A produção de lúpulo no Brasil vive um processo de amadurecimento. Produtores da planta que confere o amargor, sabor e aroma da cerveja enfrentaram dificuldades quando começaram o cultivo em solo nacional.
Porém, com adaptações de manejo, a planta vem se desenvolvendo com qualidade e, assim, conquistando o mercado brasileiro.
Conforme o Mapa do Lúpulo Brasileiro de 2023, desenvolvido pela Associação Brasileira de Produtores de Lúpulo (Aprolúpulo), entre 2021 e 2023 houve crescimento gradativo no número de produtores.
Ano passado eram 114, contra 81 de 2022 e 60 de 2021. No Brasil, em 2023 a área cultivada era de 111,8 hectares, 133% a mais do que o ano anterior, quando havia 48,5ha.
Regiões produtoras
Os cinco Estados com mais produtores são:
- São Paulo (27)
- Minas Gerais (20)
- Santa Catarina (19)
- Paraná (16)
- Rio Grande do Sul (11)
No Brasil, as cinco variedades mais produzidas são Comet, Cascade, Saaz, Chinook e Zeus. A maior parte dos produtores comercializa suas produções de 151 reais a 250 reais o quilo, em média.
O lúpulo é comercializado na forma peletizada. Trata-se de um processo que desidrata e comprime o produto, ficando com um aspecto de pellet – ou grânulo.
No Brasil, 49% é peletizado e embalado com ATM modificada – adição ativa de gases dentro da embalagem do produto -, 32% vende em flor fresca, 28% é peletizado e embalado a vácuo, 20% é comercializado em flor desidratada e embalada a vácuo e 5% em flor desidratada e embalada com ATM modificada.
Gaúchos
Produtores do Rio Grande do Sul ocupam a 4ª colocação em número de plantas. São 22.220, ficando atrás de Santa Catarina (77.935 plantas), São Paulo (46.024) e Minas Gerais (41.376).
“O momento é de amadurecimento do produtor de lúpulo. Muita gente entrou no negócio por hobby, por oportunidade ou se jogou sem entender direito e sem consultoria especializada. Hoje está entendendo que não é tão fácil, não é qualquer lúpulo produzido que venderá”, defende o secretário administrativo da Associação Brasileira de Produtores de Lúpulo (Aprolúpulo), o engenheiro agrônomo Marcus Outemane.
Em 2018, o setor começou a se profissionalizar e os principais fatores foram a criação da Aprolúpulo e os primeiros viveiros legalizados para a produção de mudas.
“Estamos falando desde 2018 para cá. São seis anos. É tudo muito recente e, então, acredito que ainda tem muito a se estabelecer”, frisa Outemane.
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Atualmente o lúpulo é produzido em diversos estados, em alguns deles com manejos específicos, podendo chegar até três safras.
No Rio Grande do Sul, o normal é uma safra por ano, por conta do inverno, mas no ano passado, consegui conduzir duas safras no produtor que dou consultoria e nesse ano vamos fazer de novo. É preciso estabelecer uma metodologia para duas safras.
Maior área comercial é do Estado
A maior área comercial do Brasil, em produção de lúpulo, está no Rio Grande do Sul. Em 2021, o empresário Leovaldo Petry, de Bom Jesus, investiu no negócio.
“Eu mesmo faço as mudas em nosso viveiro.” Entrando para o terceiro ano, com duas safras comercializadas, ele tem 13 mil plantas em quatro hectares.
“Somos especializados na variedade Saaz para cervejas Pilsen e Lager”, conta Petry, acrescentando que dois clientes tiveram cervejas premiadas em Blumenau.
Petry reconhece que, no Brasil, o mercado enfrenta dificuldades. “O crescimento vai ser a passos lentos porque há dificuldade de maquinário e de conhecimento da cultura.”
