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DESAPROPRIAÇÃO

Comunidade adere em peso à audiência pública e se posiciona a favor da compra do hospital de Gramado

Prefeitura assinou decreto que coloca casa de saúde como local de utilidade pública

Fernanda Steigleder Fauth
Publicado em: 04/10/2023 às 14h:58
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 Um auditório lotado por moradores, ansiosos por saber as novidades do Hospital Arcanjo São Miguel (HASM). Assim foi a audiência pública realizada na noite de terça-feira (3), no Expogramado. O encontro tinha como objetivo ouvir a comunidade sobre a possível aquisição da casa de saúde por parte da Prefeitura. E a missão foi cumprida. Em votação, todos os presentes se mostraram favoráveis à compra do imóvel. 

Audiência pública sobre aquisição do Hospital São Miguel



Audiência pública sobre aquisição do Hospital São Miguel

Foto: Fernanda Fauth/GES-Especial

 A reunião pública contou com diversas autoridades, assim como familiares de pessoas que fundaram e auxiliaram na construção do HASM. Ao início da audiência, a procuradora-geral do Município, Mariana Reis, e membro da comissão interventora, trouxe uma retrospectiva dos acontecimentos envolvendo o empreendimento, que chegou a ser vendido para um grupo privado. 

“É preciso ter coragem para ser diferente e muita competência para fazer a diferença”, afirma, sobre as mudanças propostas e possível compra pelo Executivo. Em um despacho no inquérito civil, de 14 de setembro, o Ministério Público recomendou que “fossem envidados esforços para aquisição do São Miguel, em razão da indefinição da situação, que obriga a continuidade da intervenção e recomenda o que o hospital seja colocado a salvo de especulações econômicas e imobiliárias”.

“Vamos dar mais um passo para registrar em nossa história, se o aval for a favor, de o município ter seu hospital próprio. É um patrimônio que cuida de mais de 40 mil moradores e de pelo menos 10% dos visitantes que passam anualmente por aqui”, pontua o prefeito de Gramado, Nestor Tissot.

No momento, segundo anunciado, a Associação Franciscana de Assistência à Saúde (Sefas) está em fase de rescisão de contrato com o Grupo Prolife S.A e notificou o Executivo sobre a situação. “Visando a manutenção dos serviços de saúde, além do incontestável e indiscutível interesse público que se apresenta, pela manutenção de um dos bem mais preciosos, que é o acesso a saúde, o Município de Gramado decretou através do Decreto nº 1476/2023, publicado na edição 184 do Diário Oficial, a utilidade pública do Hospital Arcanjo São Miguel”, revela Mariana.

Assim, além de ter a preferência na compra da casa de saúde, a Prefeitura poderá proceder com a desapropriação do imóvel. “O hospital na mão pública poderá criar alternativas de receitas diferentes do que temos hoje, para implementar hoje as necessidades. E temos muitos projetos hoje, alternativas. Ali mesmo naquela área do hospital, dá para continuarmos por alguns anos melhorando a saúde pública”, complementa Tissot. 

Poucas questões foram levantadas pela comunidade e afirmações e histórias foram compartilhadas. “Estamos escrevendo uma história como em 1937 e estamos discutindo mais que um prédio, estamos envolvidos numa fidelidade aquilo que Gramado representa emocionalmente”, disse o professor aposentado Romeo Riegel.

“Estou há 15 anos no Conselho Municipal de Saúde. E esse é um passo importante. Que nunca mais esse hospital seja privado. Gramado é diferente, temos que ter um hospital público. E esse projeto é pequeno, temos que pensar grande, precisaremos de um hospital novo no futuro, sim, mas precisamos principalmente de um hospital que atenda a população de Gramado e turistas que visitam, e não precisar mandar para Porto Alegre ou Caxias, por falta de vagas”, diz Anselmo Schein, representante de Associação de Moradores de Gramado. 

Algumas dúvidas foram relacionadas de como se dará a administração após a compra e sobre o possível fim da filantropia. “A questão da gestão é um segundo passo, mas já está sendo estudada e todos os poderes participarão dessa construção”, reitera Mariana Reis. 

Após as manifestações por parte de moradores, representantes de entidades e políticos, uma votação simbólica foi realizada. Quem fosse contrário à compra, deveria ficar em pé. Ninguém levantou. Com o resultado, o Poder Executivo procederá com os próximos passos da aquisição do HASM. Sim, o hospital será, pela primeira vez, público.

A Sefas, ao final da audiência pública, foi notificada, de forma oficial, com a entrega do documento por parte da procuradora-geral, que a Prefeitura de Gramado pretende desapropriar o Hospital São Miguel. A presidente da associação Liliane Pereira aproveitou o momento para se manifestar.

