Uma das maiores empresas de Gramado está passando por uma forte crise financeira. Com quase R$ 1 bilhão em dívidas, o Grupo Gramado Parks está buscando na Justiça maneiras de renegociar as dívidas que foram acumuladas ao longo dos últimos anos.
Conforme a própria companhia, a situação foi provocada pela prospecção de crescimento em nível nacional – e os grandes custos dessa operação, aliada com a recessão econômica da pandemia e eleições, os custos elevados dos juros e aumento dos insumos da construção civil.
Representando o maior acionista do grupo, o empresário gramadense Anderson Caliari, e toda a família, o advogado Carlos Souza Junior diz que a condição econômica da companhia passou a ser insustentável a partir da segunda quinzena de janeiro deste ano.
A partir disso, o grupo entrou na Justiça com um pedido de tutela cautelar, solicitando que fossem cessados os pagamentos de todas as dívidas por um período de 60 dias. “Esse prazo seria para que a gente pudesse parar, tomar fôlego e começar uma reestruturação”, explica o advogado, que trabalha desde 2013 para os Caliari.
Expansão
Quando a família Caliari concluiu o primeiro grande empreendimento, que foi o Snowland, começou a pensar em expansão. Tendo como inspiração a Disney, que conta com parque temático e hotel, projetaram iniciar algo semelhante em Gramado e, assim, surgiu a venda de cotas dos empreendimentos imobiliários.
Apesar de negócios diferentes, todas as quatro empresas que formam o grupo “dependem” uma da outra. O grupo é formado pela parte das incorporações, responsável pela construção dos hotéis, bem como pelas vendas das cotas. Para que haja mais exposição e possibilidade dessa venda se concretizar, há os parques temáticos e as rodas gigantes, que funcionam como uma espécie de chamariz de possíveis compradores para as cotas.
O advogado pondera que por meados de 2018 e 2019 o modelo que tinha sido gerado até então chamou a atenção do mercado financeiro, o que impulsionou o negócio para o mercado nacional, saindo das fronteiras de Gramado. Com isso, uma parte da empresa foi vendida, uma pequena porcentagem, segundo Carlos.
Fortesec
Com a expansão, todo o processo de gestão financeira passou a ser intermediado por uma securitizadora, a Fortesec, que transformava os ativos da companhia em Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRIs), para que investidores fizessem aportes financeiros.
“O faturamento das empresas vai para uma conta centralizadora da Fortesec que faz o pagamento dos juros dos CRIs para os investidores, guarda uma outra parte como razão de garantia e o restante volta à Gramado Parks”, frisa o advogado da companhia.
Ainda para Carlos Souza, foi o movimento do mercado de capitais que impulsionou e acelerou o crescimento das empresas. “E isso estava andando muito bem, até que veio a pandemia. Depois, chegaram as eleições, o aumento no custo das obras, o poder de compra reduzido. As vendas diminuíram, aumentaram os cancelamentos e isso gerou um buraco no caixa da empresa”, salienta.
“No momento que diminuiu a razão de garantia, a Fortesec começou a diminuir o dinheiro que a Gramado Parks recebia, mesmo com as necessidades que a empresa têm. Isso afetou de uma maneira que a companhia começou a ficar devendo, desde a construtora que fez o hotel até a senhorinha que vendia cuca para o café da manhã”, afirma o advogado.
Segundo Carlos, sem conseguir negociar com a Fortesec, o grupo decidiu entrar com o pedido de tutela para parar os pagamentos das dívidas e iniciar uma reestruturação. “Pela estrutura dos negócios, enfrentamos uma curva negativa, que é o tempo do investimento para maturação do negócio. Nós vamos saldar a dívida, pois temos ativos superiores a R$ 4 bilhões. Essa conta é que precisa ser alinhada”, garante. “O Grupo Gramado Parks tem condições de sair desta crise, mas precisamos equacionar o modelo de negócios. Da forma que está, não se sustenta”, completa.
O representante da Gramado Parks conta que a insegurança que a companhia estava passando não foi repassada aos investidores, já que a Fortesec estava fazendo os pagamentos mensais normalmente a eles. Contudo, quando a crise chegou no conhecimento de todos, os fundos acabaram perdendo valor de mercado.
“O objetivo da família Caliari é equacionar o problema”
“O objetivo da família Caliari é equacionar o problema, não é dar calote. Queremos resolver”, afirma o advogado. Com a cautelar aprovada, a empresa teria o período de 60 dias sem pagar nenhuma dívida e foi solicitado, ainda, que R$ 20 milhões fossem repassados por mês para que a Gramado Parks conseguisse pagar as contas indispensáveis e poder iniciar a negociação com os credores. Outra medida solicitada era a de que Anderson Caliari continuasse à frente da presidência das empresas.
