INQUÉRITO
Médico investigado por mortes de pacientes é acusado de graves ameaças a brigadianos
"Prepara teu funeral", teria dito cirurgião de Novo Hamburgo para um sargento, com menção também à família do policial, após carro de R$ 800 mil ser guinchado na Serra
Última atualização: 17/01/2024 15:10
No inquérito contra o médico de Novo Hamburgo João Couto Neto, com 23 mortes de pacientes e 71 lesões graves registradas até a última sexta-feira (6), a Polícia Civil menciona boletins de ocorrência da vida pessoal do cirurgião para corroborar traços de um perfil “agressivo e intimidador”. Entre eles, ameaças que o investigado teria feito a dois brigadianos por causa de uma abordagem na Serra. Couto teria conseguido o telefone de um sargento e passado a enviar recados assustadores, como “prepara teu funeral”. O médico não fala à reportagem desde 12 de dezembro, quando a Justiça o proibiu de fazer cirurgias. Ele afirma que é inocente.As ameaças aos policiais estão com ação penal em andamento no fórum de Gramado. Elas iniciaram, segundo as vítimas, quatro dias depois de crime de trânsito ocorrido em 11 de setembro de 2020, na Avenida do Parque, em Canela. Contrariado com o recolhimento do carro, um Mercedes-Benz AMG avaliado em R$ 800 mil, o médico teria dito aos brigadianos que “tomaria providências”.
No dia 15, o sargento que conduziu a abordagem começou a receber mensagens por SMS de número desconhecido de DDD 51. “Bela família para quem bate nos outros. Cuida-te, quem muito mexe acaba mexendo errado”, dizia uma delas, com o nome do policial mencionado no início da frase. No dia seguinte, recebeu quatro ligações de número restrito. A voz masculina falava na morte do sargento.
Foto de consultório
O brigadiano resolveu adicionar o número dos SMS no WhatsApp e apareceu perfil com foto de um homem em consultório médico. O PM ligou de outro telefone e quem atendeu se identificou como médico de Novo Hamburgo de nome “João”. Ao indagar sobre as ameaças, “João” desligou. Em poucos minutos, o sargento recebeu novos recados do mesmo número: “Vou pedir para um mano meu falar contigo” começava o texto, que prosseguiu com palavras confusas. Em seguida, um contato ainda mais insólito. “João” ligou dando gargalhadas.
Imagens associadas e segurança para casa
Os policiais associaram a imagem do homem do WhatsApp à do motorista que teve o carro de luxo guinchado e registraram boletim de ocorrência na delegacia de Gramado, onde atuavam na época. Juntaram textos e áudios das ameaças como prova. O sargento relata que a família ficou com medo e apreensiva porque o ameaçador demonstrou saber ou ter pesquisado sobre ela. Contratou segurança para proteger a casa nos horários em que ficava ausente. Hoje o sargento, de 47 anos, e o soldado, de 29, trabalham em municípios diferentes.
Em outro caso, Couto teria xingado PMs
Outro atrito do médico com brigadianos foi registrado na madrugada de 31 de março deste ano, na casa do acusado. Os policiais declararam que, ao atender chamado de perturbação do sossego alheio, constataram som alto em apartamento de alto padrão no Centro de Novo Hamburgo, e bateram à porta. O morador abriu e, ao ver que eram PMs, bateu a porta. Era Couto, que ainda teria insultado os soldados: “Vão prender bandidos, seus porcarias”. E prosseguiu: “Tem dois babacas aqui na porta”. Em seguida, segundo os policiais, veio a esposa, que se apresentou como responsável pelo imóvel, sem falar o nome do marido.
É outro caso citado no inquérito da 1ª Delegacia de Polícia de Novo Hamburgo. Na peça, é também frisado que o cirurgião estaria dirigindo mesmo com a Carteira Nacional de Habilitação cassada. “Consta uma infinidade de infrações de trânsito, com autuações por dirigir sem CNH, às quais demonstra não dar mínima importância”, observa o delegado Tarcísio Kaltbach.
Investigação, que começou com 14 denúncias, já chega a 94
O delegado enviou representação criminal contra o médico no dia 8 de dezembro. Pedia a prisão preventiva do profissional em razão de 14 erros graves apontados em cirurgias, dos quais quatro com mortes e nove lesões graves. Também solicitava três mandados de busca e apreensão (MBAs) - na casa de Couto, no Centro de Novo Hamburgo, no consultório, no Centro Clínico Regina, e no Hospital Regina, onde concentrava as cirurgias.
No dia seguinte, a juíza da Vara do Júri de Novo Hamburgo, Angela Dumerque, concedeu os MBAs, mas negou a prisão e determinou que o médico não faça cirurgias por 180 dias. Também o proibiu de se aproximar de pacientes e familiares responsáveis pelas denúncias, sob pena de prisão.
