acaba colaborando para o equilíbrio da cadeia alimentar e diminuição de pragas e agentes vetores de doenças;
* Melhora a saúde física e mental, o paisagismo e a economia (turismo, valorização imobiliária).
*Protege o alimento para a fauna, proporciona polinização, dispersão de espécies da flora, proteção das águas, proteção do solo contra erosão e deslizamentos, absorção de poluentes, barreiras contra o vento e contra a poluição (sonora, visual, atmosférica)

Fontes:
 Diretor do Departamento de Gestão Ambiental de Campo Bom, Jeferson Timm, e secretária de Meio Ambiente de Estância Velha, Viviane Diogo


Campo Bom investe no projeto Pomares Urbanos Foto: Susi Mello/GES-Especial

Campo Bom investe nas árvores para reduzir o calor

Ao elaborar um PDAU, alerta o biólogo Barcelos, os municípios devem levar em conta as características regionais, tais como clima, solo, relevo e suas espécies arbóreas nativas regionais. Ainda têm que se ater aos seus recursos técnicos e financeiros para um bom gerenciamento.

Para ele, é fundamental que as cidades iniciem com a implantação de viveiros de mudas arbóreas. A partir daí é necessário promover intercâmbio com municípios bem estruturados na área de arborização urbana para realização de cursos de qualificação e capacitação de gerenciamento.

Em Campo Bom, o aumento do plantio de árvores em espaços públicos tem sido a saída para tentar reduzir os impactos causados pelo calor. Segundo Timm, entre árvores distribuídas para população, plantadas em projetos de reflorestamento, arborização de áreas de lazer e passeios públicos, tem sido plantadas cerca de duas mil a três mil árvores por ano. "Estima-se que cerca de doze mil árvores foram plantadas desde 2020", sublinha.

Alguns locais de destaque são o estacionamento e mata ciliar do Arroio Quatro Colônias, o Pomar Urbano do bairro Bela Vista e plantios às margens do Arroio Schmidt, ao longo do Parcão.

Um dos exemplos é o o primeiro do projeto Pomares Urbanos, que recebeu aproximadamente 300 árvores plantadas, entre frutíferas, nativas e exóticas. A inauguração do projeto, que integra o Plano Municipal de Arborização Urbana, ocorreu em março deste ano, no bairro Bela Vista.


Casais aproveitam pomares urbanos Foto: Susi Mello/GES-Especial

O local foi remodelado para receber as árvores que daqui a cinco anos devem já dar os primeiros frutos. Mas, enquanto isso, moradores aproveitam o espaço. O casal de aposentados José Mauro Faccin, 62 anos, e Marlene Faccin, 66, está entre eles. Aproveitaram ainda a visita de Sandra Martini, 53 anos, e Leonel Martini, 64, para visitar o local.

Faccin defende que a arborização urbana é essencial para a qualidade de vida. "O meio ambiente é tudo hoje em dia. Nunca é demais plantar árvores. A cidade foi crescendo e disputando com a natureza, mas Campo Bom tem muitas praças e muito verde", detalha.

Moradora de Três de Maio, no noroeste, Sandra conta que a natureza ainda impera por lá. "Tem se tido um cuidado importante. Tem muita gente interessada em preservar. Nós mesmos temos 20 hectares de mata nativa, em preservação, que herdamos do meu pai que deixou esse legado. A nossa região vive da agricultura, mas penso que mesmo em realidades diferentes na economia, algumas cidades estão preocupadas em manter o verde", arremata Sandra.


Canoas é outra cidade a investir em arborização urbana Foto: Susi Mello/GES-Especial

Canoas já tem mapeadas as árvores

Já em Canoas, o Plano Municipal de Arborização Urbana completou um ano em vigor em agosto deste ano. Segundo o engenheiro agrônomo da Unidade de Arborização Urbana da Secretaria de Meio Ambiente, Fernando Ferrari Sobrinho, a partir do levantamento das árvores do município foi caracterizada e quantificada a arborização pública, permitindo identificar os problemas e apontar soluções.

"O plano, associado a outras práticas sustentáveis, pode contribuir para a melhoria do microclima da cidade. As bolhas de calor, que se formam pelo excesso de impermeabilização do solo e de pavimentação, podem ser amenizadas com o plantio de árvores que proporcionem uma boa cobertura de copas", acrescenta.

O engenheiro agrônomo explica que a arborização das ruas e áreas verdes é importante porque promove corredores verdes. "No plano foram demarcados locais de plantio por bairros da cidade. As espécies arbóreas foram classificadas de acordo com o porte, sendo pequenas, médias e grandes. Desta forma, para cada local é levado em consideração o espaço disponível para indicar um tipo. São priorizadas espécies nativas, como os ipês, araçá, pitanga, pata-de-vaca, dentre outras", complementa.

Situação em outras cidades da região

Estância Velha - O Plano Diretor de Arborização Urbana (PDAU) foi atualizado pela Lei Municipal 2.672/2022. Segundo a secretária de Meio Ambiente, Viviane Diogo, além da questão legal, o plano é fundamental para orientar a população sobre o manejo da arborização, como a necessidade de solicitação de autorização para manejo junto à Secretaria de Meio Ambiente, Pecuária e Agricultura (Semapa), melhor época e forma correta de realizar podas, as espécies arbóreas que são indicadas para plantio conforme o local, entre outras orientações.

