Lançada dez anos após a tragédia da Boate Kiss, a minissérie da Netflix “Todo Dia a Mesma Noite” tem recebido críticas e manifestações de apoio desde sua estreia, em 25 de janeiro de 2023. A produção é uma ficção baseada no livro de mesmo nome da jornalista Daniela Arbex, que trata do incêndio que matou 242 pessoas na casa noturna em Santa Maria.
Nesta terça-feira (31), o Ministério Público do Rio Grande do Sul (MP/RS) divulgou uma nota sobre o conteúdo, em que afirma que a minissérie, apesar de se apresentar como uma ficção, “contribui para a desinformação e para a criação de uma memória coletiva contaminada por versões e por fatos que não ocorreram como apresentados”.
No texto, o órgão ressalta que o trâmite na Justiça ainda está em andamento e que um novo júri pode vir a ser marcado. Em dezembro de 2021, quatro réus chegaram a ser condenados pelo incêndio, mas, meses depois, o julgamento foi anulado, e os acusados, soltos. Para o MP/RS, o canal de streaming comete um ato grave ao expor “uma versão para a opinião pública de um caso ainda em tramitação, que poderá ser objeto de novo júri popular”.
Grupo de famílias pode processar Netflix
Quem também condenou a produção audiovisual foi um grupo de 42 famílias de vítimas, que estuda ir à Justiça contra a Netflix. Os parentes afirmam que não foram consultados e dizem estar incomodados com parte das cenas e com o que classificam como “comercialização da tragédia”. O empresário Eriton Luiz Tonetto Lopes é um dos líderes do movimento e alega ter sido pego de surpresa.
“A maioria não foi ouvida, então me achei no direito de protestar”, conta ele, que perdeu a filha Evelin, com 19 anos, na tragédia. O pai alega que os responsáveis pela minissérie não teriam procurado os familiares de outras vítimas além das retratadas nas obras. Lopes garante que os pais não vão procurar qualquer indenização da empresa. “Não queremos dinheiro da Netflix, a gente quer que parte desse valor arrecadado seja usado para ajudar os sequelados”, diz.
‘Minissérie é diferente do que já foi produzido até agora’
Advogada que representa as famílias, Juliane Korb diz que as medidas legais ainda são avaliadas. “Ainda estamos estudando o que podemos fazer juridicamente a respeito de algumas informações desses pais.” De acordo com ela, o principal motivador para esse movimento dos pais foi a surpresa e falta de comunicação sobre a produção da Netflix.
“Uma minissérie é muito diferente de tudo que foi produzido até hoje de conteúdo jornalístico. Muitos pais não tiveram estrutura psicológica de entrar naquele ginásio para fazer o reconhecimento dos seus filhos, e muitos até hoje não tiveram coragem de se deparar com essas imagens”, afirma. “E a série traz no trailer imagens desse momento.”
Juliane diz que o primeiro pedido a ser feito diretamente à Netflix é uma adequação desse trailer, pois as imagens já teriam despertado problemas psicológicos em alguns familiares. “Os familiares envolvidos de forma direta com a associação [AVTSM ] tinham conhecimento, mas faltou sensibilidade da plataforma com os demais pais, serem pelo menos comunicados que estava acontecendo”, observa Juliane. Segundo ela, esses pais apoiam que a história siga sendo contada, mas defendem que isso seja feito por meio de conteúdos jornalísticos e documentários.
Sobre as críticas, a reportagem procurou a assessoria de imprensa da Netflix, mas não obteve retorno até a a publicação desta reportagem.
AVTSM diz que se sentiu representada
Em nota publicada nas redes sociais no último domingo (29), a Associação dos Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria (AVTSM) declarou apoio à produção, disse estar ciente e afirma que se sentiu representada pela minissérie.
Acrescenta ainda que a obra retrata as famílias que chegaram a ser processadas por críticas ao trabalho do Ministério Público na época.
*Com informações de Estadão Conteúdo
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