Aos 50 anos, Mauro Henrique Kray é figura conhecida na Paróquia São João Batista de Montenegro. No final do ano ele completa 30 anos no serviço de ministro da Eucaristia, o que faz Mauro circular pelas comunidades católicas no município e também nas igrejas da Diocese de Montenegro.
Além disso, o agricultor, morador da localidade de Faxinal, é sempre lembrado quando o assunto é a imigração alemã. Falante do Hunsrik, língua que aprendeu a falar em casa, gosta da herança deixada por aqueles que vieram antes dele e de conhecer e preservar a história.
O responsável por criar esse gosto pela cultura e hábitos trazidos pelos alemães, segundo Mauro, foi o seu avô, Rodolfo Edmundo Kray, falecido em 1997. “Mesmo sendo um agricultor, meu avô era muito esclarecido. Ele tinha assinatura de jornais em alemão”, lembra.
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Uma das publicações era Sankt Paulusblatt, fundada em 1912 pela Sociedade União Popular (SUP), em alemão Volksverein. A publicação foi uma das poucas que sobreviveram à nacionalização de Getúlio Vargas, que pôs fim à imprensa escrita em alemão. Teve circulação até 2020.
Como Mauro era filho único, assim como o pai e avô, e a família morava na mesma propriedade, conviveu muito com os avós paternos, Rodolfo e Olga Kray. “Então aprendi a falar em alemão assim. Meu avô lia em alemão e fui pegando o interesse. Hoje leio, mas não fluentemente. Mas consigo decifrar o texto”, conta.
Sua mãe Sedeni, que não tinha origem germânica, também aprendeu a língua falada pela família do marido. Embora não conversasse, compreendia tudo.
Religião veio através da família
Outra herança deixada pelos avós foi a fé, o que fez muita gente apostar que Mauro entraria para o sacerdócio. “Quando eu era pequeno dizia que ia ser padre”, comenta. A família sempre participava das missas aos domingos que, na época, eram rezadas na escola, pois não tinha uma igreja católica construída em Faxinal.
Com isso, o montenegrino acabou se aproximando da atuação dos jesuítas, que enviaram missionários da Alemanha para atender os imigrantes. “Sempre se valorizou esse tripé: escola, capela e a sociedade”, pondera.
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Foi com os jesuítas que uma outra publicação em alemão também passou a ter circulação entre os colonos, incluindo a casa de Mauro. Trata-se do Livro da Família, em alemão, o Familienkalender, que teve edição em alemão até 2023.
Inclusive, idosos que Mauro atendia como ministro gostavam de receber o livro para poderem ler. “Mas está ficando em extinção. Em Montenegro está ficando escasso quem sabe falar. Para o interior tem mais”, observa.
Gosto pela música
Da avó também Mauro guarda um costume presente até hoje. Na família havia músicos que tocavam gaita e Olga tocava em casa, uma gaitinha de boca, além de cantar canções que eram sucesso na colônia.
Foi assim que músicas como Isabela e Die Marie und Die Gred, além de Tannenbaun e Stille Nacht (noite feliz), foram eternizadas na memória de Mauro e são ouvidas até hoje.
Ele ainda lembra que na hora do almoço, quando os colonos voltavam da roça, era o momento de ouvir rádio, com destaque para o programa Música alegre, da Rádio América, onde o comunicador falava em alemão e a trilha era de bandinhas.
Cemitério ecumênico de 144 anos
Mauro é descendente dos imigrantes Guilherme e Maria Leopoldina Kray. Guilherme foi um dos sócios-fundadores do Cemitério de Faxinal, em 1880. Um local de sepultamento ecumênico, provavelmente o primeiro unindo os dois credos fundado no Estado.
Os túmulos dos trisavôs fazem parte dos cerca de 50 jazigos históricos que foram tombados pela Associação Comunitária do Cemitério de Faxinal, mantenedora do local. A entidade privada não tem ligação com órgãos públicos ou instituições religiosas, tem Mauro como presidente e cerca de 600 sócios.
O espaço tem túmulos diferenciados e guarda algumas curiosidades. Uma delas é sobre o início do cemitério. Enquanto católicos começaram a ser sepultados junto à entrada do cemitério, no sentido de frente para trás, os luteranos foram inicialmente sepultados nos fundos do terreno.
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Uma das explicações é que, embora dividissem o mesmo cemitério, os imigrantes foram enterrados o mais longe possível para não misturar católicos e evangélicos, ficando visível a divisão.
Outro fato curioso, segundo Mauro, é que os casais de cultos diferentes eram enterrados separados, cada um conforme a sua religião. “A minha avó era muito brincalhona e sempre dizia: ‘engraçado que na cama eles podiam dormir juntos, mas no cemitério não’”, diz, entre risos.