Recursos são necessários para investir na área
A microempreendedora individual Bárbara Eckert, 35 anos, não só cultiva lúpulo como também tem apego emocional com as 200 plantas que mantém em sua propriedade, na localidade de Campestre, em São José do Hortêncio, onde está o Galpão do Chopp.
Desde 2019, ela planta lúpulo na área que recebeu de herança de seu tio. “Morávamos em São Paulo, vimos a produção da Baden (marca pioneira em cervejas artesanais sediada em Campos do Jordão) e, quando voltamos ao Rio Grande do Sul, resolvemos apostar no cultivo”, relata.
Há falta de literatura nacional sobre o cultivo e manejo de pragas. “Por ser uma cultura relativamente nova no Brasil, outros agricultores e até agrônomos tinham dificuldade em auxiliar com dúvidas”, declara.
Bárbara é responsável pelo manejo da planta, que precisa ser conduzida, porque é uma trepadeira que pode alcançar até seis metros de altura. Em 2023 colheu e foi fornecedora para cervejarias de São José Hortêncio, Picada Café, Presidente Lucena e Sapiranga.
Este ano, por conta da gravidez, não terá safra. Mas não descarta parar. Para ela, o importante para o cultivo ser ampliado é o investimento em pós-colheita.
“Para o processo de peletização, o maquinário é caro e o cervejeiro está acostumado com o lúpulo peletizado. No meu caso, enviava nossas plantas para uma empresa prestadora do serviço de peletização em Caxias do Sul, que tinha uma máquina que realizava esse processo, mas ela parou. O valor da máquina não compensa o investimento para a minha produção”, comenta.
O produtor que tem interesse nesse cultivo, diz Bárbara, deve investir em hectares de produção para compensar o investimento do maquinário de peletização, peladora, secadora. “Ou então atender somente os pequenos cervejeiros”, sugere.
Expectativa alta pode frustrar os produtores
Como o cultivo de lúpulo é relativamente novo no Brasil, o processo de consolidação da atividade sofre algumas desistências.
O pesquisador do Centro Estadual de Diagnóstico e Pesquisa em Alimentos e Bebidas (CEAB), unidade da Secretaria Estadual de Agricultura, Pecuária, Produção Sustentável e Irrigação, Alexander Cenci, explica que desistência de produtores é característica de um fenômeno que está em processo de consolidação de uma cultura.
“Nessas oscilações de altos e baixos, as pessoas acabam criando, muitas vezes, a expectativa de que a cultura pode ter uma rentabilidade alta num curto prazo. No caso do lúpulo, o que se percebe é que existe o potencial de rentabilidade, mas ele não se manifesta no curto prazo. Ele tem uma demanda de dois, três anos para se estabilizar”, complementa.
Cenci analisa que, para haver escoamento do lúpulo plantado, é necessário que se consolide um mercado entre o cultivo e a produção das cervejarias brasileiras.
“Nesse processo, muitas vezes na expectativa de que as pessoas tenham, de que haja no curto prazo um retorno, pode ser um dos principais motivos de que as pessoas não levam adiante essa atividade”, observa.
Em 2022, exemplifica, no Rio Grande do Sul, 75% dos produtores tinham até 500 plantas. “São produtores que estão se aproximando da cultura para conhecer a cultura, como se desenvolve, qual é a produtividade.”
De 2023 para 2024, no País, a produção de lúpulo aumentou de 98 para 180 hectares e de 88 para 274 toneladas, conforme dados prévios da Agrolúpulo. “Ainda não temos dados desses anos por Estado”, pontua Cenci.
Estudo de mercado faz a diferença no planejamento
O engenheiro agrônomo Marcus Outemane, secretário administrativo da Associação Brasileira de Produtores de Lúpulo (Aprolúpulo), recomenda aos produtores que façam um estudo de mercado.
“Primeiramente um estudo local para entender como é, se o pessoal tem ou não aceitação. Se ver que não tem uma aceitação ali, tem que mudar a estratégia de mercado, além de produzir tem que escoar essa produção”, diz.
