Gramado completa neste sábado (25) uma semana desde o episódio de chuva forte histórica que atingiu o município. Desde então, diversos problemas foram ocorrendo na cidade, como deslizamentos de terra, mortes por queda de barreira, casas interditadas e o colapso de um prédio. Uma Comissão Especial Temporária foi formada na sexta-feira (24), na Câmara de Vereadores, para trabalhar a situação de emergência da cidade.
Com isso, moradores foram convidados a ir até a sede do Legislativo nesta manhã para trazer suas dúvidas, problemas e solicitações, através de uma reunião pública. O principal bairro que esteve presente foi o Três Pinheiros, evacuados desde o domingo (19), por risco de desbarrancar a encosta e o muro de contenção da Perimetral.
Diversos foram os apontamentos levantados durante as quase três horas de encontro. Um deles, diz respeito às necessidades de manter o bairro inteiro interditado. São cerca de 120 famílias afetadas e que tiveram que deixar a localidade.
Luiz Arlei Zamberlan possui uma pousada na localidade. “Estou há quase uma semana realocando os hóspedes, numa época de temporada, de recuperação. Já sofremos tanto com a pandemia, e agora talvez o nosso negócio não saia mais dessa situação. Sabemos que existem os estudos, e é preciso agir com cautela, mas queremos que tenha esse olhar especial”, afirma.
Júlio Godoy complementa que é preciso trabalhar com prazos. “Os geólogos estão trabalhando, estudando, mas precisamos de prazos, precisamos saber quanto tempo vamos ficar fora de casa”, diz.
Na sexta-feira, o prefeito Nestor Tissot comunicou que cinco profissionais especializados em geologia estão atuando em um estudo para avaliar as condições da área. Um laudo deve ser emitido no início da semana e que, com isso, pode ser que os moradores consigam retornar às casas. “Mas vai depender do estudo e, provavelmente, não serão todas as residências liberadas, talvez uma parte apenas”, aponta.
“A maioria não consegue alugar em lugar nenhum”
Para a moradora do Três Pinheiros, Jéssica Haack, são diversas perguntas que vêm a mente, grande parte delas, diz respeito às políticas públicas sociais, se serão ou não implementadas pela Prefeitura. “Como ficarão nossos impostos, luz, água, se ficarmos cinco, seis meses longe de casa? Vamos receber aluguel social, que tipo de ajuda teremos? A maioria não consegue alugar em nenhum lugar. Aqui, R$ 2 mil custa um porão. Só ficar nos pavilhões, também não faz bem”, frisa.
A residente da localidade foi a sobrevivente, há mais de 20 anos, de um grande deslizamento de terra que houve no bairro, em junho de 2002. A casa foi atingida por quedas de barreira e ela precisou ser resgatada por uma parede.
“Há dez anos construíram aquela perimetral. Não vai demorar muito para o muro desmoronar. Nós precisamos de transparência. As informações que passaram para a imprensa, deveriam ter nos passado. Para evacuar um bairro todo, não é pouca coisa. O quanto essa alameda já mexeu, quanto tempo o muro de contenção vai aguentar, há algo para remediar? Sei que temos que aguardar os técnicos, mas precisamos de respostas, falem para a gente, somos nós quem estamos passando por isso”, pede.
Podas de árvores
Outros pedidos realizados por moradores falam sobre a poda e retirada de árvores. Segundo os residentes do Três Pinheiros, diversas solicitações foram realizadas para a Secretaria de Meio Ambiente e registros no Fala Cidadão foram feitos.
“Abaixo do prédio [Ana Carolina, que caiu na quinta-feira], tem uma área de massa que está empurrando os eucaliptos. Eucaliptos com 40 anos, que precisa de duas pessoas para abraçar. Vizinhos abriram protocolos, para podar, mas nada foi feito”, revela Alessandro Fassbinder.
