Era inverno de 1974, quando o primeiro restaurante de fondue de Gramado foi inaugurado. A iguaria, hoje um clássico da gastronomia da região, caiu no gosto e completa 50 anos de sucesso. O responsável por esse feito é Clécio Gobbi, de 85 anos. “Não tem como vir para a cidade e não provar. É como ir a Roma e não ver o papa”, brinca.
O primeiro estabelecimento comercial a servir fondue foi o St. Hubertus, aberto oficialmente ao público em um dia frio de 1º de julho. Com uma vista para o Lago Negro, o empreendimento não pertence mais ao empresário, mas ainda está aberto e preserva essa história.
Clécio tem orgulho do legado que construiu. Nascido em Colorado e criado em Passo Fundo, sempre teve entre as paixões as viagens e as pesquisas. Em 1972, experimentou e se encantou pela receita que mudaria sua vida, mas o amor pela gastronomia iniciou bem antes disso.
A trajetória profissional começou há quase 70 anos. Trabalhando em uma concessionária, surgiu a oportunidade de abrir uma cantina para servir café aos clientes e funcionários. Ele aceitou o desafio. “Comprava revistas de culinária e pegava algumas ideias para lá”, comenta. Depois de algum tempo, desistiu do negócio e decidiu vender carros pelo Rio Grande do Sul afora, uma atividade melhor remunerada. Em uma dessas viagens, conheceu a esposa Noeli, na cidade de Espumoso.
Querendo voltar ao ramo dos restaurantes, pediu ajuda ao pai e iniciou o serviço de uma churrascaria em Sapucaia do Sul, nas margens da BR-116. “E foi um sucesso. A gente recebia muitos artistas, jornalistas, comecei a sair das colunas sociais”, atesta. “Também tive restaurante do que hoje a gente chama de cozinha contemporânea em Novo Hamburgo. Até que quis abrir um restaurante na praia e não deu certo. Conhecia Gramado e resolvi que queria recomeçar de novo na Serra”, pondera o empresário.
Clima de inverno para acompanhar
Clécio tinha 35 anos quando chegou em Gramado com o intuito de abrir um novo negócio. Ao passear pelos lugares, deparou-se com uma estrutura ainda não concluída no bairro Planalto.
Descobriu que a área pertencia a um alemão e que quem comandava a obra era o construtor Günther Siegfried Schlieper, que anos depois se tornou prefeito de Canela. “Marcamos uma reunião e expliquei para ele que eu era da área da gastronomia. Ele gostou na ideia e me ajudou a alugar o prédio. Fechamos o negócio”, recorda, ao citar que um dos questionamentos era sobre a certeza do local, até então sem muita estrutura no entorno, próximo ao Lago Negro. “O pessoal da cidade me achou louco”, relembra.
Clécio conta que entre as conversas com Günther falou do fondue, que ambos tinham experimentado na Argentina. “Naquela época, Gramado era um local para veraneio, o pessoal de Porto Alegre vinha em busca de um ar mais fresco, mas eu sempre soube que aqui tinha um clima para que pudesse ser aproveitado mais no inverno”, esclarece.
Foi então que ele começou a preparar a estrutura, tudo com bastante dificuldade por ser uma novidade. “Os queijos eu não encontrava aqui, tinha que ir de carro até Buenos Aires para comprar o emmental e gruyère. As panelinhas de cerâmica eram feitas sob encomenda e os rechauds comprei em uma metalúrgica da região que produzia, mas não tinha venda no Brasil, exportavam todos”, conta.
Com tudo preparado, faltava o nome para o local. Quem sugeriu foi Günther. “Como era uma região de bastante mata, ele falou que St. Hubertus poderia ser homenageado, o santo protetor dos caçadores”, frisa. “Abrimos a casa e no primeiro mês já tinha fila no restaurante”, salienta.
Como o prato era servido no início
As receitas servidas no início eram as clássicas. O fondue de queijo acompanhado de pão dormido e o de carne estilo bourguignonne, com o filé mignon sendo mergulhado no óleo de coco. O fondue de chocolate veio tempo depois, quando a cidade começou a produzir o chocolate artesanal. “Hoje se usa uma série de variações, isso é tudo invenção do gaúcho”, acentua.
“O fondue de queijo era uma entrada e depois se pedia um prato principal. No começo, era difícil que as pessoas pedissem os dois fondues juntos, foi acontecendo depois”, relata.
O empreendimento era comandado por Clécio, que ficava responsável por supervisionar o serviço e recepcionar os clientes. “Era uma casa pequena. Tinha um garçom, e logo na primeira semana tivemos que contratar mais um” comenta. “Gostava de estar em todos os ambientes. Eu que pensava nos cardápios, na decoração”, complementa.
Com a venda do St. Hubertus para o irmão anos depois, o empresário abriu, em 1985, um outro, o Edelweiss, que seguiu com ele até dois anos atrás, quando se aposentou definitivamente. O espaço era sua casa e foi criado com o intuito de servir uma típica comida alemã. “Mas não tinha como eu não colocar fondue também”, reitera Clécio.
Histórias vividas
E são muitas as histórias vividas ao longo de todos os anos à frente dos restaurantes. “Tinha um jogador que vinha no Edelweiss e sempre ficava em uma mesa no cantinho, engraçado que sempre com uma mulher diferente”, frisa de forma bem-humorada.
Entre os destaques está a visita do então presidente Fernando Collor de Mello, em 1992, quando esteve na região para um encontro de líderes do Mercosul. “Veio um segurança à tarde para ver o restaurante e fazer a reserva, mas só fiquei sabendo que era ele na hora. Pediram para que eu não atendesse mais ninguém naquela noite, até a rua trancaram”, rememora.
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“Eu me sinto realizado”
Em uma história de vida de muitos recomeços, demonstrando resiliência, Clécio cita que tem uma “felicidade extrema” ao recordar esses 50 anos.
“Eu me sinto realizado, sou feliz pela quantidade de empregos que são gerados hoje por causa de um prato que eu trouxe para Gramado há 50 anos. Tenho muito a agradecer a cidade, que me recebeu muito bem, e ao senhor Günther, que me ajudou muito”, declara. “Mas a minha decepção é que, com raras exceções, eu não tenho o reconhecimento pelo que fiz pela cidade e pelos restaurantes que hoje vivem do fondue”, desabafa. Atualmente, são cerca de 70 as casas que servem fondue na cidade.
Agora aposentado, Clécio gosta de passar os dias fazendo artesanato e cozinhando para a família. Amante de esporte e das viagens, está planejando mais duas. Uma para a França, para acompanhar a prova de ciclismo Tour de France, e a outra é para a Copa do Mundo de 2026, que ocorrerá no Canadá, Estados Unidos México.
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