Dias depois, após recurso, a Justiça derrubou a decisão que impedia a mudança na direção da empresa. Anderson foi destituído do cargo e quem assumiu a posição foi Ronaldo Costa Beber Teixeira. Sob nova direção, a empresa desistiu da tutela cautelar.
Carlos frisa que esse processo foi encabeçado pela R Capital, que é a gestora dos ativos da companhia. “Só que o gestor precisa fazer o que os donos querem, nesse caso a família Caliari, e isso não aconteceu. É importante deixar claro que há um descompasso. A R Capital e a Fortesec, que é a principal credora do grupo, contam com um mesmo controlador. É um conflito de interesses”, alega.
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Os advogados da Gramado Parks já solicitaram a substituição da R Capital e, consequentemente, a saída de Ronaldo da presidência. “E isso vai acontecer, mas há uma parte burocrática que precisa ser cumprida e isso vai ser em até 60 dias. Mas é muito tempo para uma companhia em crise”, atesta Carlos. Para o advogado, a manobra foi feita para evitar a suspensão do pagamento dos CRIs aos investidores.
Irregularidades
Em documento enviado ao Tribunal de Justiça, os advogados de acusação apontam que Anderson solicitou a tutela cautelar como uma forma de quitar os débitos pessoais, em uma tentativa de fraudar os credores e “garantir que o caixa das companhias continue sendo desviado para a satisfação dos interesses particulares da família Caliari e/ou dos sócios fundadores”, diz o documento. “Não se pode transferir aos acionistas e aos credores o ônus advindo do dolo na gestão do negócio”, completa a justificativa.
Ainda, os advogados citam que Anderson vivia uma vida e luxo, tendo gastado R$ 2 milhões em combustível de avião. “A ação de origem não passa de uma tentativa de Anderson de permanecer no cargo de diretor-presidente, para que possa continuar atuando da forma irregular, tal como vem fazendo”, reiteram os advogados.
Para o advogado de Anderson, as acusações são levianas. “O Anderson tinha um padrão de vida condizente com a companhia, mas foi diminuindo ao longo dos anos”, garante.
Posicionamentos
Em nota enviada à reportagem, a R Capital informa que, tão logo tomou conhecimento do caso, agiu prontamente em benefício de todos os cotistas dos fundos e convocou uma assembleia nas companhias investidas, visando evitar que interesses pessoais do antigo administrador pudessem se sobrepor à preservação do interesse de todos.
“A decisão do Tribunal de Justiça do RS permitindo a alteração da diretoria não só é legal, como também reconheceu ilegal a manobra que a diretoria anterior tentou para se manter no poder. A nova diretoria extinguiu a cautelar que visava suspender os pagamentos aos credores, por entender que esta decisão era a melhor medida para as empresas, e está focada em negociar as dívidas em prol da saúde financeira da companhia, manutenção dos empregos e do pagamento de todas as suas obrigações”, conclui a empresa.
Também por meio de nota, a Fortesec diz que é securitizadora dos CRIs da Gramado Parks e não há qualquer envolvimento em relação à gestão da companhia. “A Fortesec continuará atuando juridicamente contra as irregularidades cometidas e zelando pelos interesses dos crizistas”, cita.
Próximos passos
A defesa do empresário gramadense pediu que o Judiciário analise a validade da ata que destituiu Anderson da presidência. Entretanto, Carlos certifica que Anderson não deseja mais voltar ao cargo de diretor-presidente. “Vamos buscar alguém do mercado e contratar um executivo que traga segurança aos negócios”, declara.
De acordo com o advogado que representa o grupo, todas as empresas têm como proprietários majoritários membros da família Caliari. Essas empresas são geridas por fundos de investimentos, ainda conforme Carlos, que também são majoritariamente pertencentes aos membros da família. “É importante deixar claro que a família Caliari é dona da Gramado Parks. Há outros investidores, mas os maiores cotistas são da própria família”, atesta o advogado. “De um jeito traumático, a família Caliari está tendo que buscar a sua propriedade”, finaliza.
Negócios
A empresa Gramado Parks começou os negócios na Serra gaúcha, com a construção do Snowland, o primeiro parque de neve indoor das Américas.
Depois, com a venda das cotas, passou a fazer a gestão do Wyndham Gramado Termas Resort Spa, Exclusive Gramado, Bella Gramado e Buona Vitta Gramado – todos localizados na cidade da Serra. Em Pernambuco, há o Namareh Carneiros by Gramado Parks. Ainda em construção, existem o Hydros Gramado e o Aquan Prime Resort, em Foz do Iguaçu, no Paraná.
Na área de entretenimento, além do Snowland, a companhia é proprietária do Acquamotion, parque aquático coberto em Gramado, e das rodas gigantes Yup Star, no Rio de Janeiro e em Foz. Também está em construção o Acquaventura da Gramado Parks, na Praia de Carneiros, em Pernambuco.
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