A reportagem questionou a administração municipal, que ia averiguar os pedidos. Mas Roberto Cavallin, servidor do Executivo municipal, que esteve presente no Legislativo, coloca que, muitas vezes, há medo de fazer podas e assinar documentos, por possíveis denúncias de ambientalistas para o Ministério Público.
O promotor de Justiça, Max Guazzelli, que esteve presente na reunião, reiterou que “nunca nenhum cidadão foi processado por podar uma árvore”.
Gabinete de Crise
Outra demanda que gramadenses trouxeram no encontro foi o questionamento do porquê Gramado não montou ainda um Gabinete de Crise, para facilitar o atendimento e resolução de dúvidas da comunidade.
A reportagem questionou à Prefeitura, porém até o fechamento da matéria não teve retorno. O que se sabe, hoje, é que equipes técnicas e Defesa Civil estão atuando no campo, recolhendo informações e fazendo análises. Geólogos realizam os estudos nos locais afetados e áreas de risco, e o Corpo de Bombeiros montou e coordena o Sistema de Comando de Incidente.
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Preocupação no Piratini
Iria Pinto reside na Rua Nelson Dinnebier, onde parte da via teve 23 famílias retiradas de casa, por risco de deslizamentos de terra e presença de rachaduras, que comprometem as casas.
A estrutura residencial dela não está entre as evacuadas, contudo, ela implorou por atendimento. “Busquei várias vezes as secretarias, a Defesa Civil, mas ninguém até agora foi lá. É um problema atrás da casa, onde foram construídos três prédios com muros de contenção. O muro está inchando e criando rachaduras. Se vier abaixo, vai ser uma grande tragédia para o Piratini. Mas ninguém ainda foi lá olhar. Meus familiares já me pediram para sair, eu não consigo nem dormir mais”, lamenta a moradora.
O Jornal de Gramado também perguntou a Prefeitura sobre a situação na localidade, mas não obteve retorno.
Presença do Exército
Eduardo Carvalho é morador do Alphaville, um dos pontos de atenção que são acompanhados, por ter apresentado rachaduras na última semana. Ele é tenente-coronel e, em solidariedade a cidade e aos pedidos da comunidade, fez uma ligação ao Exército Brasileiro.
“Acabei de ligar para o Comando Militar do Sul. Temos batalhões de Engenharia, o Exército pode disponibilizar maquinário e pessoal para vir aqui ajudar Gramado. Temos engenheiros e geólogos disponíveis, basta a Defesa Civil solicitar ao Exército, que coloca à disposição de todos”, anuncia.
Ministério Público quer novo mapeamento
O promotor de Justiça Max Guazzelli acompanhou toda a reunião pública e prometeu à comunidade averiguar e acompanhar todas as situações apontadas. Na segunda-feira (27), terá uma reunião com o Executivo municipal. A ideia é verificar como estão os estudos e medidas adotadas e ter acesso aos laudos técnicos iniciais.
Ainda, quer fazer um acordo com o Município. “Precisamos do mapeamento de todas as áreas, além daquelas que estão para aparecer ou que ainda não foram identificadas. E ao que tudo indica, os mapeamentos terão que ser feitos de três em três anos. Não imaginava que teríamos que fazer em tão pouco tempo uma ampliação, mas não podemos ter situações como as que estão ocorrendo no Três Pinheiros e Piratini, em novas áreas em 15, 20 anos”, coloca o representante da Promotoria.
O Ministério Público já tem uma ação civil pública aberta, por questões de área de risco. Em 2018, 13 famílias precisaram ser retiradas da Vila Diva, que possuía altíssimo risco de colapso. “Todos os locais mapeados pelo Serviço Geológico do Brasil, em 2015, em todas as áreas não tivemos consequências, em razão das medidas adotadas preventivamente. Por isso, a ideia agora é fazer uma série de estudos, contratar profissionais e capacitar as pessoas que residem em áreas de risco, em saber como agir”, explica Max.
O promotor também coloca que possíveis obras de contenção deverão ser realizadas.