Esteio - O município tem o Plano de Arborização Urbana desde 2022. Conforme o secretário de Desenvolvimento Econômico e Meio Ambiente, William Papi, a ideia para 2025 é estabelecer um cronograma de como atingir as metas de implantação da arborização urbana. “O objetivo é realizar os manejos de plantio e substituição de árvores, buscando atingir no mínimo 95% das vias públicas, ter no mínimo uma árvore por habitante e ofertar áreas verdes e de preservação de no mínimo 12 metros quadrados por habitante.”

São Leopoldo - O biólogo Joel Garcia Dias, assessor de gestão da Secretaria Municipal do Meio Ambiente, informa que o Plano Municipal de Arborização Urbana está em vigor desde 2010. Agora está em fase de revisão participativa, com um fórum de debate sobre a arborização urbana, multidisciplinar, envolvendo a comunidade, a prefeitura, empresas, como a RGE, universidade e outros técnicos.

"A cidade é toda arborizada, com áreas e zonas com maior ou menor grau, mas não há regiões ou bairros sem árvores", frisa. Dias acrescenta que é necessário recuperar e ampliar a arborização e o planejamento será direcionado para as áreas que sofreram com os impactos das enchentes. Ele exemplifica que as árvores mais encontradas na cidade são jacarandá-mimoso, sibipiruna, ipê-amarelo, tipuana, cássia-rosa, pau-ferro, canafístula, pata de vaca, ingá, chal-chal, entre outras. Mas também há uma série de outras árvores inadequadas, plantadas pelos moradores e que causam problemas e danos, como canela da índia, uva do japão, jambolão, manga, eucalipto, ficus benjamina, plátano, pinus, cinamomo, ligustro e abacateiro.

Responsabilidade de todas pastas

Segundo o biólogo Flávio Barcelos, o plano de arborização urbana não pode ser um instrumento discutido exclusivamente pelo órgão ambiental municipal. Para ele, a elaboração do plano deve envolver todas as secretarias municipais, que, em seus serviços rotineiros, interagem com a arborização, iluminação pública, passeios públicos, pista de rolamento, redes de esgotos pluviais, cloacais e de abastecimento de água potável, sinalização viária, limpeza urbana, redes elétricas, entre outros.

"Interagindo com esses órgãos municipais e estaduais, consolida-se a importância da arborização pública e urbana perante a essas instâncias públicas que, de uma forma ou de outra, interagem com a arborização urbana.”

Na existência do plano, continua o biólogo, qualquer obra pública, de qualquer secretaria que interage com a arborização (implantação de ciclovias, alargamento de ruas e avenidas, drenagem urbana), deve submeter seus projetos à secretaria municipal de meio ambiente ou ao órgão correspondente.


Ipês roxos são espécies indicadas Foto: Igor Müller/GES-Especial

Quais árvores são recomendadas ao meio urbano?

Segundo Barcelos, diferentes espécies podem ser plantadas em áreas urbanas. Porém, recomenda que árvores de copas arredondadas, como ipês (amarelos, roxo, rosa), jacarandás, carobas, cocão, chal-chal e pitangueiras se adaptem melhor ao meio urbano. 

As árvores de folhas compostas, que é o caso de ipês, jacarandás e carobas, têm mais capacidade de reter partículas poluentes, bem como “quebrar” mais a intensidade da chuva e proporcionar boas sombras, permitindo um mosaico de sombra e sol nos dias de primavera e verão.

As cidades, em seu entendimento, estão buscando se adaptar para comportar árvores de maior porte. Porém, acrescenta, é necessário que os passeios públicos tenham largura igual ou superior a quatro metros. "Toda árvore de grande porte necessita de canteiros gramados, com largura mínima de dois metros, restando outros dois metros para passagem de pedestres (calçadas)", observa.

"Árvores de grande porte, a partir de 12 a 15 anos pós-plantio, formam túneis verdes perfeitos. Visto de cima temos formato de um extenso ‘colchão verde’ formado pelas copas das árvores, onde uma sustenta a copa das outras. Estabelece-se ali um microciclo com estabilidade de temperatura durante o dia inteiro, nas quatro estações do ano", afirma.

Onde plantar?

Ketleen aponta ainda que o plantio em calçadas e praças deve ser priorizado, pois essas áreas de grande circulação beneficiam diretamente os moradores com sombra e conforto térmico. Além disso, é essencial que novos loteamentos urbanos incluam áreas verdes em seus projetos, garantindo que o crescimento urbano seja acompanhado por espaços de convivência e sustentabilidade.

E, para completar, a bióloga diz que a manutenção e a poda regular das árvores são igualmente importantes para garantir sua saúde e a segurança da população, evitando quedas e outros problemas. "Em relação às podas, é fundamental que elas sejam realizadas com base em critérios técnicos rigorosos", complementa, destacando que a SBAU tem desempenhado um papel crucial nesse aspecto ao oferecer formações técnicas, organização de palestras, congressos e rodas de conversa sobre arborização urbana, com a finalidade de ter um alcance abrangente na sociedade.

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