Os agentes da 1ª DP tentaram cumprir as ordens judiciais imediatamente, o que foi impossibilitado porque o médico saiu cedo de viagem. Ele retornou domingo à noite e saiu de casa na madrugada de segunda, dia 12, possivelmente para cirurgias.
Quando voltou à residência, por volta das 15 horas, os policiais bateram à porta do apartamento. Couto se preparava para audiência no fórum de Gramado. Na residência, consultório e hospital, os agentes apreenderam celulares, computador e prontuários de pacientes.
"A morte e a doença infelizmente fazem parte da minha profissão. Pautei toda minha vida profissional com ética e respeito aos meus pacientes", declarou Couto à reportagem, logo após ser surpreendido em casa pelos policiais.
Com a notícia da operação policial, a 1ª DP passou a receber enxurrada de novas denúncias. Pacientes com sequelas e familiares de mortos começaram a relatar casos pelas redes sociais do Grupo Sinos. Outros postavam mensagens de apoio ao médico.
No dia seguinte, surgiram cinco novas ocorrências - três de morte e duas de lesões graves. Em uma semana já eram 54 - nove de homicídio e 45 de sequelas. No dia 23 de dezembro subiu para um total de 70 (11 mortes e 59 lesões) e, na última sexta, para 94 (23 mortes e 71 lesões).
Perfurações de intestino, pâncreas e aorta, além de pulmão 'colado' à pele e retirada de umbigo, estão entre os relatos contra Couto, especializado em cirurgia de hérnia abdominal. Denúncias também partem de profissionais de enfermagem, que acusam.
A investigação prossegue, com novas vítimas a serem ouvidas e à espera de laudos periciais. Não há prazo para conclusão do inquérito policial. A tendência é que resulte em ação penal para Tribunal do Júri.
O Hospital Regina, por nota, afirma que está colaborando com as investigações e que formou uma comissão para apurar casos. “O processo corre em segredo de Justiça. Não temos acesso a ele, afinal o acusado é o dr. João Couto”, salienta a instituição.
No inquérito contra o médico de Novo Hamburgo João Couto Neto, com 23 mortes de pacientes e 71 lesões graves registradas até a última sexta-feira (6), a Polícia Civil menciona boletins de ocorrência da vida pessoal do cirurgião para corroborar traços de um perfil “agressivo e intimidador”. Entre eles, ameaças que o investigado teria feito a dois brigadianos por causa de uma abordagem na Serra. Couto teria conseguido o telefone de um sargento e passado a enviar recados assustadores, como “prepara teu funeral”. O médico não fala à reportagem desde 12 de dezembro, quando a Justiça o proibiu de fazer cirurgias. Ele afirma que é inocente.As ameaças aos policiais estão com ação penal em andamento no fórum de Gramado. Elas iniciaram, segundo as vítimas, quatro dias depois de crime de trânsito ocorrido em 11 de setembro de 2020, na Avenida do Parque, em Canela. Contrariado com o recolhimento do carro, um Mercedes-Benz AMG avaliado em R$ 800 mil, o médico teria dito aos brigadianos que “tomaria providências”.
No dia 15, o sargento que conduziu a abordagem começou a receber mensagens por SMS de número desconhecido de DDD 51. “Bela família para quem bate nos outros. Cuida-te, quem muito mexe acaba mexendo errado”, dizia uma delas, com o nome do policial mencionado no início da frase. No dia seguinte, recebeu quatro ligações de número restrito. A voz masculina falava na morte do sargento.
Foto de consultório
O brigadiano resolveu adicionar o número dos SMS no WhatsApp e apareceu perfil com foto de um homem em consultório médico. O PM ligou de outro telefone e quem atendeu se identificou como médico de Novo Hamburgo de nome “João”. Ao indagar sobre as ameaças, “João” desligou. Em poucos minutos, o sargento recebeu novos recados do mesmo número: “Vou pedir para um mano meu falar contigo” começava o texto, que prosseguiu com palavras confusas. Em seguida, um contato ainda mais insólito. “João” ligou dando gargalhadas.
Imagens associadas e segurança para casa
Os policiais associaram a imagem do homem do WhatsApp à do motorista que teve o carro de luxo guinchado e registraram boletim de ocorrência na delegacia de Gramado, onde atuavam na época. Juntaram textos e áudios das ameaças como prova. O sargento relata que a família ficou com medo e apreensiva porque o ameaçador demonstrou saber ou ter pesquisado sobre ela. Contratou segurança para proteger a casa nos horários em que ficava ausente. Hoje o sargento, de 47 anos, e o soldado, de 29, trabalham em municípios diferentes.
