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INCLUSÃO E REPRESENTATIVIDADE

Moradoras da região falam sobre os desafios de viver no país que mais mata pessoas trans

Elas contam sobre a luta por respeito e dignidade; pelo 15º ano consecutivo Brasil é o que mais registra assassinatos de pessoas transsexuais no mundo

Giordanna Vallejos
Publicado em: 15/07/2024 às 21h:43
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Desde o início do levantamento do Trans Murder Monitoring (TMM), pelo 15º ano consecutivo, o Brasil tem sido o país que mais reporta assassinatos de pessoas transsexuais no mundo.

Moradoras da região falam sobre os desafios de viver no país que mais mata pessoas trans | abc+



Moradoras da região falam sobre os desafios de viver no país que mais mata pessoas trans

Foto: Arquivo pessoal

Segundo a Associação de Travestis e Transexuais (Antra), a expectativa de vida de pessoas transgênero no Brasil é de até 35 anos de idade. Em 2023, houve um aumento de mais de 10% nos casos de assassinatos de pessoas trans em relação a 2022.

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Analisando os índices de assassinatos entre 2017 e 2023, a média de pessoas trans negras assassinadas é de 78,7%, enquanto para pessoas brancas esse índice cai para 21,1%. Esses números expõem uma realidade cruel, em que a cor da pele e a identidade de gênero juntas amplificam a vulnerabilidade e o risco de vida no país. 

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Diante dessa realidade, a reportagem conversou com três mulheres trans que residem nos vales do Sinos e Caí, sobre a luta diária por respeito e dignidade, que muitas vezes começa na infância, ainda na escola, e prossegue pela vida adulta, tanto no mercado de trabalho quanto na sociedade como um todo. 

Ísis: Do bullying na escola a representação de mulheres na sociedade

Ísis Bragança  | abc+



Ísis Bragança

Foto: Arquivo pessoal

Ísis Bragança, de Estância Velha, foi a primeira mulher trans eleita para compor a corte principal do carnaval de Novo Hamburgo. Mas para além de samba no pé, ela precisou de muito jogo de cintura para lidar com o preconceito.

Ela vive uma história de vida marcada por desafios desde a infância. “A maioria das pessoas não sabe, mas sou uma pessoa cardíaca. Passei muito tempo em hospital com convulsões e não descobriram o que era”, diz Ísis.

Na escola, ela enfrentava bullying constante, sendo motivo de chacota e agressões. “Eu era uma criança triste. Os principais preconceitos e os que mais me machucaram, foram os da infância, os quais não sabia me defender. No tempo da escola, quando mais queria brincar, eu era chacota, era saco de pancada, era a que mais apanhava e lutei para ter tudo que tenho hoje.”

Ísis conta que mesmo tendo nascido com o gênero masculino, sempre se sentiu uma mulher. Ela explica que desde criança já deixava de lado carrinhos e preferia bonecas ou objetos na cor rosa, que a lembravam da energia feminina.

Para ela, mesmo que na rua fosse sofrer apenas por ser quem é, a certeza da aceitação e do amor dos pais fez toda a diferença no processo. “Tive meus pais sempre comigo e sempre foram a minha proteção, fui muito bem amparada. Não tive muitos amigos, pois apanhei bastante na rua. Mas sempre aprendi com meus pais que precisava aprender a dar a volta por cima”.

Sua transição foi iniciada por conta própria com hormônios, o que lhe trouxe complicações de saúde, como problemas nos rins. Depois disso, ela passou a buscar apoio médico com a Feevale e recomenda que as pessoas trans sempre busquem apoio profissional na transição.

Ísis destaca a importância de ter mulheres trans emblemáticas na sociedade, mudando a realidade e superando preconceitos. Para ela, cada passo da transição mudou sua autoestima. “Todos os procedimentos que tive até hoje fizeram a minha autoestima de 0 a 100, para me sentir da forma que quero estar, me sinto muito confiante e cada vez me sinto mais realizada”.

