A feira do produtor rural junto à prefeitura de Novo Hamburgo foi palco da frustração do agricultor Cleber Evair Allgayer, de 35 anos, incapaz de oferecer melancias aos seus clientes pela primeira vez na vida. “Perdi quatro das cinco remessas que plantei em Lomba Grande, eu vendo na feira. É o primeiro ano que fico sem melancia para vender nessa época”, disse ele.
Essa escassez, que se tornou uma realidade nas feiras e comércios locais, é um resultado das chuvas intensas que castigaram o Estado em 2023. A história de Cleber, é semelhante a de diversos agricultores da região.
Com isso, houve uma alta nos preços. Conforme a Ceasa/RS, o valor do quilo da melancia estava R$ 1,50 em 2 de janeiro de 2023. Houve um aumento de 100% no valor, chegando a R$ 3 na mesma data, em 2024.
Na safra da melancia em 2023, foram cultivados 8.240 hectares no Rio Grande do Sul. Em 2021 foram 10.418 hectares. Ou seja, com a estiagem e depois as chuvas, houve uma queda na produção, conforme explica o gerente regional da Emater, Elias Kuck. “Para o produtor, o preço médio pago recentemente foi de 2,40 o quilo, enquanto no mercado, o consumidor chegou a pagar em torno de R$ 3,50 ou R$ 4 o quilo.”
Impacto nos preços e qualidade
Regina Trevisani, 70, de um comércio de Novo Hamburgo, expressa a reviravolta nos preços e na qualidade das melancias: “A melancia estamos vendendo até R$ 30 a unidade, ano passado, era R$ 15. O tamanho diminuiu, estão todas miúdas. Isso é devido à chuva; outras frutas e hortaliças também foram afetadas.”
Trabalhando há 20 anos no setor, por meio da distribuição da fruta nos pavilhões da Ceasa/RS para todo o Estado, Isaías Krug, 31, conta sobre o cenário que viu: “Eu nunca pensei que chegaria o dia em que eu não teria melancia para vender no Natal”, desabafa. “O pessoal chegava aqui para pegar de caminhão e nós não tínhamos nenhuma. Somente a partir desta semana é que começaram a aparecer as cargas vindas do interior”, acrescenta.
O resultado da equação entre a demanda e o desabastecimento do mercado acabou encarecendo demais o produto para o consumidor final. Em alguns estabelecimentos da Região Metropolitana, era possível ver melancias sendo vendidas por até R$ 40, algo impossível de se imaginar, diz Krug, que projeta os próximos dias. “Daqui a pouco vai normalizar e o preço vai cair, porque o mercado vai ser reabastecido”, observa.
Colheitas desoladas
Em São Leopoldo, Edson Dias da Silva, 47, produz melancias há quatro anos, mas vende há mais de 17. O produtor conta que, com a instabilidade climática, foi mais difícil realizar o cultivo neste ano. “Não tem como plantar quando está chovendo porque a planta acaba morrendo pelo excesso de umidade e a raiz não germina. Neste ano foi devastador, tivemos que plantar fora do momento correto, quando abria um solzinho”, desabafa.
Com os desafios no cultivo, as vendas de Edson também estão sendo prejudicadas e o comerciante estima que o movimento em janeiro desse ano está 50% menor em comparação ao mesmo período em 2023. “É a lei da oferta e demanda. Como tem menos produtos, tem mais gente procurando e o preço sobe, o que interfere nas vendas, porque nem todo mundo pode pagar por esse preço. Está o dobro do ano passado”, explica.
Os produtores da localidade de Lomba Grande, Everton Luiz Diehl e Antonio Carlos Pereira, compartilham histórias de colheitas devastadas pelas intempéries climáticas.
Diehl descreve a dura realidade: “Perdemos 80% das mudas devido ao excesso de chuva, frio e falta de sol. Enfrentamos fungos, perdemos pés e, mesmo os que sobreviveram, não deram frutos.”
Antonio Carlos Pereira, por sua vez, revela a extensão dos prejuízos: “Perdemos, em média, R$ 20 mil devido ao clima.”
Perspectiva dos especialistas
O extensionista da Emater e biólogo, Carlos Roberto de Ávila Rocha, oferece uma análise técnica e explica que o clima adverso, com excesso de água, gerou um desenvolvimento lento e propiciou doenças fúngicas e bacterianas, prejudicando a polinização. Isso, por consequência, gerou um aumento do preço.
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Para o engenheiro-agrônomo da Ceasa/RS, Léo Omar Duarte Marques, houve também o fator da complexidade logística. “As chuvas atrasaram o transplante da muda, impactando toda a safra de melancia. Para suprir nossa demanda, estávamos importando melancia da Bahia; o consumidor do sul tende a comprar mais nos dias quentes, mesmo com preço alto.”
O clima incerto, combinado com as complexidades logísticas e a alta demanda do verão, cria um ambiente desafiador para a economia local, mas a esperança reside nas áreas agora abertas, com potencial produtivo promissor para os próximos meses. Enquanto isso, a comunidade lida com preços elevados das melancias e os produtores, com as perdas das lavouras.
*Colaboraram Amanda Krohn e Leandro Domingos
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