Além disso, continua, é preciso maquinário para conseguir expandir a produção e ter consultoria técnica especializada para conseguir ir para frente.
“Eu sempre falo que quem começa hoje, em 2024, não pode ser daquele jeito que era em 2018. A pessoa tem que buscar conhecimento para entender como produzir bem e eficientemente, entender como é o mercado e para quem vai vender”, frisa.
No Litoral Norte, em uma pequena propriedade rural de Santo Antônio da Patrulha, a adaptação de cultivares de lúpulo é testada pelo casal Kaltbach, o Pedro e a Suélen, de 33 e 35 anos, respectivamente.
Quase sete anos atrás, os dois estavam estudando na Europa quando souberam sobre o incipiente cultivo de lúpulo no Brasil.
Imediatamente, na primavera seguinte, eles obtiveram as primeiras mudas e iniciaram os primeiros testes, com o apoio dos pais da Suélen, o Nilton e a Vera, os quais plantaram as primeiras mudas.
Poucos meses depois, as plantas já estavam produzindo as primeiras inflorescências, demonstrando seu potencial.
Planta
A planta de lúpulo é uma trepadeira e sua denominação oficial é Humulus Lupulus L.
Existem as plantas masculinas e femininas, porém apenas as femininas produzem flores utilizadas na cerveja.
O lúpulo pode crescer até 30 centímetros por dia e sempre sobe no fio em sentido horário.
Os principais produtores ficam no hemisfério norte por conta da ocorrência natural das plantas e pelos fatores climáticos.
Quanto maior a latitude, maior é o tempo de luz na primavera e verão. No Yakima Valley, nos Estados Unidos, por exemplo, são 16 horas de fotoperíodo no verão, o que faz com que seja uma das regiões com maior rendimento na produção da planta no mundo.
Fonte: Aprolúpulo
Vale a pena investir?
Alexander Cenci salienta que o investimento inicial no cultivo de lúpulo pode ficar entre R$ 180 mil a R$ 200 mil para um hectare, incluindo as mudas e os postes para a construção das treliças.
Para ele, vale a pena investir porque há tendência de aumento de consumo de cervejas singulares. No entanto, o investimento deve se dar com cautela e planejamento, já que o retorno é a médio prazo.
Persistência
“É preciso persistência. Nestes sete anos estamos sempre aprendendo”, comenta Pedro, engenheiro agrônomo que estudou tecnologia cervejeira na Bélgica.
Depois das tentativas com dezenas de materiais genéticos, os melhores desempenhos ocorreram em quatro cultivares: Hallertau Mittelfrüh, Saaz, Cascade e Comet, cultivados em uma área de 500 metros quadrados.
O clima é um fator que ainda desafia. Pedro explica que a região do Litoral Norte possui verões bastante quentes e invernos amenos, condições diferentes das encontradas nas regiões de origem da planta, em latitudes superiores.
Nessas regiões, os dias também são mais longos, o que naturalmente estimula a planta. Nas condições do Brasil, é possível utilizar iluminação artificial para simular esse ambiente.
Cervejeiros desafiam produtores nacionais
A Cervejaria Edelbrau, de Nova Petrópolis, testa o lúpulo nacional. E, caso obtenha resultados positivos, o sócio-proprietário Fernando Maldaner diz que pretende desenvolver alguns estilos. Ele soube de uma plantação comercial em Bom Jesus.
A convite do dono, representantes da cervejaria conheceram a estrutura. Outro cervejeiro que testa lúpulo brasileiro é de Linha Nova. A cervejaria Qüera está elaborando uma cerveja com 100% do lúpulo nacional.
“Eu estou começando a apostar e já estou adquirindo o lúpulo peletizado de uma empresa de São Francisco de Paula. A previsão é lançar em um mês a BR Ale”, comenta Marcelo Loesch.
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