Em outro caso, Couto teria xingado PMs
Outro atrito do médico com brigadianos foi registrado na madrugada de 31 de março deste ano, na casa do acusado. Os policiais declararam que, ao atender chamado de perturbação do sossego alheio, constataram som alto em apartamento de alto padrão no Centro de Novo Hamburgo, e bateram à porta. O morador abriu e, ao ver que eram PMs, bateu a porta. Era Couto, que ainda teria insultado os soldados: “Vão prender bandidos, seus porcarias”. E prosseguiu: “Tem dois babacas aqui na porta”. Em seguida, segundo os policiais, veio a esposa, que se apresentou como responsável pelo imóvel, sem falar o nome do marido.
É outro caso citado no inquérito da 1ª Delegacia de Polícia de Novo Hamburgo. Na peça, é também frisado que o cirurgião estaria dirigindo mesmo com a Carteira Nacional de Habilitação cassada. “Consta uma infinidade de infrações de trânsito, com autuações por dirigir sem CNH, às quais demonstra não dar mínima importância”, observa o delegado Tarcísio Kaltbach.
Investigação, que começou com 14 denúncias, já chega a 94
O delegado enviou representação criminal contra o médico no dia 8 de dezembro. Pedia a prisão preventiva do profissional em razão de 14 erros graves apontados em cirurgias, dos quais quatro com mortes e nove lesões graves. Também solicitava três mandados de busca e apreensão (MBAs) - na casa de Couto, no Centro de Novo Hamburgo, no consultório, no Centro Clínico Regina, e no Hospital Regina, onde concentrava as cirurgias.
No dia seguinte, a juíza da Vara do Júri de Novo Hamburgo, Angela Dumerque, concedeu os MBAs, mas negou a prisão e determinou que o médico não faça cirurgias por 180 dias. Também o proibiu de se aproximar de pacientes e familiares responsáveis pelas denúncias, sob pena de prisão.
Os agentes da 1ª DP tentaram cumprir as ordens judiciais imediatamente, o que foi impossibilitado porque o médico saiu cedo de viagem. Ele retornou domingo à noite e saiu de casa na madrugada de segunda, dia 12, possivelmente para cirurgias.
Quando voltou à residência, por volta das 15 horas, os policiais bateram à porta do apartamento. Couto se preparava para audiência no fórum de Gramado. Na residência, consultório e hospital, os agentes apreenderam celulares, computador e prontuários de pacientes.
"A morte e a doença infelizmente fazem parte da minha profissão. Pautei toda minha vida profissional com ética e respeito aos meus pacientes", declarou Couto à reportagem, logo após ser surpreendido em casa pelos policiais.
Com a notícia da operação policial, a 1ª DP passou a receber enxurrada de novas denúncias. Pacientes com sequelas e familiares de mortos começaram a relatar casos pelas redes sociais do Grupo Sinos. Outros postavam mensagens de apoio ao médico.
No dia seguinte, surgiram cinco novas ocorrências - três de morte e duas de lesões graves. Em uma semana já eram 54 - nove de homicídio e 45 de sequelas. No dia 23 de dezembro subiu para um total de 70 (11 mortes e 59 lesões) e, na última sexta, para 94 (23 mortes e 71 lesões).
Perfurações de intestino, pâncreas e aorta, além de pulmão 'colado' à pele e retirada de umbigo, estão entre os relatos contra Couto, especializado em cirurgia de hérnia abdominal. Denúncias também partem de profissionais de enfermagem, que acusam.
A investigação prossegue, com novas vítimas a serem ouvidas e à espera de laudos periciais. Não há prazo para conclusão do inquérito policial. A tendência é que resulte em ação penal para Tribunal do Júri.
O Hospital Regina, por nota, afirma que está colaborando com as investigações e que formou uma comissão para apurar casos. “O processo corre em segredo de Justiça. Não temos acesso a ele, afinal o acusado é o dr. João Couto”, salienta a instituição.
No dia 15, o sargento que conduziu a abordagem começou a receber mensagens por SMS de número desconhecido de DDD 51. “Bela família para quem bate nos outros. Cuida-te, quem muito mexe acaba mexendo errado”, dizia uma delas, com o nome do policial mencionado no início da frase. No dia seguinte, recebeu quatro ligações de número restrito. A voz masculina falava na morte do sargento.
Foto de consultório
O brigadiano resolveu adicionar o número dos SMS no WhatsApp e apareceu perfil com foto de um homem em consultório médico. O PM ligou de outro telefone e quem atendeu se identificou como médico de Novo Hamburgo de nome “João”. Ao indagar sobre as ameaças, “João” desligou. Em poucos minutos, o sargento recebeu novos recados do mesmo número: “Vou pedir para um mano meu falar contigo” começava o texto, que prosseguiu com palavras confusas. Em seguida, um contato ainda mais insólito. “João” ligou dando gargalhadas.