O que significa qualidade de vida para você? Para muitos, a resposta talvez seja receber um bom salário, conseguir fazer um exercício físico e aproveitar os momentos de folga. Mas para outros tantos que chegam de forma refugiada ou que decidiram recomeçar do zero no Brasil, é ter um salário, alimento e moradia digna.
A região recebe cada vez mais migrantes estrangeiros. Conforme a Secretaria de Cidadania e Assistência Social de Gramado, 90% são venezuelanos. Um acordo entre Brasil e Venezuela facilita a entrada e permanência destes no País.
De janeiro até início de abril, foram mais de 140 pessoas que buscaram a pasta, para regularizar sua situação e obter a Carteira de Registro Nacional Migratório (CRNM).
Ter a CRNM é fundamental para quem busca trabalho. “Para estar registrado em uma empresa, receber em uma conta bancária, precisam ter a documentação em dia”, relata o coordenador geral da pasta, Maurício Roldo.
Porta de entrada
Desde janeiro deste ano, a comunidade imigrante tem auxílio da Assistência Social, quanto ao envio da documentação necessária para encaminhar à Polícia Federal. “O documento é emitido na Polícia Federal, e com a alta demanda lá, agora cada município faz a recepção dos documentos, para facilitar a vida dos imigrantes, pois muitas vezes perdiam o dia para ir até lá”, comenta Roldo.
“Quando eles chegam no País, geralmente buscam o Cras. Eles fazem o cadastro único, e aí começa a demanda de documentos. A primeira porta que se abre é a Assistência Social”, justifica o secretário Ilton Gomes.
Na maioria das vezes, quem chega encontra-se em situação de dificuldade. “Normalmente vem sem indicação de emprego. Algum amigo ou parente chega e diz que tem oportunidade e aí ficam na casa dessas pessoas”, complementa Gomes.
Preferência
Os imigrantes não costumam vir de forma imediata para Gramado. “Chegam por Roraima, vão para Porto Alegre ou Caxias do Sul primeiro. Mas escolhem Gramado pela qualidade de vida, e oferta de emprego. E eles vêm com muita vontade de trabalhar”, explica Maurício.
A maioria dos estrangeiros tem perfil jovem e são casais. Há também muitos que vêm com suas famílias, com filhos pequenos, para oportunizar educação a eles. Ainda, apesar de hoje trabalharem em setores comerciais e turísticos da região, muitos possuem curso superior em seus países.
“Uma boa parte dos venezuelanos eram bem empregados, com cargos bons, tem professores, advogados. E chegam aqui e vão trabalhar em restaurante, tem um impacto social bem grande. Eles precisam vender seus imóveis lá, porque se deixar é tomado conta”, coloca Roldo.
“Meus filhos não têm que passar mal por governo”
“Eu era professora, tinha faculdade na Venezuela, minha casa própria. Tive que vender tudo para procurar uma melhor vida para meus filhos”, afirma Alejandra Oliveiro, que resolveu sair do seu país e migrar para cá.
“Estamos no Brasil pela qualidade de vida, porque tem saúde, escola. Tem dias que ficamos com saudade. A gente luta muito, acorda cedo todos os dias, infelizmente tem pessoas que pensam que porque somos imigrantes, viemos de outro país, somos pessoas que não temos nada. Eu estudei, tenho faculdade, e hoje sou faxineira, trabalho em hotel. Mas está tudo bem, porque o importante é estar trabalhando.”
Ela mora há quase três anos em Gramado. Foi em outubro de 2022 que a jovem de 25 anos veio da Venezuela com o marido e duas crianças, que hoje tem 8 e 4 anos. Ao chegar no Brasil, descobriu que estava grávida da terceira, que fará 2 anos. Em sua casa, são oito pessoas que moram. A mãe chegou há oito meses, para ajudar com a bebê.
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“Na Venezuela a gente morre para ter um bebê. Não tem remédio. Quando tive meu segundo filho, vivi um mau trato, não conseguia parir e quase morri”, relembra, após ter ficado em trabalho de parto por mais de dois dias.
Dificuldades
“O salário era cinco dólares por mês. Para pagar um quilo de carne era dez dólares. Não era possível fazer um mercado para o mês”, conta. “Passamos muita necessidade, as crianças demoravam duas horas caminhando para ir para escola. Um dia não tínhamos comida em casa, e levei eles, apenas para poder comer. Quando chegou lá, ele desmaiou”, lamenta.
Aquele momento foi a decisão de ir embora. “Meus filhos não têm que passar mal por causa de um governo e de um país”, diz.
Em um período de cinco meses, venderam tudo para poder vir ao Brasil. O destino final seria Parobé, onde tinham familiares. Vieram pela divisa de Roraima. “Nosso voo era em duas semanas. Mas o nosso número para passar pela Polícia Federal era o 14 mil. Se ficássemos aguardando documento, íamos perder. E já não podíamos mais voltar para a Venezuela. Então ali decidimos cruzar pelo caminho verde [rota clandestina], para passar pela fronteira”, lembra.
As malas tiveram que ser deixadas para trás e apenas uma mochila e uma caminhada de 16 horas dividiam o sonho de uma vida melhor. “Depois de cruzar e chegar em Boa Vista, choramos. Ficamos dois dias num hotel e depois fomos para Manaus. E de lá viemos para Porto Alegre. Quando chegamos em Gramado, não falávamos português”, pontua.
O primeiro processo de regularização ocorreu ainda na capital. Atualmente, a família já está aguardando a renovação, em Caxias. Com a última filha nascida na Serra gaúcha, no Hospital São Miguel, a ideia é permanecer aqui. “No próximo ano queremos buscar o processo de naturalização brasileira”, comemora.