Audiência pública sobre aquisição do Hospital São Miguel



Audiência pública sobre aquisição do Hospital São Miguel

Foto: Fernanda Fauth/GES-Especial

“Qual a função da Sefas hoje? Chancelar um bem bem-feito. Não seremos nós a colocar empecilho nesse processo, antes e acima de tudo, vamos colaborar com nossa missão, da nossa função e fazer. Que no dia do trânsito de São Francisco, possam, de fato, construir, um marco atemporal para Gramado e sua população”, cita.

Agora, todos os processos administrativos serão tomados, com o aval da população. “Não temos dúvidas que todas as atitudes que foram tomadas até agora estão estritamente dentro da legalidade”, lembra a procuradora.

“Voltaremos a convidar a comunidade, possivelmente será neste mesmo local, no Expogramado, para acompanhar, então, a assinatura do contrato de compra”, frisa o prefeito de Gramado, Nestor Tissot. 

Valores

O valor de compra do HASM ficará, novamente, nos R$ 30 milhões. Conversas entre o Executivo e Legislativo gramadense tem firmado uma parceria, para que parte das emendas dos vereadores de 2024 e 2025 auxiliem nos pagamentos das parcelas. 

Um carro zero quilômetro, doado pela Kia, uma das patrocinadoras do Festival de Cinema de Gramado, será rifado ou sorteado. O recurso obtido será destinado para a casa de saúde.

Ainda, uma reunião nesta quarta-feira (4), com empresários e entidades, sobre a taxa de turismo será realizada. “Estamos estudando para que se possa tirar uma parcela para a segurança pública e parte para o custeio do hospital, é mais uma alternativa que temos para colocar na mesa e discutirmos. Estou convicto, após dois anos e meio de conversas, reuniões, que a compra do hospital é uma grande negócio, saúde é fundamental”, justifica Nestor.

Relembre

O Hospital São Miguel está sob intervenção do Executivo municipal desde 29 de fevereiro de 2016. São 7 anos e 7 meses de gestão administrativa realizada pela Prefeitura. Na época, como comentou o promotor de Justiça da 2ª Vara de Gramado, Max Guazzelli, a situação era preocupante. 

Em agosto de 2021, a Associação Franciscana de Assistência à Saúde (Sefas) vendeu o hospital para a Seferin e Coelho, pelo valor de R$ 40 milhões. Deste investimento, R$ 10 milhões viriam para a Prefeitura, devido aos recursos municipais aportados pela intervenção.

À época, a notícia trouxe preocupações e o Ministério Público fez uma série de apontamentos e recomendações. A falta de um plano de trabalho, os valores com o fim da filantropia – que acarretariam em cerca de R$ 500 mil a mais em pagamentos por mês -, e o receio de uma especulação imobiliária foram acompanhados de perto.

“Se tu compra um hospital, no mínimo antes precisa ter uma auditoria, um plano de trabalho, para saber se o Executivo podia levantar a intervenção. Eles tinham uma empresa que tinha sido aberta meses antes, com capital social de R$ 10 mil, e assinaram contrato de R$ 30 milhões. Então não era viável”, relembra Guazzelli.

Em 2022, os empresários compradores, que eram sócios do Grupo Prolife S.A, deixam a gestão e a Prolife S.A assume na totalidade a compra, firmando novo contrato. Desde então, novas solicitações foram pedidas pelo MP, assim como reuniões realizadas. Um projeto de construção de um novo hospital chegou a ser apresentado no ano passado, em um terreno que seria adquirido e ficaria localizado próximo à Perimetral do bairro Três Pinheiros. Porém, a proposta nunca foi protocolada. 

O HASM

O Hospital Arcanjo São Miguel já tem sete décadas de história. Foi em 1º de maio de 1937 que representantes da comunidade se reuniram, sob a condição do médico Carlos Nelz, para construir um estabelecimento hospitalar. Uma comissão foi formada para angariar fundos, para adquirir o terreno e construir o prédio.

Em 3 de setembro de 1938, foi escolhido o terreno, onde até hoje se localiza o hospital. Em 1939, a pedra fundamental foi lançada. E, foi em 1942, que a então Sociedade Hospitalar de Gramado doou o terreno às irmãs do Puríssimo Coração de Maria, para que pudessem construir.

A casa de saúde foi inaugurada em 1947 e na época, hotéis e comunidade doaram camas, cobertas e outros utensílios para que o HASM pudesse, finalmente, ser aberto. Por todo esse tempo, foi gerido por congregações religiosas. 

Conforme dados trazidos durante a audiência pública, de janeiro a agosto deste ano ocorreram 24 mil atendimentos de emergência e urgência pelo SUS e outros 5 mil por convênios e particulares. Foram mais de 1,7 mil cirurgias públicas e 1,6 mil privadas. Até o mesmo período, foram mais de 460 crianças que nasceram. Ainda, de acordo com a Secretaria da Saúde, o SUS corresponde por 63% das internações e 80% dos atendimentos em ambulatório. 

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