Na última semana, uma operação da Polícia Civil prendeu suspeitos de aliciar adolescentes para que mandassem fotos com o objetivo de usá-las no golpe dos nudes. Uma jovem de Sapiranga, no Rio Grande do Sul, estava entre as aliciadas pela quadrilha, que fez vítimas em ao menos dez estados do país. A pornografia infanto-juvenil é apenas um dos tipos de crimes sexuais a que crianças e adolescentes são submetidos.
Na metade do mês de maio, outro tipo de violência levou duas mulheres à prisão na Região Metropolitana de Porto Alegre. Segundo a Polícia, elas negociaram as filhas com um pedófilo em troca de Pix e presentes.
Estes dois casos recentes, que ilustram a gravidade do cenário de exploração sexual de crianças e adolescentes no Estado, não são isolados. Milhares de processos tramitam no Poder Judiciário. Somente no RS, são 12,3 mil ações. O dado foi repassado no dia 17 de maio pelo Tribunal de Justiça gaúcho (TJRS).
“É bastante preocupante esse número”, comenta a promotora de justiça Luciana Cano Casarotto, que coordena o Centro de Apoio Operacional da Infância, Juventude, Educação, Família e Sucessão do Ministério Público do Estado (MPRS).
Casarottolembra que o retrato real de episódios de violência pode ser ainda mais crítico, pois muitos casos sequer chegam aos órgãos de proteção e de segurança. “Se a gente considerar que apenas uma estimativa de 10% dos casos são notificados, a gente teria aí um número extraordinário.”
Registros recentes na Polícia Civil
A data do processo mais antigo em tramitação não foi repassada pelo TJRS, mas os casos não correspondem exclusivamente a denúncias feitas neste ano, o que se pode verificar a partir do número de ocorrências policiais registradas. É que antes de virar um processo, cada caso é investigado pela Polícia Civil e pelo Ministério Público.
De janeiro a abril de 2023, foram 1.588 boletins de ocorrência de violência sexual contra crianças e adolescentes no Estado. Em 2022, foram 5.255 registros, já no ano anterior, 4.411 casos. Entre os crimes estão assédio e exploração sexual, estupro, divulgação de pornografia e pornografia infantil.
“Deixa marca na alma”, diz promotora
A promotora de Justiça do MPRS, órgão responsável por encaminhar as denúncias contra os agressores, cita a produção de provas contra o acusado como uma das principais dificuldades que circundam esse tipo de crime.
Nem sempre (o agressor) deixa marcas visíveis. O abuso sexual, na maioria das vezes, se trata de toques, violações, que não são exatamente aquela marca física.
“Deixa marca na alma, não no corpo, e essa é uma prova muita difícil. Às vezes, depende exclusivamente da palavra da vítima, que pode ser uma criança pequena, que às vezes não tem condições de falar sobre isso, pois é um crime cometido entre quatro paredes, num ambiente escondido”, acrescenta Luciana.
Ainda assim, a promotora reforça a importância da denúncia como primeiro passo em direção ao combate a esse tipo de crime. O relato pode ser anônimo, se o denunciante assim desejar, por meio do Disque 100, ao Conselho Tutelar, Brigada Militar, Polícia Civil e canais do próprio MPRS na Internet. (Confira os contatos abaixo).
“O importante é que seja notificada a suspeita, porque a suspeita vai levar à investigação, que aí sim vai levar a uma ação dos órgão do Estado”, enfatiza Luciana. A não notificação da violência, acrescenta, impede as autoridades de chegarem à vítima e “isso inviabiliza a punição do agressor e a proteção dessa criança ou adolescente”.
A pena para quem comete abuso e exploração sexual pode chegar a 30 anos de prisão.
Casos em Novo Hamburgo
Segundo a Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (Deam) de Novo Hamburgo, de janeiro a 18 de maio deste ano, foram instaurados 48 inquéritos policiais para apurar possíveis casos de abuso e exploração sexual de crianças e adolescentes na cidade. Em 2022, foram 91 inquéritos, e no ano anterior, 95.
Na Comarca de Novo Hamburgo, de acordo com o TJRS, são 107 processos judiciais em tramitação envolvendo esse tipo de violência.
O delegado Lucas Mouro de Britto, que assumiu a titularidade da Deam do Município há cerca de um mês, conta que, como parte de ação nacional do Maio Laranja, a Delegacia buscou cumprir, no último dia 18, seis mandados de busca e apreensão na cidade, em locais onde havia denúncias de violência sexual contra crianças e adolescentes. Ao todo, 33 pessoas foram abordadas e três foram presas.
Em um bar no bairro Primavera, um homem e o proprietário do estabelecimentos foram presos em flagrante. “Quase encerrando a fiscalização, tinha um cidadão num quarto com uma moça, aí levantamos a informação por sistema que essa moça era menor de idade”, detalha Britto.
LEIA TAMBÉM
Segundo o delegado, o dono do bar preso alegou que não sabia que a jovem tinha 17 anos. No entanto, Lucas descarta essa possibilidade. “Acreditamos que teve certa negligência do proprietário em não fiscalizar quem trabalha ou não naquele estabelecimento”.
Britto também reforça a importância da denúncia para que a prática possa ser cessada, e o agressor, responsabilizado. Muitas costumam partir de vizinhos, familiares ou de pessoas que encorajam as vítimas a relatar o crime à Polícia, comenta.
Para o delegado, as escolas também são aliadas no enfrentamento dessa violência. “Ainda estou me ambientando sobre os trabalhos realizados nas escolas, mas a gente vai fomentando essa questão de eventuais denúncias no âmbito escolar”, salienta.
Quase 10 mil denúncias no País em 2023
No cenário nacional, de janeiro a abril deste ano, o Disque 100 recebeu 9,5 mil denúncias de violações contra crianças e adolescentes que envolvem violências sexuais físicas – abuso, estupro e exploração sexual – e psíquicas.
O dado, divulgado pelo Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC) no dia 18 de maio, em alusão ao Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual contra Crianças e Adolescentes, aponta que houve aumento de quase 50% no número de denúncias em relação ao mesmo período de 2022.
De acordo com a pasta, nos primeiros meses do ano passado foram registradas 6,4 mil denúncias. Em 2021, foram 5,4 mil no mesmo período. Segundo o MDHC, a casa da vítima, do suspeito ou de familiares são os locais em que acontece a maioria dos ataques.
Canais de denúncia
- Disque 100
- Site do Ministério dos Direitos Humanos;
- Delegacia Estadual da Criança e do Adolescente (POA) – (51) 2131-5700
- Departamento Estadual da Criança e do Adolescente – 0800-642-6400 ou (51)98444-0606 (WhatsApp/Telegram)
- Brigada Militar – 190
- Polícia Civil – Denúncia On-line
- Centro de Referência no Atendimento Infantojuvenil (CRAI) Hospital Materno Infantil Presidente Vargas Porto Alegre – neste link;
- Conselhos Tutelares: clique aqui para encontrar o mais próximo a você.