FÉ E TRADIÇÃO

IMIGRAÇÃO ALEMÃ: Mauro Kray é herdeiro da história preservada em cemitério de Faxinal

Ele ajuda a cuidar um dos primeiros locais de sepultamento unindo católicos e evangélicos

Publicado em: 25/07/2024 09:41
Última atualização: 25/07/2024 10:41

Aos 50 anos, Mauro Henrique Kray é figura conhecida na Paróquia São João Batista de Montenegro. No final do ano ele completa 30 anos no serviço de ministro da Eucaristia, o que faz Mauro circular pelas comunidades católicas no município e também nas igrejas da Diocese de Montenegro.


Mauro Kray atua há 30 anos como ministro da Eucaristia Foto: fotos Débora Ertel/GES-Especial

Além disso, o agricultor, morador da localidade de Faxinal, é sempre lembrado quando o assunto é a imigração alemã. Falante do Hunsrik, língua que aprendeu a falar em casa, gosta da herança deixada por aqueles que vieram antes dele e de conhecer e preservar a história.

O responsável por criar esse gosto pela cultura e hábitos trazidos pelos alemães, segundo Mauro, foi o seu avô, Rodolfo Edmundo Kray, falecido em 1997. “Mesmo sendo um agricultor, meu avô era muito esclarecido. Ele tinha assinatura de jornais em alemão”, lembra.

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Uma das publicações era Sankt Paulusblatt, fundada em 1912 pela Sociedade União Popular (SUP), em alemão Volksverein. A publicação foi uma das poucas que sobreviveram à nacionalização de Getúlio Vargas, que pôs fim à imprensa escrita em alemão. Teve circulação até 2020.

Como Mauro era filho único, assim como o pai e avô, e a família morava na mesma propriedade, conviveu muito com os avós paternos, Rodolfo e Olga Kray. “Então aprendi a falar em alemão assim. Meu avô lia em alemão e fui pegando o interesse. Hoje leio, mas não fluentemente. Mas consigo decifrar o texto”, conta.

Sua mãe Sedeni, que não tinha origem germânica, também aprendeu a língua falada pela família do marido. Embora não conversasse, compreendia tudo.

Religião veio através da família

Outra herança deixada pelos avós foi a fé, o que fez muita gente apostar que Mauro entraria para o sacerdócio. “Quando eu era pequeno dizia que ia ser padre”, comenta. A família sempre participava das missas aos domingos que, na época, eram rezadas na escola, pois não tinha uma igreja católica construída em Faxinal.

Com isso, o montenegrino acabou se aproximando da atuação dos jesuítas, que enviaram missionários da Alemanha para atender os imigrantes. “Sempre se valorizou esse tripé: escola, capela e a sociedade”, pondera.

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Foi com os jesuítas que uma outra publicação em alemão também passou a ter circulação entre os colonos, incluindo a casa de Mauro. Trata-se do Livro da Família, em alemão, o Familienkalender, que teve edição em alemão até 2023.

Inclusive, idosos que Mauro atendia como ministro gostavam de receber o livro para poderem ler. “Mas está ficando em extinção. Em Montenegro está ficando escasso quem sabe falar. Para o interior tem mais”, observa.

Gosto pela música

Da avó também Mauro guarda um costume presente até hoje. Na família havia músicos que tocavam gaita e Olga tocava em casa, uma gaitinha de boca, além de cantar canções que eram sucesso na colônia.

Foi assim que músicas como Isabela e Die Marie und Die Gred, além de Tannenbaun e Stille Nacht (noite feliz), foram eternizadas na memória de Mauro e são ouvidas até hoje.

Ele ainda lembra que na hora do almoço, quando os colonos voltavam da roça, era o momento de ouvir rádio, com destaque para o programa Música alegre, da Rádio América, onde o comunicador falava em alemão e a trilha era de bandinhas.

Cemitério ecumênico de 144 anos

Mauro é descendente dos imigrantes Guilherme e Maria Leopoldina Kray. Guilherme foi um dos sócios-fundadores do Cemitério de Faxinal, em 1880. Um local de sepultamento ecumênico, provavelmente o primeiro unindo os dois credos fundado no Estado.


Mauro Kray na entrada do Cemitério de Faxinal que possui 144 anos Foto: Débora Ertel/GES-Especial

Os túmulos dos trisavôs fazem parte dos cerca de 50 jazigos históricos que foram tombados pela Associação Comunitária do Cemitério de Faxinal, mantenedora do local. A entidade privada não tem ligação com órgãos públicos ou instituições religiosas, tem Mauro como presidente e cerca de 600 sócios.

O espaço tem túmulos diferenciados e guarda algumas curiosidades. Uma delas é sobre o início do cemitério. Enquanto católicos começaram a ser sepultados junto à entrada do cemitério, no sentido de frente para trás, os luteranos foram inicialmente sepultados nos fundos do terreno.

Uma das explicações é que, embora dividissem o mesmo cemitério, os imigrantes foram enterrados o mais longe possível para não misturar católicos e evangélicos, ficando visível a divisão.

Caminho de acesso ao Cemitério de Faxinal é conservado pela associação e encanta visitantesDébora Ertel/GES-Especial
Mauro KrayDébora Ertel/GES-Especial
Mauro KrayDébora Ertel/GES-Especial

Outro fato curioso, segundo Mauro, é que os casais de cultos diferentes eram enterrados separados, cada um conforme a sua religião. “A minha avó era muito brincalhona e sempre dizia: ‘engraçado que na cama eles podiam dormir juntos, mas no cemitério não’”, diz, entre risos. 

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