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DESENVOLVIMENTO

Trem chegava em Gramado pela primeira vez há 105 anos

História da linha ferroviária da região está sendo resgatada por historiador

Mônica Pereira
Publicado em: 30/05/2024 às 17h:23 Última atualização: 30/05/2024 às 18h:11
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Há 105 anos um marco era registrado em Gramado. No dia 1º de junho de 1919, o primeiro trem chegava na estação ferroviária do bairro Várzea Grande. A partir daquele momento, os apitos e barulhos da Maria Fumaça se tornariam corriqueiros, trazendo evolução para a região.

Inauguração da Estação Várzea Grande, no dia 1º de junho



Inauguração da Estação Várzea Grande, no dia 1º de junho

Foto: Acervo Museu do Trem – Cedida por Lizete Casagrande

Quem ajuda a contar essa história é o historiador Wanderley Cavalcante. Conforme os estudos, grande parte da evolução do município aconteceu depois que os trilhos começaram a operar, contribuindo para a construção da cidade turística de hoje.

Foram muitos os desafios encontrados pelo empreiteiro João Corrêa para colocar seu projeto em prática. A estação de Taquara, por exemplo, estava a 28 metros acima do nível do mar, já a do bairro que dava boas-vindas aos visitantes em Gramado, a 615 metros.

 



“Entre Sander, em Três Coroas, e o bairro Várzea Grande foram cinco anos de obras, por causa do aumento da altitude em 549 metros. Tem essa questão geográfica e as limitações tecnológicas da época. Era tudo manual e havia dificuldade em contratar mão de obra”, conta o historiador, que pesquisa o tema desde meados de 2018.

O objetivo da linha férrea era chegar a Canela, que está a 830 metros de altitude. Para fazer com que o trem conseguisse avançar, foi realizada uma obra de engenharia ferroviária única na América do Sul: o rabicho.

A solução encontrada para a manobra foi fazer com que o trem percorresse um trecho em marcha ré para subir o morro e ultrapassá-lo sem a necessidade de túneis. Esse trajeto era de cerca de três quilômetros até ser possível direcionar o trem novamente para frente.

Qual era o percurso?



Wanderley descreve que o percurso mapeado do trem era até que parecido com os das rodovias estaduais que cruzam a cidade. Mas no caso de Gramado, a locomotiva vinha até próximo da chamada “Curva do S”, na RS-115, e seguia por trás do GramadoZoo, passava pela Vila do Sol e então chegava na estação Várzea Grande.

O trecho do rabicho começava próximo da escola Móses Bezzi, indo até o Altos da Viação Férrea. De lá, o trem continuava até o bairro Três Pinheiros e então seguia um traçado semelhante ao da rodovia estadual até a estação central.

Final da linha

Dando continuidade ao projeto da linha férrea, a estação no Centro de Gramado foi inaugurada em 9 de abril de 1921. Ela ficava onde hoje é a rodoviária, próximo da Praça das Etnias. Depois, em 13 de agosto de 1924, a linha foi inaugurada em Canela, concluindo o trecho projetado. Os trens operaram no caminho Taquara-Canela até 1963, quando a linha foi desativada.

Foram 44 anos de história ferroviária na cidade

Espaço cultural vai se transformar em museu sobre o trem, no bairro Várzea Grande



Espaço cultural vai se transformar em museu sobre o trem, no bairro Várzea Grande

Foto: Mônica Pereira/GES-ESPECIAL

Wanderley frisa que a curiosidade pelo tema surgiu quando ele foi morar no bairro e descobriu o valor que aquela região tinha para a história. Quando quis saber mais, percebeu que pouco estava registrado e muito estava apenas na memória. “Comecei a fazer entrevistas com as pessoas e a sistematizar esse conhecimento. Além disso, é importante tudo estar de forma didática”, explica. “A gente não pode deixar que esses 44 anos de história ferroviária sejam esquecidos”, complementa.

Essas pesquisas o auxiliaram na elaboração de dois livros, “Gramado nos Trilhos do Trem”, de 2022, e “Gramado: dos primeiros povoadores à chegada do trem”, de 2020. 

Tornar o local um museu

 



Desde 2008, a antiga estação se transformou em um espaço cultural para abrigar objetos, documentos e fotos. No ano passado, iniciou o movimento para transformar o local em um museu, o Museu do Trem – como já é popularmente conhecido. Agora, o plano está seguindo ritos burocráticos internos para efetivação.

Wanderley foi chamado pela Secretaria da Cultura para auxiliar nesse trabalho e se tornou coordenador do museu. As mudanças iniciaram com uma reforma, pois o prédio estava precário. Um restauro foi realizado, em um investimento de cerca de R$ 200 mil.

O secretário da Cultura, Joe Cardoso, salienta que as melhorias incluíram a instalação de uma nova rede elétrica, substituição do telhado, troca de madeiras que estavam apodrecidas, pintura, cercamento, drenagem pluvial no entorno, restauração das aberturas, paisagismo, iluminação específica para museus e acessibilidade. “A obra estrutural foi concluída no final de abril deste ano e, atualmente, estamos nos ajustes internos de expografia e preparação dos bens para a abertura”, declara.

“O espaço narra a história do desenvolvimento econômico e social do nosso maior bairro, que tem uma importância singular para o município. Foi um ponto de partida fundamental para o futuro de Gramado, e sua preservação é essencial tanto para os visitantes quanto para os moradores. Acreditamos que a história deste lugar deve ser preservada e valorizada. Diversos pontos específicos têm recebido melhorias significativas, visando valorizar, fomentar e salvaguardar a memória deste local”, pondera o secretário.

Práticas museológicas

Wanderley é o historiador responsável pelo museu



Wanderley é o historiador responsável pelo museu

Foto: Mônica Pereira/GES-ESPECIAL

Na parte histórica, cenários que remetem à época foram criados, além da exposição dos fatos em ordem cronológica e com muitos registros visuais.

Desde o início de 2023, o acervo começou a ser digitalizado e alguns projetos já são colocados em prática junto com escolas e com a comunidade. “Estamos em um processo de transição, transformando o espaço de memórias existente em um museu. Isso envolve ajustes na expografia, catalogação de bens e implementação de práticas museológicas para garantir que o espaço atenda aos critérios necessários”, atesta Joe.

Mesmo com a estrutura fechada, Wanderley aponta que a história não está sendo esquecida, pelo contrário, está sendo valorizada para que o local seja reaberto com muitas novidades para o público. “Uma das coisas que diferencia a essência de um lugar e faz daquele lugar único é a história”, corrobora, enfatizando que está fazendo, ainda, um resgate para valorização dos trabalhadores da ferrovia.

O secretário adianta que a visitação será totalmente gratuita. “Garantindo que todos, moradores e visitantes, tenham acesso ao espaço e possam conhecer sua história”, afirma.

Como planos, Wanderley sonha em criar um núcleo de pesquisa da história e também um polo bibliográfico para apoiar a pesquisa e desenvolver ações pedagógicas.

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