Com essa confiança, conquistada pelo apoio dos pais e pela força de não desistir em meio ao sofrimento, ela desfila nas escolas de samba, representando os direitos das mulheres transexuais na sociedade.

Maria Luiza e a luta diária para ter sua identidade reconhecida 

Maria Luiza da Silva da Costa | abc+



Maria Luiza da Silva da Costa

Foto: Arquivo pessoal

Maria Luiza da Silva da Costa, de 33 anos e natural de Montenegro, também conta sobre sua história. “Meus primeiros anos foram como de qualquer outra criança feliz e saudável. Minha maior conquista foi ter uma família que sempre me apoia”, conta.

Ela iniciou sua transição aos 14 anos, optando pela terapia hormonal. “Minha transição envolveu uso de hormônios e algumas cirurgias. Foram super importantes, para me deixar mais confortável com o meu próprio corpo, e com a minha autoestima”, explica ela.

Segundo Maria Luiza, o preconceito e a discriminação ainda assustam grande parte da população, principalmente transexuais e travestis. “É uma realidade cruel, que leva a maioria a abandonar os estudos e enfrentar dificuldades de inserção no mercado de trabalho. Além do próprio risco de vida, por apenas sermos quem somos”.

Para Maria Luiza, ser mulher trans é uma condição de resistência ininterrupta. “É lutar diariamente para ter minha identidade de gênero reconhecida. Ou seja, é ter que lutar diariamente em qualquer espaço que eu esteja para ser tratada enquanto uma mulher, para ser respeitada enquanto cidadã e para ter os meus direitos garantidos”.

Kammile Victória: “Enfrento muita dificuldade para conseguir um emprego”

Kammile Victória | abc+



Kammile Victória

Foto: Arquivo pessoal

Kammile Victória, de 32 anos, moradora de Novo Hamburgo e babysitter, teve uma infância feliz até enfrentar a separação dos pais e a rejeição da mãe ao assumir sua identidade de gênero. “Desde criança, me identificava com o sexo feminino. Sempre me sentia mulher”, conta.

“A maioria das pessoas entende essa situação, mas elas não querem aceitar quando acontece na família delas. Quando decidi mostrar quem eu era para o mundo tive uma forte rejeição da minha mãe, mas hoje vejo que minha vó e minha irmã sempre estiveram do meu lado, e os amigos de verdade me deram muita força para poder enfrentar as agressões verbais e físicas que sofri”, explica ela.

Seu processo de transição foi sem o uso de hormônios ou procedimentos estéticos inicialmente. “Hoje faço acompanhamento psicológico para tratar depressão e ansiedade e agora solicitei um acompanhamento para começar o tratamento hormonal.”

De acordo com a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), os dados levantados em 2020 revelaram que apenas 13,9% das mulheres trans e travestis possuem empregos formais, evidenciando uma exclusão sistemática do mercado de trabalho.

Kammile ressalta a dificuldade de inserção no mercado de trabalho, especialmente sendo uma mulher trans, negra e periférica. “Enfrento muita dificuldade para conseguir um emprego. Essa dificuldade faz com que muitas mulheres trans acabem na prostituição. Ser mulher trans é um significado de poder e resiliência, mas também de luta constante por respeito e reconhecimento.”

“Já faz anos que o Brasil é um dos países que mais mata transexuais. Hoje a gente se sente um pouco mais confiante para sair na rua, mas o medo é constante, é diário. Você sai de casa, sem a certeza que você volta. Por ser quem você é, pode acabar sendo agredida, pode acabar sendo morta, é uma realidade bastante assustadora”, relata ela, emocionada.

A realidade das pessoas trans no Brasil é marcada, muitas vezes, por violência, preconceito e exclusão. No entanto, histórias como as de Ísis, Maria Luiza e Kammile mostram a força destas mulheres.

“Não precisamos que aceitem, mas que as pessoas apenas respeitem como o outro é”, conclui Kammile, ecoando um desejo de muitas mulheres trans, que lutam por um futuro mais justo e igualitário.

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